Pornochanchada é cinema popular brasileiro, mas cinema popular brasileiro não é exclusivamente pornochanchada.
A pornochanchada foi um movimento dentro do cinema popular brasileiro. Cinema popular que já existia antes da pornochanchada e continua a existir depois dela. Alguém vai dizer que "O Céu de Suely" não é cinema popular brasileiro? E até o sofisticado "O Cheiro do Ralo"? Um filme que gira em torno de um belo par de glúteos é cinema popular, ainda que o derrière guarde explicações freudianas e metafóricas de primeira grandeza.
Recuando no tempo, o cinema policial brasileiro não é pornochanchada, é cinema popular. "República dos Assassinos", "Ódio", "Barra Pesada" e Clery Cunha são cinema popular. Os filmes de Xavier de Oliveira são cinema popular. As adaptações de Nelson Rodrigues, idem. O cinema inicial de Jean Garrett e de grande parte dos diretores da Boca era cinema popular.
Pornochanchadas são "Giselle", "As Seis Mulheres de Adão", "O Flagrante", "O Bom Marido" e os filmes de episódios. Um gênero -- interessantíssimo, por sinal -- dentro do cinema popular. Mas nem todos os filmes populares feitos no país daquela época são pornochanchadas.
Cometer este erro equivale a dizermos que toda música popular brasileira é samba. Ora, o samba é parte do amplo espectro da música popular brasileira, não seu todo e limite. Equivale a dizermos que músicos como Roberto Carlos, Belchior e Milton Nascimento são autores de sambas, apenas porque fazem música popular brasileira. O cinema popular brasileiro contém em si a pornochanchada, mas ela é apenas um aspecto do todo.
Estigmatizar a maior parcela da produção nacional -- digo maior parcela pois nunca se produziu tanto cinema no Brasil quanto nas décadas de 70-80 -- como pornochanchada, faz a gente recuar ao estágio mais infantil de crítica e discussão. Porque depois de taxados com o generalizante, estes filmes são jogados na lata de lixo da história, amaldiçoados e esquecidos através de uma mentira inicial: a de que são ruins justamente porque são "pornochanchadas".
A pornochanchada surge da comédia urbana, de "A Penúltima Donzela", "Os Paqueras", "Cassy Jones", etc., e evolui para uma economia de recursos e características narrativas que a diluíram em suas próprias contradições. E, dentro da pornochanchada, mesmo os produtores-diretores "mestres" do gênero, como Carlo Mossy e David Cardoso, por vezes se arriscaram em outras searas do cinema popular: Mossy, como fabuloso realizador de policiais; David, em quase todos os gêneros que a ocasião lhe proporcionasse.
Essa confusão entre o cinema popular e a pornochanchada tem raízes fáceis de serem identificadas. A expressão "pornochanchada" quando apareceu tinha caráter altamente pejorativo: era contração de chanchada -- sinônimo das comédias burlescas dos anos 50 -- com o prefixo "pornô", sugerindo conteúdo sexual. E se, rapidamente, os próprios diretores de pornochanchadas adotaram o adjetivo, transformando-o em slogan, por outro lado, para a inteligentsia, ela continuou a representar a mesma carga pesada de falta de talento e ambição estética.
O chamado cinema novo, surgido no Brasil no início dos anos 60, -- e os críticos forjados na eferverscência do movimento -- acreditavam (ainda acreditam) que a indústria cultural -- aquilo que em um regime capitalista gera o cinema popular, de massas -- é um mal em si, devendo ser substituída pelo cinema de autor, com pretensões engagée.
Assim, venderam com facilidade esta desvalorização do cinema comercial, sem considerar que a investigação artística e estética não se sustenta um minuto sem a aceitação comercial do cinema, pois precisa de bases sólidas, que vêm justamente no resultado desta construção francamente popular de uma arte financeiramente dispendiosa como a cinematográfica.
