Clássico da velha "Sala Especial", José Miziara podia não ter o talento de Cláudio Cunha, ou mesmo o cuidado obsessivo de Jean Garrett, mas seus filmes oferecem diversão razoável para quem gosta do cinema da Boca do Lixo paulistana.
Sem grande sofisticação, trafegando entre um machismo insidioso e o "oportunismo de costumes" -- que caçava nos jornais os assuntos "da moda", vendendo-os digeridos para o espectador -- Miziara realizou o pretensamente libertário "Embalos Alucinantes" (1979), cruzamento entre "Vai Trabalhar Vagabundo" e qualquer coisa lida na Manchete ou na Veja sobre a novidade da troca de casais.
Citação explícita, o protagonista Ramon (Nuno Leal Maia) terá suas idéias despertas folheando uma reportagem sobre o assunto. Em seguida, sintonizado com a "lei do Gérson" -- máxima, então em moda, sobre o brasileiro levar vantagem em tudo -- arma um plano mirabolante, contando com a ajuda da apetitosa Cris (Lenilda Leonardi); adepta do amor livre, sexo em grupo e venda de badulaques na Praça da República.
Ramon é típico alpinista social, chegado do interior ("Eu sou de Frutal!"), estudante da Usp nas horas vagas e parasita de um primo gay, Sérgio (Hélber Rangel), a quem tortura psicologicamente. Quando saem no tapa, Sérgio expõe algumas verdades ("Desrecalca! Você não tem coragem de assumir! Quem transa com bicha também é!"), mas o cafajeste não dá a mínima, agindo no limite da inconsequência e da marginalidade.
Sem ter a delicadeza de um Hugo Carvana, o malandro rascunhado por Miziara provoca apenas risos, quando não tédio ou desprezo. Mau feito um pica-pau, seduz a colega de curso, Valdete (Ana Maria Braga, irmã da Sônia Braga e mãe da Alice), rejeitando em seguida sua doce proposta de casamento. Antes engana um escoteiro, obrigando o menino a lavar pratos em um restaurante. Se roubasse pirulitos ou tomasse porres homéricos de Leite Ninho, quase ninguém sentiria a diferença.
O que Ramon quer é aventura, e logo vai parar com Cris na casa dos milionários Felipe (Anselmo Duarte) e Rosália, com quem realizam a troca de casais, ou, como preferiam os praticantes, o swing ("No Brasil existem 100 mil adeptos!" -- Felipe entusiasma-se). Além do swing, mais ícones da libertinagem festiva surgirão aos poucos nas telas: a boate Banana Power, tocando o fino da discoteque; a bissexualidade de Rosália, avançando em Cris; e o amigo travesti de Sérgio, feito pelo próprio José Miziara.
Por não ser um filme "orgânico" -- no sentido que Gramsci coloca, de elemento transformador -- "Embalos Alucinantes" representa mero catálogo de época, não se comparando a outras pornochanchadas famosas -- e subversivas -- como "Giselle" ou "Mulher, Mulher". Intoxicados por este clima de picardias de salão, os personagens são morosamente estanques, seguindo previsíveis do início ao fim.
Sobram os diálogos pra frentex ("Tão a fim de uma caipirinha? Falou, irmã, é a minha birita favorita!"); o decór -- a casa de Felipe, no Guarujá, é um monumento à luta de classes; o elenco (Anselmo Duarte, com aquela dicção impoluta de Vera Cruz, falando sobre swing é impagável); e a leviandade sexual, mesmo que aprisionada a moralismos. Apoiando-se nesses pilares, foi que a vertente mais popular da indústria da Boca do Lixo consolidou fama -- e, de certa forma, um estereótipo de si mesma, muito aquém das pérolas que oculta embaixo dos tapetes comprados na 25 de Março.
Quando o plano de Ramon em chantagear Felipe cai no vazio, o coroa milionário leva de prêmio a mulher do golpista -- e um final "surpreendente", nada surpreende. A trilha-sonora avisa ("Eu aproveito tudo/ Que a vida me oferecer/ Cada minuto a mais/ É um minuto a menos/ Que vai viver"), e a imagem de vagabundo romântico, pronto para outra empreitada, cola-se ao protagonista -- ainda que esqueçamos dele um minuto após baixarem os letreiros.
José Miziara -- ex-artista de circo e dublador -- acabaria, como tantos, mergulhado de cabeça na onda do sexo explícito, produzindo e dirigindo paródias e montagens bem ao gosto dos anos decadentes do cinema paulistano. "Embalos Alucinantes" é de uma época melhor -- a "Boca dos Sonhos", como a descreveu com simplicidade Helena Ramos -- e obteve mais de 500 mil pagantes, além de centenas de reprises nas tvs abertas dos anos 80 e 90. Visto e revisto com gosto, quase todo mundo se lembra, ainda que não tenha coragem de confessar.
8 comentários:
Sou super fã do Miziara, de carteirinha mesmo. Ele quando acerta na comédia é ótimo, como neste filme. E mesmo no drama, ("As Intimidades de Fernanda é Analu"), sabia dirigir muito bem. Era bom de atores, o Nuno Leal está muito bem aqui e me lembro da Helena Ramos em "As Intimidades" é genial. "Pecado a Horizontal" é notável, e dizem que "Mulheres do Cais" é o melhor filme dele. Um dos grandes diretores da Boca, entre os cinco melhores com toda certeza. A música é do genial grupo Os Carbonos, que acompanhava diversos cantores bregas como Paulo Sérgio e Wanderley Cardoso.
Oi Matheus, "Embalos Alucinantes" até acho divertido, mas não sou grande admiradora do Miziara. A trilha-sonora dos Carbonos realmente é muito legal, gruda no ouvido da gente :) Um abraço!
Fico feliz em descobrir o nome do artista da música que toca nos créditos, vou ver se baixo na Internet!
Quanto ao filme, é meu predileto da Boca-do-Lixo. Postei no meu Blog sobre ele em 10 de novembro, um dia depois de vê-lo pela primeira vez no Canal Brasil, e agora repeti a dose. Suponho que o filme seja exibido semestralmente. Sempre irei assistir! Acho que as risadas só aumentarão. A propósito, nunca tinha ouvido falar do longa porque sou de uma geração que não esbarrou nele na TV aberta (1988)! Belo trabalho, bela resenha.
Para ler meu texto, se estiver curioso, melhor do que dar meu site e gastar tempo no extenso arquivo, é digitar no Google: "girafas em caldas" e "embalos alucinantes". Ambos, entre aspas mesmo, mas sem o "e" que está entre eles. É um artigo que mistura uma história pessoal com o enredo picareta do filme!
meu blog é o xtudotudo6.zip.net
queria saber o nome da musica no final do filme? gostei muito.
Anselmo duarte com aquela pompa fazendo pornochanchada deve ser estranho mesmo.quanto a atriz Ana maria braga eu a achava lindíssima,sumiu por quê?
Estou vendo o filme agora,depois de tanto tempo.
Muito chato o ''anônimo'' se referir aos artistas da jovem-guarda como bregas.
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