Walter Hugo Khouri em meados dos anos 80, em Dolby Stereo, sem uma peça-chave da equipe dos 70 (sai Rogério Duprat da direção musical, entra Júlio Medaglia) e a continuação da temática de Marcelo (Tarcísio Meira), desta vez focada no relacionamento pai/filha.
“Introduzindo Monique Evans” e um marketing agressivo na figura de Tarcísio – sucesso na época, galã da novela “Roda de Fogo” –, “Eu” (1986) deixa a desejar no sentido da densidade do personagem-chave (Marcelo), visto aqui como um maratonista sexual sem o mesmo esmero ou os subterfúgios de um “Eros, O Deus do Amor” (1981) ou de um “O Último Êxtase” (1973), para citarmos dois exemplos clássicos.
Aliás, ainda sobre “O Último Êxtase” vale a pena citá-lo até para se corrigir o erro comum de se classificar “Eu” como primeiro e único filme de Khouri rodado quase todo em externas. Ocorre que as externas são apenas mais “alegres”, ou menos pessimistas, do que as de “O Último Êxtase” – 13 anos mais velho –, que possui a mesma integração crucial com o cenário.
Em “Eu”, Marcelo deixa a garçonnière em São Paulo, herdada do pai – e que pode ser a mesma de “Eros”, já que em ambos os filmes o personagem regula a mesma idade – para passar o réveillon na casa de praia, acompanhado das gazelas Renata (Monique Lafond) e Liana (Nicole Puzzi). Duas scorts que circulam pelas rodas de senhores mais velhos, como o próprio Marcelo e Jeremias (Walter Forster, que também apareceu ao lado de Tarcísio em “Amor Estranho Amor”).
Para o azar de Marcelo, quando menos se espera aparecem a filha, Berenice (Bia Seidl), e a amiga da filha (Cristiane Torloni), separando-se os dois núcleos femininos que passam a competir entre si: Renata e Liana, vistas como forasteiras, alvo de vergonha particular; Berenice e Beatriz, encarnações da família respeitável, que inclui ainda a criadagem da mansão, que o acompanha há séculos.
As posturas opostas desses dois núcleos vão articulando a tensão que desagüará no final. Berenice fingindo naturalidade com as conquistas do pai; Renata defendendo seu métier e dominando Liana; Beatriz virando caça aos olhos de um Marcelo que avança sobre o território da filha – já que Beatriz e Berenice parecem ter uma amizade pra lá de carinhosa.
Cinqüentão, procurando engolir o feminino – closes das nucas das personagens são simbólicos neste sentido –, o empresário trafega naquela fase da vida que vai do crepúsculo da maturidade ao medo da morte. Tentando cobrir esse gap com hiper-atividade sexual, “Eu” revela sobretudo o desejo carnal por Berenice, encarada como uma promessa de amor duradouro, feliz.
Correndo por fora, como uma fuga para a impossibilidade desse desejo, está Liana, que procura um substituto para o pai morto. Lembrando uma das melhores fixações de Khouri, em alto estilo, o diretor-roteirista coloca-a falando sobre os preparativos do enterro – “eu que tive que lavar e limpar meu pai” – enquanto Marcelo tenta atinar o sentido da confissão – “por que ela está me contando isso?” –, antes de sonhar que a penetra como um simulacro da filha.
Por outro lado, também existe em “Eu” – a começar pelo título – outra frente de batalha do roteiro: a busca pelo individualismo profundo, que passa longe da superficialidade de pensar em Marcelo como um “egoísta” bobo, “que só pensa em si mesmo”.
O fato é que o estado de entranhamento do personagem vem do conflito central de precisar escolher entre ser um pai bom ou o conquistador que agarra todas que vê pela frente. “O que que eu vim fazer aqui?” se pergunta, abraçado a Renata e Liana.
E num desespero que não vai embora, que se aproxima da velhice e do ceticismo diante de tudo, surge o individualismo como escolha consciente, criteriosa: “Eu só acredito em pessoas, em gente que faz as coisas. Indivíduos. O mundo se tornou um horror [...].” Completando a seguir, com o sorriso canastra: “mas não é culpa minha”, como se quisesse dizer “ as coisas são assim, mas carpe diem!”, investindo novamente sobre a interlocutora (Beatriz), num ciclo interminável.
A chegada felliniana de Diana (Monique Evans) – em um helicóptero – degringola a situação após um faniquito da garota, que leva consigo Renata e Liana. Beatriz – que há pouco encarnava uma espécie de Geneviève Graad, olhando pensativa para um navio semelhante ao de “Palácio dos Anjos” (1970) – sai no mesmo dia, para rever o ex-namorado. Sozinhos os dois, Berenice e Marcelo concretizam o improvável. Mais adiante, deixa-se implícita a separação – a voracidade vence qualquer promessa de estabilidade.
Antonio Meliande assina a direção de fotografia, “Rupert” Khouri na câmera e Aníbal Massaini na produção executiva deste 22º. filme do diretor. Um pouco aquém do esperado, um pouco além das expectativas do público à cata de mulheres e delírios maliciosos. “Eu” pode não atingir a ascese propriamente dita, mas destaca-se como o capítulo de algo muito maior, conseguido antes e depois, em mais de uma dezena de filmes.
“Introduzindo Monique Evans” e um marketing agressivo na figura de Tarcísio – sucesso na época, galã da novela “Roda de Fogo” –, “Eu” (1986) deixa a desejar no sentido da densidade do personagem-chave (Marcelo), visto aqui como um maratonista sexual sem o mesmo esmero ou os subterfúgios de um “Eros, O Deus do Amor” (1981) ou de um “O Último Êxtase” (1973), para citarmos dois exemplos clássicos.