Para a eclosão de um gênio, de uma obra-prima, é preciso que se forme uma cultura de remotos anteriores ao estado de excelência. Se nem tudo na vida são flores, esta cultura pode ser medíocre, mas separando o joio do trigo encontraremos nela o que procuramos. Por tudo isso é que acredito tanto no cinema "paulista": ele nos legou um panorama amplo de estilos e qualidades, nos quais podemos descobrir o que é perene ou diz algo ao nosso próprio gosto pessoal.
O cinema novo pretendia justamente o contrário: romper com um meio familiar, que vinha sendo gestado ainda que por sucessivos fracassos e recuos -- principalmente na Vera Cruz e nas chanchadas cariocas. Além disso, substituía o senso histórico e factual por um cânone próprio, pinçado com capricho daquilo que lhes parecia "mais" ou "menos". Praticava uma espécie de atitude contrafilosófica, pois não desmembrava o problema, simplesmente o substituía pela elaboração de outro, sobrepondo-o.
Mais curioso, importava soluções externas, acusando justamente aquele cinema "passado" de fazer o mesmo. Muita gente não sabe, mas "Cinema Novo" o mundo teve aos montes no começo dos anos 60: inclusive o Novo Cinema de Portugal, que, com o adjetivo invertido, buscava as mesmas proposições do nosso movimento, influenciados pelas metrópoles culturais européias, Londres, Paris e Roma.
Ainda assim, no oba-oba e na provinciana dinâmica brasileira, grande parte das juvenis conclusões daquele período continuam a ser olhadas com simpatia e adesão. Se você quiser uma voz discordante a esta "reconstrução histórica" terá que procurar em Antônio Moniz Vianna, Rubem Biáfora, Alfredo Sternheim, Salvyano Cavalcanti de Paiva. Mas eles estão lá embaixo, soterrados por montanhas e montanhas de estudos críticos e teses de doutorado sobre os cinemanovistas.
Não quero dizer com isto que o cinema novo e seus afluentes, como aventura fílmica, tenham sido ruins ou inválidos. Pelo contrário: graças a eles, o cinema brasileiro viu alguns de seus melhores esforços. Só percebam: alguns, não totalitariamente todos. A crença de que o cinema brasileiro se dividia entre aqueles nobres artistas e uns outros pornográficos horrorosos, inviabiliza uma discussão inteligente sobre cinema no país. Felizmente, em pleno século XXI, novos diretores e formas maduras de compreensão crítica vêm renovando este cenário.
Esta renovação, quando plena, compreenderá que nomear alguém não significa propriamente nomeá-lo contra alguém. Assim, nomearmos Walter Hugo Khouri, Mozael Silveira ou Lima Barreto não significa que o fazemos contra Glauber Rocha, J.B. Tanko ou o Cinema Novo; mas sim que organizamos e enxergamos todos os aspectos de um problema -- no caso, o cinema brasileiro --, e buscamos nele as soluções e inspirações que precisamos.
Inclusive porque a maioria dos diretores identificados com o compromisso estético do cinema novo também demonstraram-se ótimos autores de filmes com engajamento simples e popular: Roberto Pires, Joaquim Pedro de Andrade e David Neves são os nomes fáceis de citarmos. Aliás, Joaquim Pedro no filme em episódios "Contos Eróticos" dirige um dos melhores momentos que a verve pornochanchadeira brasileira já criou, no inesquecível "Vereda Tropical".
Por tudo isso é que se a pornochanchada foi autêntico cinema popular brasileiro, cinema popular brasileiro não é sinônimo de pornochanchada. Revolucionários, tarados, burgueses, libertários, tiras ou marginais, são todos partes daquilo que precisamos enxergar: o cinema como mosaico de nossa experiência nacional, a ser relido sem preconceitos ou estigmatizações infantis. Não falarmos apenas sobre as tradições e os cânones que nos interessam, mas criarmos o máximo de cânones e tradições que conseguirmos: essa é a tática de guerrilha para o cinema brasileiro ocupar todos os espaços e discussões possíveis.
