Filme que inauguraria os anos 80 para Jean Garrett, “O Fotógrafo” teve roteiro escrito a quatro mãos com Inácio Araújo. Nele, o diretor de certa forma revisita os tempos em que montara um estúdio fotográfico em São Paulo, ainda bem garoto, antes de aterrissar no cinema como ator e contra-regra no episódio “Pesadelo Macabro”, de José Mojica Marins, em “Trilogia do Terror” (1968).
Há uma queda perceptível do brilhantismo demonstrado no longa anterior, “A Mulher que Inventou o Amor” (1979), o que chega a ser desculpável diante das alturas alcançadas com a obra, irretocável e caudalosa, encabeçada por Aldine Müller.
Aldine retorna em “O Fotógrafo”, agora como a estudante de sociologia da USP, criatura chatíssima, repleta de jargões politicamente corretos. A pseudo Rosa Luxemburgo é cobiçada por Denis Mark (o saudoso Roberto Miranda), que vislumbra na menina uma possibilidade de redenção perante as caçadas priápicas e sem-sentido do cotidiano.
“Essas fotos capciosas têm valor sociologicamente nulo. Além do mais, a mulher é coisificada e o corpo é transformado em mercadoria”. Mais adiante, a garota vai em rompantes no estilo de “é a dupla alienação” ou “o patrão tira a mais-valia”. Salamaleques que deixam Mark doidinho, acreditando estar cara a cara com a profeta dos novos tempos.
A voz da razão para ele acaba sendo a assistente, Patrícia Ribeiro (Patrícia Scalvi), que lá pelas tantas diz o básico: “Ok, mas quem vai pagar o seu uísque escocês?” E talvez pelo excesso de informação, as ondas cerebrais de Mark fiquem de tal modo confusas que o mocetão chega ao ponto de nem mesmo corresponder às expectativas da socióloga no boudoir.
Patrícia introjeta aquela bruxinha rancorosa, ciumenta e invejosa das estripulias do rapaz. Levemente feia, confirma ser um terremoto em ebulição, misturando ceticismo na superfície e a vontade interior de sobressair aos olhos do fotógrafo.
“Eu digo o que tem que ser feito e você procura. Só isto”, diz Mark numa versão prepotente, sem saber, o pobre coitado, que nos filmes garrettianos, o homem termina caindo de joelhos aos pés das vestais.
É por isto, senhoras e senhores, que até mesmo o que se convencionou atacar como “o cinema machista e preconceituoso” da Boca precisa ser analisado enquanto fenômeno poliédrico, multifacetado. Garrett, dono da Íris Produções Cinematográficas – que bancou parcialmente este e outros de seus filmes – demonstrava perspectiva bastante original a respeito do batido tema da “tensão entre os sexos”.
Quanto ao momento histórico, “O Fotógrafo” aproveitou o boom dos fetiches entre o profissional das câmeras e as manecas, cativado a pão-de-ló no Brasil de 1980. O sucesso da novela “Plumas e Paetês” – sobre uma trupe de manequins – e a chegada em 1981 do seriado “Amizade Colorida” – estrelado por Antônio Fagundes, que apresentava o bigodão também ostentado por Miranda – confirmam a tendência popular.
Entre “closes explícitos” – inclusive o nu frontal de Miranda –, situações calientes – como a da quatrocentona (Meiry Vieira) que fantasia ser prostituta em bordel – e delírios podólatras ocasionais, Garrett desenvolve o apuro costumeiro, transformando samambaias, copos de sal de fruta e músicas lounge de single's bars no cenário perfeito para o galã.
Saborosos créditos iniciais, em que à menção de cada nome, o técnico citado aparece na tela. Boa oportunidade para se encontrar, por exemplo, Cláudio Portiolli e Garrett – aka “J. A. Nunes”, de José Antônio Nunes Gomes e Silva –, responsável, ainda, pela montagem. Humor implícito em outras sacadas, como a de mostrar um cheque no momento em que são listados os produtores associados – entre estes, a Cláudio Cunha Cinema & Arte.
Quando Garrett morreu em 1996 -- deprimido, afastado do cinema e exercendo a função de coordenador artístico do Teatro Bibi Ferreira – houve quem apontasse -- na falta dos outros para assistir e comparar -- "O Fotógrafo" como seu melhor filme. Intimista e agradável, é somente exemplo fácil do que o diretor realizou naqueles anos de trabalho intenso, meio caminho entre o início com David Cardoso e o canto dos cisnes "Tchau, Amor" (1982), antes de partir para um erotismo cada vez mais hardcore -- e cada vez menos provido de seu talento obsessivo e perturbador.
Há uma queda perceptível do brilhantismo demonstrado no longa anterior, “A Mulher que Inventou o Amor” (1979), o que chega a ser desculpável diante das alturas alcançadas com a obra, irretocável e caudalosa, encabeçada por Aldine Müller.
Aldine retorna em “O Fotógrafo”, agora como a estudante de sociologia da USP, criatura chatíssima, repleta de jargões politicamente corretos. A pseudo Rosa Luxemburgo é cobiçada por Denis Mark (o saudoso Roberto Miranda), que vislumbra na menina uma possibilidade de redenção perante as caçadas priápicas e sem-sentido do cotidiano.