Aliás, ainda sobre “O Último Êxtase” vale a pena citá-lo até para se corrigir o erro comum de se classificar “Eu” como primeiro e único filme de Khouri rodado quase todo em externas. Ocorre que as externas são apenas mais “alegres”, ou menos pessimistas, do que as de “O Último Êxtase” – 13 anos mais velho –, que possui a mesma integração crucial com o cenário.
Em “Eu”, Marcelo deixa a garçonnière em São Paulo, herdada do pai – e que pode ser a mesma de “Eros”, já que em ambos os filmes o personagem regula a mesma idade – para passar o réveillon na casa de praia, acompanhado das gazelas Renata (Monique Lafond) e Liana (Nicole Puzzi). Duas scorts que circulam pelas rodas de senhores mais velhos, como o próprio Marcelo e Jeremias (Walter Forster, que também apareceu ao lado de Tarcísio em “Amor Estranho Amor”).
Para o azar de Marcelo, quando menos se espera aparecem a filha, Berenice (Bia Seidl), e a amiga da filha (Cristiane Torloni), separando-se os dois núcleos femininos que passam a competir entre si: Renata e Liana, vistas como forasteiras, alvo de vergonha particular; Berenice e Beatriz, encarnações da família respeitável, que inclui ainda a criadagem da mansão, que o acompanha há séculos.
As posturas opostas desses dois núcleos vão articulando a tensão que desagüará no final. Berenice fingindo naturalidade com as conquistas do pai; Renata defendendo seu métier e dominando Liana; Beatriz virando caça aos olhos de um Marcelo que avança sobre o território da filha – já que Beatriz e Berenice parecem ter uma amizade pra lá de carinhosa.
Cinqüentão, procurando engolir o feminino – closes das nucas das personagens são simbólicos neste sentido –, o empresário trafega naquela fase da vida que vai do crepúsculo da maturidade ao medo da morte. Tentando cobrir esse gap com hiper-atividade sexual, “Eu” revela sobretudo o desejo carnal por Berenice, encarada como uma promessa de amor duradouro, feliz.
Correndo por fora, como uma fuga para a impossibilidade desse desejo, está Liana, que procura um substituto para o pai morto. Lembrando uma das melhores fixações de Khouri, em alto estilo, o diretor-roteirista coloca-a falando sobre os preparativos do enterro – “eu que tive que lavar e limpar meu pai” – enquanto Marcelo tenta atinar o sentido da confissão – “por que ela está me contando isso?” –, antes de sonhar que a penetra como um simulacro da filha.
Por outro lado, também existe em “Eu” – a começar pelo título – outra frente de batalha do roteiro: a busca pelo individualismo profundo, que passa longe da superficialidade de pensar em Marcelo como um “egoísta” bobo, “que só pensa em si mesmo”.
O fato é que o estado de entranhamento do personagem vem do conflito central de precisar escolher entre ser um pai bom ou o conquistador que agarra todas que vê pela frente. “O que que eu vim fazer aqui?” se pergunta, abraçado a Renata e Liana.
E num desespero que não vai embora, que se aproxima da velhice e do ceticismo diante de tudo, surge o individualismo como escolha consciente, criteriosa: “Eu só acredito em pessoas, em gente que faz as coisas. Indivíduos. O mundo se tornou um horror [...].” Completando a seguir, com o sorriso canastra: “mas não é culpa minha”, como se quisesse dizer “ as coisas são assim, mas carpe diem!”, investindo novamente sobre a interlocutora (Beatriz), num ciclo interminável.
A chegada felliniana de Diana (Monique Evans) – em um helicóptero – degringola a situação após um faniquito da garota, que leva consigo Renata e Liana. Beatriz – que há pouco encarnava uma espécie de Geneviève Graad, olhando pensativa para um navio semelhante ao de “Palácio dos Anjos” (1970) – sai no mesmo dia, para rever o ex-namorado. Sozinhos os dois, Berenice e Marcelo concretizam o improvável. Mais adiante, deixa-se implícita a separação – a voracidade vence qualquer promessa de estabilidade.
Antonio Meliande assina a direção de fotografia, “Rupert” Khouri na câmera e Aníbal Massaini na produção executiva deste 22º. filme do diretor. Um pouco aquém do esperado, um pouco além das expectativas do público à cata de mulheres e delírios maliciosos. “Eu” pode não atingir a ascese propriamente dita, mas destaca-se como o capítulo de algo muito maior, conseguido antes e depois, em mais de uma dezena de filmes.
4 comentários:
Olá, Andréa! Esse não é um dos melhores do Khouri, mas o elenco feminino...Que mulheres!
Andréa, queria te fazer um pedido:
Dá pra fazer uma resenha sobre "Quando o Carnaval Chegar"? :)
Beijos!
Oi Andréa,
Não sou grande fã de "Eu", mas sua crítica foi um arraso. No mais, acho importante um dia você fazer uma crítica do MARGINAL do Carlos Manga, também com o Tarcísio Meira, mais aqui de uma maneira muito mais feliz. Abraços,
Matheus.
Sergio, o "EU" não é o meu preferido mas como sempre ele acertou na escalação do elenco feminino. Pedido atendido! :) Beijos
Matheus, gosto muito do "O Marginal", além desse o "Máscara da Traição", tb com o Tarcísio no elenco. Em "Eu" a dupla Khouri-Tarcísio não rendeu tanto quanto em "Amor Estranho Amor", por exemplo. Abraços
Eu não entendi o penúltimo parágrafo,pai e filha chegam às vias de fato?
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