16 comentários:
Andréa, me sinto um privilegiado por ter nascido e vivido até minha adolescência no interior de Minas. Assim tive a oportunidade de ter contato com os filmes brasileiros populares que despertaram a minha simpatia e interesse. Creio que se não fosse por isso estaria fadado exclusivamente a apreciar o cinema com pretensões intelectuais e engajadas visto que, posteriormente, entraria em contato com uma literatura acadêmica sobre cinema quase que restrita às análises sobre filmes e diretores cinemanovistas. Assim como as pornochanchadas, as chanchadas dos anos 40/50 também sofreram muito com esta visão limitada. Sobre o caso da música nunca me conformei por ver nas lojas aquelas divisões nas prateleiras do gênero MPB, de um lado e o samba, de outro - como se samba não fosse MPB. Nunca entendi porque os discos de Clara Nunes, Beth Carvalho, Paulinho da Viola e outros ficavam separados daqueles do Chico Buarque, Caetano, Gal, Bethânia etc. Samba não é MPB? A importância do teu blog está justamente em criar uma abertura para a reflexão sobre o nosso cinema sem estabelecer cânones do cinema. Os filmes são o que são e merecem leituras mais reflexivas e menos preguiçosas, como as que você vem fazendo. Abraço.
Uau!!!! Se ainda estivesse com meu blog aberto eu faria a recomendação deste texto com bastante alarde!!!
Aliás, sem querer me intromenter nas suas escolhas sobre quais textos publicar em quais lugares, e tendo clareza q. esse texto está muito bem alocado aqui no "Estranho Encontro", eu diria q. esse texto é PERFEITO para a Zingu! Ele deveria funcionar na Zingu! como referencial de um pensamento sobre o cinema nacional além das fronteiras estabelecidas pelos aspectos antagônicos. PARABÉNS!!!
Andréa, parabéns por mais este brilhante texto. Você foi precisa em sua análise sobre cinema popular brasileiro, totalmente livre dos preconceitos e leituras apressadas ou equivocadas dos quais esses filmes ainda hoje são vítimas. No momento em que é lançado mais um (mais um...) livro sobre Cinema Novo é importante que apareça um texto como o seu. E concordo com o Edú, o Matheus tem que publicar o texto na Zingu! de maio!
Beijos!
Olá
Eu sempre achei que um filme para ser classificado como pornochanchada teria que mesclar erotismo e comédia, como o próprio nome sugere (pornô + chanchada), de modo que fiquei surpreso com a inclusão de "Giselle" e "O Flagrante" entre os exemplos do gênero, já que ambos tem mais drama que comédia. "Giselle", inclusive, é bem pesadinho. Um abraço
Marcio, muito legal isso que vc contou. Por ter tido a oportunidade de apreciar o cinema brasileiro em todos os seus estilos e sem preconceitos, vc passou a ter uma relação de intimidade e simpatia com ele. Se fosse apresentado de outra forma, talvez não gostasse tanto e criasse resistências, o que ocorre com a maioria das pessoas que vão aprender algo sobre a nossa história cinematográfica apenas na maioridade, através desta literatura acadêmica que vc tão bem cita. Se todos despertassem para a nossa filmografia assim, o Brasil amaria e entenderia mais o seu cinema, com certeza :) Abraços
Edu, todos nós compartilhamos dessa opinião (na verdade, deste sonho), e quis sintetizá-lo nesse texto: se vc me diz que consegui, fico realmente contente :)
Sergio, a gente que conhece e gosta, sabe do valor da maioria desses filmes. Por isso é que acho um dever criar uma modesta fortuna crítica para eles, até para despertar interesse e uma releitura agradável do que seja o cinema brasileiro. Beijos
Anônimo, vc tocou em um ponto interessante: apesar do termo ser errôneo e pejorativo, a maioria dos diretores o aceita sem medo. Na acepção antiga, chanchada era simplesmente um espetáculo de má qualidade, como definem a maioria dos dicionários de lingua portuguesa. A partir dos anos 70, "porno + chanchada" passou a designar quase tudo o que se produzia no Brasil e que não fosse derivado do cinema novo, de modo que é difícil estabelecermos um "limite" para o gênero. Logo, considerar "Giselle" ou "O Flagrante" como pornochanchada é uma simples questão de ponto de vista. Considero pornochanchada todo filme que gire em torno da exploração popular da sexualidade, feito naqueles moldes e esquema de produção econômicos. Não precisa ter propriamente humor para sê-lo. Até Walter Hugo Khouri dirigiu algo próximo a pornochanchadas na virada das décadas de 70/80. Um abraço.
