quinta-feira, novembro 19, 2009

Quando as Mulheres Paqueram


De um tempo em que as pessoas podiam fumar à vontade, Chacrinha não era considerado politicamente incorreto e pernocas de fora motivavam suspiros em vez de ódio, "Quando as Mulheres Paqueram" (1971) causará no espectador, quarenta anos depois, a incômoda impressão de ser avançado e ousado em excesso.

Na gênese da pornochanchada, a direção de Victor di Mello -- roteiro da atriz Dilma Lóes, sua mulher -- acertou em tudo, e não parece exagero dizermos que, ao lado de "Os Paqueras", esta foi a melhor comédia erótica realizada no país. Inicialmente chamado "Assim Nem a Cama Aguenta", exibido em festivais internacionais com esse título, angariou grande simpatia pelo lindo e jovem casal diretor-roteirista. Voltando ao Brasil a censura implicou, e a liberação terminou vinculada à troca de nome.

"Quando as Mulheres Paqueram" estreou no Rio em fevereiro de 1972. Carlos Imperial, em sua coluna, o definiu mais ou menos assim: "Conta a história de três garotas super da pesada que ficam abatendo os grandes abatedores de lebres que existem por aí" (sic). Traduzindo para o português de hoje, o filme pretende avançar na questão feminista -- grande pauta daquele ano que se iniciava -- mostrando duas primas, Ângela (Eva Christian) e Patrícia (Sandra Barsotti), além de uma amiga esquisitona, Meg (a própria Dilma Lóes), invertendo papéis e transformando em caça dúzias de garanhões caçadores.

Ângela é filha de um casal de meia-idade -- interpretado pelos pais de Dilma na vida real, Urbano Lóes e Lídia Mattos. Já a prima Patrícia retorna ao Brasil, junto com Meg, depois de longa temporada estudando em Londres. A produção se esforçou, despachando equipe para a Inglaterra e filmando na capital britânica as atrizes-turistas caminhando pela Carnaby Street, ouvindo discursos no Speaker´s Corner do Hyde Park e tumultuando a guarda do Palácio de Buckingham.

Por alguma razão misteriosa -- patrocínio? -- elas dispensam a Varig e compram passagens de volta ao Brasil pela Lufthansa. Já instaladas em terras cariocas iniciam um périplo, cada uma com seu objetivo: Meg pretende fazer pesquisas de comportamento; Patrícia quer faturar quantos homens puder. Ângela antipatiza com ambas, a quem considera umas "caretas".

Não se enganem com argumentos simplórios. Passeamos pela cidade maravilhosa do Antonio´s, do Zeppelin, do Castelinho e pelas inúmeras camas onde se deitam Ângela e Patrícia. Sandra Barsotti logo aprende a catequizar os locais com uma singela piscadinha, enquanto Eva Christian pratica topless em um apartamento cheio de amigos. Rivalizando em gostosura, vão enfileirando homens e situações não muito engraçadas, mas que servem de pano de fundo à crônica de costumes, tão ao estilo shagadellic da época.

Em certo momento o ator Cláudio Cavalcanti, antes de se apaixonar por uma melancia em "Vereda Tropical", faz o papel de si mesmo, saindo de uma incrível loja de artigos sonoros no Posto 6 -- e sendo abordado pelas furiosas. Outras vítimas são os galãs Carlo Mossy, David Cardoso e Francisco di Franco.

Sim, esta foi a primeira vez em que Carlo Mossy e David Cardoso -- os reis da pornochanchada - -- aparecem juntos nos créditos, embora não contracenem. Repetiram a dose, dezoito anos depois, no lendário "Solidão, Uma Linda História de Amor" (1989) -- também dirigido por Di Mello --, o maior elenco nacional já reunido em um dos piores filmes de todos os tempos.

Cansadas do Rio, as meninas sirigaitam em São Paulo, e a coisa ganha um ar ainda mais turístico que em Londres. De qualquer forma é bom ver a esquina de Paulista com Augusta irreconhecível, além do Monumento aos Bandeirantes, o Terraço Itália e outros pontos de interesse estereotipados, que certamente os realizadores cariocas puxaram pela memória.

