Para o Sergio Andrade
Em 1972, durante o lançamento de “Quando o Carnaval Chegar”, Cacá Diegues não era mais o aluno de Direito da PUC, não freqüentava mais as discussões do CPC da Une – por onde produziu “Escola de Samba, Alegria de Viver”, episódio de “Cinco Vezes Favela” (1961) – e voltava, no ano anterior, de um exílio na Itália ao lado da mulher, Nara Leão.
Interessante que passado aquele boom do Cinema Novo nos 60, já em 1973 em entrevista à Filme Cultura para divulgação de “Joanna Francesa” – filme posterior a “Quando O Carnaval Chegar” –, Diegues traçava um micro-inventário do período, em atitude geralmente associada a cinqüentões ou sessentões, nunca ao rapaz de 32 anos de idade:
“Não posso, porém, dizer que não existe uma vontade de recomeçar, de reelaborar o moderno cinema brasileiro. Ele ficou conhecido, há 10 anos, pelas suas idéias. Hoje está desinteressante, seu nível baixou, temos feito alguns dos piores filmes do mundo.” A explicação: “Não é culpa dos cineastas. O filme brasileiro custa cerca de 50 mil dólares (Cr$300 mil) e o estrangeiro entra no país por 10 mil dólares (Cr$ 60 mil).” A solução: “O governo complementar a diferença" ou "[taxar-se] a produção estrangeira.”
“Quando O Carnaval Chegar” nasce, portanto, em meio a essa inquietação entre a política oficial de cinema e o desejo de esquadrinhar ou “reelaborar”, após uma experiência do exílio, o cinema até então inventado .
Mas para se pensar no futuro, foi preciso voltar-se ao passado. Tanto na produção cinemanovista da Mapa Filmes de Zelito Vianna, associada a Luiz Buarque de Hollanda, K. M. Eckstein e ao próprio Diegues – roteirista e co-autor do argumento, com Chico Buarque e Hugo Carvana –, quanto na temática, que pretende construir uma homenagem aos cantores da era do rádio.
A equipe formada por Chico Buarque (Paulo), Nara Leão (Mimi) e Maria Bethânia (Rosa) ganha em subtexto: cantores, garotos, divertem-se em um filme que joga conscientemente com a fama do trio, fora das telas. A herança musical sente-se bem forte nos acertos da trilha-sonora – com músicas de Chico, Lamartine Babo, Braguinha, Joubert de Carvalho, Assis Valente, Nássara, Tom e Vinícius, lançada em discos pela Phillips, sucesso na época. E se sobressai da consistência de uma obra um tanto solta, que não aproveita a idéia plausível do argumento.
Paulo, Mimi e Rosa são cantores agenciados pelo empresário Lourival (Hugo Carvana), e convivem com o motorista Cuíca (Antonio Pitanga), tocador do instrumento nas rodas de samba da favela de origem, sempre pedindo ao Loura uma oportunidade no show.
Cuíca consegue, e ainda é usado por uma espectadora francesa (Elke Evremides, popularmente Elke Maravilha) que estava na platéia. Ilude o pobre com promessas de casa, comida, viagens pela Europa. Enquanto isso, Paulo se apaixona por Virgínia (Ana Maria Magalhães), decepcionando a pobre Mimi – o nome do personagem em referência à canção de Mário Reis –, que ouve os conselhos de Rosa – referência à de Pixinguinha –, freqüentadora assídua do terreiro da mãe-de-santo Tiazinha.
Nara e Bethânia, primeira e segunda intérpretes no show Opinião do Teatro de Arena, tentam tocar o barco e segurar a onda de Lourival, pressionado por Anjo (José Lewgoy), manda-chuva do show business, cujo capanga é vivido pelo grande Wilson Grey.
Numa foto que se perpetuou no tempo, Chico, Nara e Bethânia estão de fraque, bengala e cartola, cantando “As Cantoras do Rádio”, como no esquete de Aurora e Carmen Miranda em “Alô, Alô, Carnaval” (1935), de Adhemar Gonzaga. No entanto, apesar da alegria de se falar e cantar o carnaval em espírito de camaradagem, são de Mimi as cenas mais intrigantes do filme, numa linha de austeridade que surpreende a base do enredo.
Deprimida, deitada em um casarão colonial em ruínas – Mimi é descendente de quatrocentões mineiros – com quatro círios crepitando de cada lado do corpo, ela canta marchinhas num compasso lento, tristíssimo, propositadamente fantasmagórico. O mesmo na cadeira de balanço, quase recitando “Tahí”, de Joubert de Carvalho, como numa ode ao amor de Paulo.
A avenida Rio Branco vazia no início e depois inundada pelos corsos e figuras bizarras do carnaval de rua – quando o Sambódromo ainda nem pensava em ser construído – dão um tom rápido de cinejornalismo, do tipo a que se assistia nos anos 30 e 40. Com fotografia de Dib Lufti e montagem de Eduardo Escorel, o Carnaval chega, termina e, confundido com a passagem, se despede.
A idéia da trupe em um ônibus voltaria repaginada por Cacá, sete anos depois, em “Bye Bye Brasil”, numa caminhonete azul desbotada. Mas os artistas da “Caravana Rolídei” procuravam às escuras não mais o Rio de Janeiro, e sim o Brasil profundo que teimava em não se ver.
5 comentários:
Obrigado pela dedicatória, Andréa :)
Excelente sua resenha, inclusive contextualizando a época da produção. Esse filme foi uma gratíssima surpresa para mim, um dos melhores do Cacá sem nenhuma dúvida.
A trilha sonora é um arraso!
As cenas de Mimi são um contraponto à alegria daquele carnaval que estava custando a chegar. Só faltou dizer que o livro de cabeceira dela é "A Menina Morta" :)
Thanx, Andréa! Beijão!!!
Oi Sergio, acho que a trilha sonora é tão forte que até se sobrepõe ao filme, na memória das pessoas. "A Menina Morta", aparecendo logos nos primeiros closes da Nara, ajuda mesmo a compor a personagem :) Valeu, beijão!
Pierrot, o filme tem uma tristeza que nem seria de se imaginar, não é? E ela aparece ainda mais nos delírios da Mimi.
EDEVALDO JOSE STRAPASSON CONHECI O CARLOS DIEGUES EM CURITIBA, ME DEI MUITO BEM COM ELE, É UMA GRANDE PESSOA E UM GRANDE CINEASTA, EU VI ESSE FILME QUE FAZ HOMENAGEM AOS MÚSICOS DO BRASIL. EDEVALDO (EDEVALDO JOSE STRAPASSON)CANTOR COMPOSITOR INSTRUMENTISTA COLOMBO PR 1971 NA MÚSICA DESDE 1989.
Este filme passou no canal Brasil, eu com 40 anos hoje me identifiquei muito com o marcelo e com o final do enredo que na verdade gostaria de que fosse o "final" de um conflito familiar que participei em alguns meses atras. Adorei o filme
Baixar o Filme - Quando O Carnaval Chegar - http://bit.ly/tejMtv
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