Oi Andrea. Mais uma vez um texto extremamente sofisticado e muito bem escrito, provando o inegável talento da autora. Admiro muito as observações feitas por você Andrea, mas devo dizer que não concordo com tudo. É verdade, nem todo cinema brasileiro dos anos 70 e 80 é pornochanchada. Porém, penso contrariamente a você no caso dos filmes atuais. Não penso que o Céu de Suely ou O Cheiro do Ralo sejam filmes populares. Sinceramente, entendo popular como Tony Vieira, Mazzaropi, pornochanchadas, filmes policiais tipo Clery Cunha. Eles eram dirigidos a populares, e feitos por produtores. Um cinema sem produtores, feito por verbas do Estado não é popular. Como iremos falar em cinema popular num país em que o ingresso chega a custar 15 reais ? Essa discussão é longa, porém, eu penso como o Carlão Reichenbach e o próprio Inácio Araújo: o cinema popular brasileiro está morto e enterrado. Filme que somente intelectuais e quem vai no Espaço Unibanco não é filme popular. Filme popular é o Tony Vieira, que não usava legendas pra falar o nome da equipe técnica. Ele sabia que o seu público era analfabeto, por isso, ele usava um narrador falando o nome dos atores e técnicos no início dos filmes. O que demanda o filme ser popular não é sua sofisticação e sim o público que ele alcança. Por isso, Mojica podia ser popular ou filmes sofisticados do Khouri produzidos pelo Galante. Agora todo mundo sabe, que a maioria do público ia pra ver a Kate Lyra ou a Nicole Puzzi e não porque o filme era do Khouri (não desmerecendo o trabalho dele). Sobre a obra dos cinemanovistas, eles tem filmes que dialogam para o popular, mas acabam não sendo justamente porque o público desses filmes é outro. E o filme não tem produtor, e sim o Estado por trás. Filmes sem produtor e sem público popular, na minha sincera visão não são filmes populares. De resto, o artigo está excelente como sempre.
Oi Matheus, este texto é uma continuação das idéias contidas no ensaio "A Noite do Meu Bem", publicado em Dez/2006. Portanto, quis exemplificar como ainda são feitos filmes que dialogam com a linguagem corrente, popular, e que o cinema brasileiro não reinventa a roda a cada dez anos. Acho "O Cheiro do Ralo" e "O Céu de Suely" filmes com temática semelhante ao melhor cinema da Boca, inclusive "O Céu de Suely" tem argumento quase idêntico ao de "Jeitosa", de 1984.
Acredito que "Cinema Popular Brasileiro" é uma designação que precisa ser generosa e ampla, tanto quanto "Música Popular Brasileira"(vide o comentário do Marcio aqui acima). Incluir todas as matizes do cinema brasileiro, até o cinema novo. Se vc ler com atenção, vai perceber que a intenção do texto é justamente aproximar todas as tendências e mostrar que "nomearmos Walter Hugo Khouri, Mozael Silveira ou Lima Barreto, não significa que o fazemos contra Glauber Rocha, J.B. Tanko ou o Cinema Novo; mas sim, que organizamos e enxergamos todos os aspectos de um problema (...)"