Meg, a personagem de Dilma, é um espetáculo à parte com suas "pesquisas", chegando a vestir-se de mendiga para saber como é a vida nas ruas, tocando flauta de bumbum pra cima ou dirigindo um kart noite adentro. A última cena com Dilma, Mossy e Zózimo Bulbul na cama, sob um poster do futuro banido da vida artística Wilson Simonal, parece nos lembrar da impossibilidade de se compreender aquele espírito nos dias de hoje.

Não tanto pelos dramas descartáveis, mas pelas escolhas que seus personagens faziam, o cinema comercial dos anos 70 ganha ares cada vez mais exóticos e libertários. Responsáveis por seus atos, imunes ao vitimismo e à tutela, os ingênuos de outrora envelhecem como doces transgressores. Se discordam da observação sugiro experimentar em 2009 uma refilmagem de "Quando as Mulheres Paqueram". Depois chamem parte da crítica, do público -- quem sabe alguns alunos da Uniban -- para julgarem o resultado.


8 comentários:

dri disse...

Andrea, é sempre tão enriquecedor e até mesmo relaxante entrar aqui e ler seus textos. Relaxante no sentido de que há esta gloriosa mulher - no caso, você - representando a "ótica feminina" e mencionando certas agruras desse nosso sexo tão surrado, especialmente quando ao abismo do libertário anos 70, para o ódio de saias curtas do novo século.
Esse retrocesso é deveras assustador, outro dia mesmo recebi um comentário misógino e perturbador em meu blog, dizendo que mulheres não deveriam escrever sobres certos assuntos e presumo que essa "lógica" tenebrosa se deva ao simples fato de possuir uma vagina e não um pênis. Nessa mesma linha de pensamento vão certos alunos de determinada faculdade, dentre homens e mulheres, cuja essência no viver parece ser o ódio pelo ódio, não importando o quão estapafúrdio seja o motivo de canalização dessa raiva toda. Triste, muito triste.

Matheus Trunk disse...

Prezada Andrea, mais um texto genial. Realmente, "Quando As Mulheres Paqueram" é um excelente filme, desconcertante mesmo. Sugiro uma entrevista com a atriz Dilma Lóes.

Andrea Ormond disse...

Dri, essas xaropadas de praxe são esperadas. Como o cachorro correndo em torno do rabo, sem perceber que se meteu numa empreitada absolutamente tosca. Mas a parte boa de lidar com pessoas limitadas é que elas medem os outros por si mesmas. Logo, não têm programação para compreenderem a vida além daquilo. É nessa hora que a inteligência entra e serve de antídoto aos bárbaros...

Olá, Matheus, obrigada. A Dilma Lóes é uma boa pedida de entrevista.

Andrea Ormond disse...

Renato, tb adoro a tilha-sonora. Meu momento preferido é quando elas estão zanzando em Londres. Se vc puder, coloca a lista de músicas aqui, para os leitores conferirem.

Andrea Ormond disse...

Valeu Renato, serviço de utilidade pública! :) Mais uma curiosidade interessante que lembrei: essa canção "Boeing", com a Sônia Santos, foi usada tb em vários outros filmes.

Unknown disse...

Olá, vc teria uma cópia desse filme? Não encontro em lugar nenhum. É para uma pesquisa!
Aline
meu email: alinedearaujo@yahoo.com.br

ADEMAR AMANCIO disse...

Obrigado pela bela resenha.Encontrei o filme.O longa foi praticamente remontado (com tantos cortes) pra poder ser exibido em território nacional,mesmo assim,só pra maiores de 18 anos.

ADEMAR AMANCIO disse...

Um dos melhores textos de Andrea,já vi o filme,qualquer hora vejo de novo,David Cardoso,Carlo Mossy e Francisco di Franco numa só produção é do caralho... Quanto ao ''Solidão,Uma Linda História de Amor'',concordo com seu curto comentário,aliás,foi procurando algo sobre esse filme que eu cheguei aqui,de novo,rs.