“Essas fotos capciosas têm valor sociologicamente nulo. Além do mais, a mulher é coisificada e o corpo é transformado em mercadoria”. Mais adiante, a garota vai em rompantes no estilo de “é a dupla alienação” ou “o patrão tira a mais-valia”. Salamaleques que deixam Mark doidinho, acreditando estar cara a cara com a profeta dos novos tempos.
A voz da razão para ele acaba sendo a assistente, Patrícia Ribeiro (Patrícia Scalvi), que lá pelas tantas diz o básico: “Ok, mas quem vai pagar o seu uísque escocês?” E talvez pelo excesso de informação, as ondas cerebrais de Mark fiquem de tal modo confusas que o mocetão chega ao ponto de nem mesmo corresponder às expectativas da socióloga no boudoir.
Patrícia introjeta aquela bruxinha rancorosa, ciumenta e invejosa das estripulias do rapaz. Levemente feia, confirma ser um terremoto em ebulição, misturando ceticismo na superfície e a vontade interior de sobressair aos olhos do fotógrafo.
“Eu digo o que tem que ser feito e você procura. Só isto”, diz Mark numa versão prepotente, sem saber, o pobre coitado, que nos filmes garrettianos, o homem termina caindo de joelhos aos pés das vestais.
É por isto, senhoras e senhores, que até mesmo o que se convencionou atacar como “o cinema machista e preconceituoso” da Boca precisa ser analisado enquanto fenômeno poliédrico, multifacetado. Garrett, dono da Íris Produções Cinematográficas – que bancou parcialmente este e outros de seus filmes – demonstrava perspectiva bastante original a respeito do batido tema da “tensão entre os sexos”.
Quanto ao momento histórico, “O Fotógrafo” aproveitou o boom dos fetiches entre o profissional das câmeras e as manecas, cativado a pão-de-ló no Brasil de 1980. O sucesso da novela “Plumas e Paetês” – sobre uma trupe de manequins – e a chegada em 1981 do seriado “Amizade Colorida” – estrelado por Antônio Fagundes, que apresentava o bigodão também ostentado por Miranda – confirmam a tendência popular.
Entre “closes explícitos” – inclusive o nu frontal de Miranda –, situações calientes – como a da quatrocentona (Meiry Vieira) que fantasia ser prostituta em bordel – e delírios podólatras ocasionais, Garrett desenvolve o apuro costumeiro, transformando samambaias, copos de sal de fruta e músicas lounge de single's bars no cenário perfeito para o galã.
Saborosos créditos iniciais, em que à menção de cada nome, o técnico citado aparece na tela. Boa oportunidade para se encontrar, por exemplo, Cláudio Portiolli e Garrett – aka “J. A. Nunes”, de José Antônio Nunes Gomes e Silva –, responsável, ainda, pela montagem. Humor implícito em outras sacadas, como a de mostrar um cheque no momento em que são listados os produtores associados – entre estes, a Cláudio Cunha Cinema & Arte.
Quando Garrett morreu em 1996 -- deprimido, afastado do cinema e exercendo a função de coordenador artístico do Teatro Bibi Ferreira – houve quem apontasse -- na falta dos outros para assistir e comparar -- "O Fotógrafo" como seu melhor filme. Intimista e agradável, é somente exemplo fácil do que o diretor realizou naqueles anos de trabalho intenso, meio caminho entre o início com David Cardoso e o canto dos cisnes "Tchau, Amor" (1982), antes de partir para um erotismo cada vez mais hardcore -- e cada vez menos provido de seu talento obsessivo e perturbador.
7 comentários:
Oi Andrea. Grande artigo. Sou um dos que acredita que "O Fotógrafo" seja o melhor trabalho de Jean Garrett. Parabéns por falar desse extraordinário realizador, bastante injustiçado. Roberto Miranda está muito bem nesse filme.
Matheus Trunk
www.revistazingu.blogspot.com
Oi Matheus, obrigada. Acho legal cada um ter seu "garrett" preferido, pois isso demonstra que ele dificilmente errava. Acho "O Fotógrafo" um grande filme, mas não uma obra-prima como "A Mulher que Inventou o Amor".
Gostaria de saber como faço para conseguir na internet esse filme ?
Para mim, o trabalho do fotografo é um dos melhores e gostaria poder trabalhar disso, mas não é tao fácil a verdade...
Excelente pornochanchada clássica dos anos oitenta. Roberto Miranda era muito sensual e faceiro e tinha um ótimo corpo também.
Encontrei o filme,vou ver.Quanto à análise-crítica,ótima-como-sempre.
Roberto Miranda tinha um corpo escultural tão estonteante que já era muito mais excitante sozinho em suas próprias cenas de nudez do que em suas costumeiras cenas de sexo implícito junto com outros atores e atrizes famosos no cinema nacional. O estonteante e sensualíssimo Roberto parecia ter sido inteiramente esculpido a mão da cabeça aos pés a exemplo da loura e igualmente estatuesca atriz pornô dos anos noventa Candy Evans.
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