Sobre questões de produção, como pode alguém querer que seja independente e auto-sustentável um produto brasileiro, que tem que competir com a propaganda milionária e maciça de Hollywood, com a pirataria e a insegurança nas grandes cidades? Se não houver algum tipo de benefício e proteção do Estado, os cinemas nacionais do mundo tendem simplesmente a desaparecer, deixando só a imbecilização hollywoodiana para ser vista.
E discordo um pouco desse ideário de "cinema para elite" e "cinema para o povo". O que sobrevive é um pensamento monopolista, supostamente elitizado -- e ridículo por si só. Se "Dois Filhos de Francisco" fez mais de três milhões de espectadores, com certeza nem um terço deles pertencia a intelectuais, mesmo porque a intelectualidade brasileira nem é tão numerosa assim :)
Abraços!
Matheus, outro aspecto importante que precisamos considerar: nem todos os filmes do Cinema Novo eram feitos com dinheiro do Estado, nem todos os filmes comerciais foram feitos exclusivamente pela iniciativa privada. Essa divisão é maniqueísta e não corresponde à verdade. À discriminação ideológica e intelectual somava-se sim, certo favorecimento de um ou outro, mas produtores comerciais também captavam recursos através das resoluções do INC e da Embra (incluindo Jece Valadão), e muitos diretores e produtores identificados com o cinema novo também buscaram parceria com bancos e a iniciativa privada :)
Tema complexo e q. após a intervenção do Matheus torna o debate ainda mais interessante e q. a Andréa já contra-argumentou muito bem. Mas a lógica proposta pelo Matheus e a primeira vista um pouco "simplista", de associar a idéia do cinema popular a um cinema de produtor, é muito pertinente. E ainda q. a Andréa esteja certa qdo aponta a necessidade da intervenção estatal no processo cinematográfico de países como o Brasil (e tantos outros!), e q. de fato, muito do cinema policial obteve certo apoio estatal (Barra Pesada, os filmes de Babenco, e outros) e ainda assim eram eminentemente populares, o conceito de q. um cinema popular se estabelece a partir da participação de um produtor, é muito pertinente. Se pensarmos a partir de um filme como "2 Filhos de Frnacisco", tem-se a impressão q. o olhar de um Zezé Di Camargo deve ter cumprido esse papel do olhar de um produtor e q. em certa medida, isso é q. permitiu a escolha do diretor apropriado na Conspiração, pois reza a lenda q. os demais integrantes tiraram o 'c...' da reta por conta viés popular.
E Matheus, eu posso lhe afirmar q. alguns populares consideravam o nome do Khouri, pois ele era referencial de bom cinema erótico, assim como Jean Garret. Mas claro, os nomes centrais q. justificavam as filas no cinema eram os das mulheres, mas havia até essa associação q. num filme de Khouri haviam mulheres mais bonitas q. nos outros.
Sim, concordo com o Aguilar. No fundo, o Zezé di Camargo teve uma participação no filme como um Galante, um Alfredo Palácios um producer. Puxa, ele até escolheu o diretor que ele achava melhor pro filme. Ou seja, o Dois Filhos de Francisco não foi um filme pensado por um autor ou artista, no caso Breno Silveira e sim por uma espécie de produtor que é a fígura do Zezé di Camargo. Mas o cara que foi ver, por exemplo MULHER, MULHER ele não ia ver por causa do Jean garret. Ele ia por causa da Helena Ramos. Tanto que no cartaz o nome que aparecia grande era o dela e não o do diretor (Jean) ou mesmo do produtor (Cervantes). O Biáfora, numa célebre crítica do mesmo filme ressalta a bela fotografia do Carlão Reichenbach. Ora, que espectador popular queria saber da fotografia do Carlão ? (não desmerecendo o trabalho de jeito nenhum). O cara queria ver a Helena Ramos. Certos setores da crítica brasileira ignoram o Rubens Ewald Filho, exatamente porque ele tem o mesmo pensamento que eu e o Biáfora: cinema forte e popular sem produtor não existe, cinema é indústria. Cinema é feito pra vender, não pra ser financiado pelo Estado e ficar como um pobre filme atual que nem mil pessoas viram. O debate é interessantíssimo e mais ainda é a oportunidade de ter um espaço democrático como esse pra ele acontecer.
Meninos, o que me parece haver é apenas uma diferença de conceitos. Eu quero trazer para a idéia de Cinema Popular Brasileiro toda uma gama de diretores e tendências, incluindo os filmes mais populares do Khouri e do Cinema Novo, por exemplo. Acho que com essa conceituação, "quebramos" o abismo que separa ainda hoje, o chamado Cinema Novo do resto.
Não faço distinção entre o filme ter recebido ou não dinheiro de incentivo, mesmo porque se formos colocar uma lupa nesse assunto, muito poucos saem ilesos, e é contraproducente fazermos isso se defendemos o cinema brasileiro como expressão de resistência cultural. Algum tipo de respaldo do Estado o cinema nacional sempre recebeu e sempre irá receber, a não ser no dia em que a gente desista de fazer cinema e entregue tudo, inclusive o país, na mão dos gringos.
Não adianta ficar com a idéia "como era bom naquele tempo!". Estamos em 2007, não em 1975, a realidade é completamente diferente. Aquele estilo de cinema da Boca e da pornochanchada, mais ou menos se sustentava porque havia o cinema de rua, os grandes palácios cinematográficos, etc. E não havia videocassete, dvd, insegurança coletiva nem pirataria. Ou seja, era um outro planeta.
Acredito que enxergar o cinema brasileiro como um todo sem preconceitos, através de uma revisão crítica, pode ajudar, por exemplo, a que um dia o Clery Cunha, o Carlo Mossy, voltem a filmar. Tanta gente que foi massacrada sem ter sequer seus filmes analisados com seriedade. Por isso, modestamente acredito na necessidade de criarmos uma conceituação ampla de "Cinema Popular Brasileiro". Até para que a nossa própria geração um dia faça seus filmes sem ter que conviver com as máfias e os rótulos toscos.
O que nós temos que defender, num primeiro momento, são regras de incentivo mais claras e vigilantes, que premiem a competência e a bilheteria. Por outro lado, podemos batalhar no lado da crítica, para que o Cinema Brasileiro seja revisto cada vez mais, e os filmes deixem de ser "invisíveis" ou "secretos", como é grande parte da filmografia nacional hoje.
Trabalhando nessas duas frentes, modestamente acredito que o cinema brasileiro é capaz de ampliar sua base de espectadores. O problema cinematográfico brasileiro passa muito mais por um divórcio entre "filme X público", do que propriamente pela discussão se o "filme y" tem produtor ou não :)
Sobre o Khouri e o Garret, quando puderem dêem uma relida no texto sobre o "Possuídas Pelo Pecado". Ali, eu falo sobre essa questão do público ir na sessão para ver mulher pelada, sabendo que hoje podemos rever os filmes sem esse (ops!) peso das circunstâncias :)
Beijos e abraços para os dois!
Ao meu ver, sem a presença do Estado é impossível se fazer cinema em um País como o Brasil. Mas concordo q. a figura do produtor é imprescindível para a sobrevivência de qq. cinematografia e como disse o Matheus, trata-se de uma arte muito cara e é preciso q. ela gere retorno financeiro, e esse pensamento só existe a partir da figura de um produtor, mas não aquele q. entende q. o filme já está pago na produção e só precisa dele para se organizar e viabilizar do p.v. da execução. É preciso um produtor q. pense o filme em relação ao mercado, q. escolha o diretor certo para o filme certo, e q. eventualmente se intrometa no processo, seja na escolha do elenco impondo alguma 'gostosa', seja no tema, na trilha, na montagem. Me lembro de uma história ótima sobre o "Convite ao Prazer" do Khouri, o Ody Fraga dizia q. o Khouri precisava de 01 sucesso e o Galante estava atrás de um pouco de prestígio, e foi desse casamento q. surgiu um dos melhores filmes do Khouri e de maior alcance popular, fora desse exemplo, basta pensar no mestre Roger Corman q. lançou tantos diretores geniais através da combinação: talento x 1.ª oportunidade = concessões = filme de apelo popular e baixo custo = bons filme de alcance popular. Mas claro, a idéia não é eliminar os campos da experimentação e/ou da autoria mais radical, mas simplesmente ir além disso, para q. isso inclusive, consiga sobreviver.
Edu, em momento algum disse que precisamos prescindir da figura do produtor, mas sim que a grande questão do cinema no Brasil não é essa. Por mais hábil que seja um produtor, é muito difícil um filme brasileiro hoje em dia se pagar -- essa é a questão.
E o fato de o cinema ser uma arte "cara" foi, na realidade, explicitado no ensaio: "(...) a investigação artística e estética não se sustenta um minuto sem a aceitação comercial do cinema, pois precisa de bases sólidas, que vêm justamente no resultado desta construção francamente popular de uma arte financeiramente dispendiosa como a cinematográfica (...)."
Mas então Andréa, o nó da questão está no fato de q. nossos pretensos produtores não estão interessados em questionar as condições de distribuição/exibição (o verdadeiro e maior nó da questão como um todo), e não o fazem pq. não dependem do mercado, o produto já está pago no ato da realização, é um pouco - mal comparando - como a questão do sindicato q. apoiado na contribuição sindical obrigatória não precisa se esforçar prá mobilizar o sindicalizado, ou mesmo o péssimo capitalismo q. existe no Brasil, do tipo q. qdo um banco ou uma gde indústria está insolvente, logo reclama apoio do Estado, negando a condição FUNDAMENTAL de risco q. cabe ao sistema capitalista.
É preciso uma política pública mais clara em relação ao audiovisual, apoio a distribuição, exigência de contrapartida dos produtores, maior apoio a produtores e diretores iniciantes, os demais, depois do 3.° ou mesmo 2.° filme, devem se aventurar a andar pelas próprias pernas.
Mudanças nesse caminho podem fazer com q. a classe se movimente buscando soluções e oferecendo sugestões para a indústria de audiovisual se firmar.
Oi Edu, nisso vc tem razão, como o filme sai pago para a exibição, parte dos produtores não se importa muito com os resultados, e isso contribui para a pouca visibilidade dos filmes. Mas acho que o preconceito com que muita gente ainda vê e analisa o cinema brasileiro, contribui mais para esse êxodo de público, pois o mercado deveria ser, no mínimo, de 50% para os filmes nacionais, quando nunca passa dos 20%. O ano em que o cinema brasileiro teve mais público, segundo várias fontes, foi em 1982, com 36% do mercado. Se tivermos outra "visão" de nossa cinematografia (um encontro entre filme e público), essa fatia pode aumentar.
Olá Andréa,
Eu ajudei a escrever o artigo "pornochachada" no wikipedia, que está bastante pobre mas pelo menos indica de maneira não preconceituosa o que foi este gênero ou estilo.
No entanto, alguém, que se diz "crítico de arte", fez uma crítica maior que o artigo (abaixo da referência bibliográfica), que pouquíssimo fala do fenômeno da pornochanchada, senão quando
para desclassificar e usar de discurso preconcebido para diminuir tal produção.
Penso que você seria a pessoa ideal para responder ao comentário feito ou até melhorar o artigo, se estiver disposta.
link para o artigo: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pornochanchada
Tive o prazer de assitir a sua palestra na mostra de cinema nacional da Biblioteca de Santo Amaro e admiro muito seu trabalho no blog.
meu e-mail: jose_rodolfo@yahoo.com
Rodolfo
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