"A Penúltima Donzela" (1969) foi o primeiro filme a que assisti no Canal Brasil, no distante ano de 1998. Deve ter sido também um dos primeiros exibidos, senão o primeiro, pois a perspectiva de um canal de filmes brasileiros me assombrou tanto na época que não desgrudei os olhos da tv até conferir se era real.
Lembro que o filme me causou enorme felicidade, pois é ambientado na Puc – onde eu estudava três décadas depois. No dia seguinte, andando pelo campus, visitei as locações à procura de Adriana Prieto e Paulo Porto. Mas somente o lendário professor e cineasta Pedro Camargo, diretor de "Estranho Triângulo", que faz ponta como amigo de Prieto, ainda podia ser encontrado por lá.
Longe da memória afetiva, "A Penúltima Donzela" tem um quê de elo perdido no cinema nacional. Muito porque a produção de Paulo Porto e direção de Fernando Amaral consolida certos elementos difusos da comédia erótica, apontando que aquele poderia ser um caminho viável de lucro e entretenimento. Citação explícita, um cartaz do pioneiro "Os Paqueras" aparece no giro de Prieto dentro da galeria do antigo Bruni-Copacabana, como se legitimasse a afinidade entre ambos.
Carlo Mossy, o vilão bonito, dublado por Reginaldo Faria, faz repeteco do seu papel em "Copacabana Me Engana". É passado para trás por outro mais experiente; no caso, um imodesto galã de 52 anos, Osvaldo (Paulo Porto). Porto recebe Prieto aos 19, dissolve suas inseguranças em um clima meio "Blow Up", e, no embalo de amante-avô, rebate a hipocrisia do pai da donzela, Rubens (Fregolente), cujo norte moral é impedir que o Brasil se transforme na Rússia. Frego, hilário e tonitruante como sempre, tanto rouba a cena que até nos esquecemos que a Rússia àquela altura nem existia, transformada em União Soviética há décadas.
Tânia (Prieto), Pedro (Mossy) e Osvaldo poderiam, em certo momento, formar um belo triângulo, completos pela presença divertida da prima de Tânia (Djenane Machado). Acontece que estavam em um Brasil puritano e provinciano, o que reduz toda a tensão sexual aos chistes monocórdios sobre casamento e virgindade. A sociologia na Puc, o movimento estudantil, os amigos prafrentex, são apenas refugos de roteiro. O maiô duas peças de Prieto e sua declaração de que não é mais virgem, adequados aos anos 50, tomam as rédeas em pleno ano de Woodstock.
Fique claro, portanto, que comédia erótica, naquela formatação, não era consumida por seus legítimos protagonistas. A juventude carioca da Zona Sul, cosmopolita, ligada aos movimentos de contracultura dos EUA e da Europa, torcia o nariz para aquele retrato, melhor consumido nos subúrbios e no interior. Definição simplista, a gênese da pornochanchada foi um olhar estereotipado sobre a classe-média carioca digerido às classes populares de todos os cantos do país.
Naquele Rio de gente bem – fantasiados de rodrigueanos, tijucanos tradicionalistas – Pedro tem uma garçonniére, visitada por Tânia. A garota quer dele aquilo que todas as mulheres em vertente heterossexual costumam desejar, e os homens insistem em intermediar com delongas e lentidões: virilidade, objetividade, falta de culpas. Claro, Pedro faz tudo errado: supõe que devem se casar antes do sexo, é extremamente lento na hora da decisão, e, pra piorar, não gosta de cinema nacional. Ao que ganha da namorada a pecha de "alienado"!
Em seguida a turma de Prieto aparece na faculdade, leva trote no riacho, bebe chopp no Leblon e arrisca pichações políticas. A fraqueza do filme – diferente de "Os Paqueras" – é essa montagem superficial sobre elementos essenciais à construção dos personagens. No primeiro filme, os paqueras e a conquista sem compromisso são o mote. Aqui a discussão moralista e artificial – mesmo que travestida de conflito de gerações – dá a tônica. Tudo existe por ela e para justificá-la. Um retrocesso e absoluto contrasenso.
Os sucessivos deslizes, no entanto, são relativizados nas cenas finais, que rendem pastelão quase libertário. Um ouriço sobre a "última donzela" – a prima caipira – promete continuação, mas nunca foi feita. O que resta, de prêmio, é a delícia estética do colorido psicodélico, a trilha-sonora de Egberto Gismonti e uma Guanabara de sonhos. Porque não exibem "A Penúltima Donzela", "Apenas o Fim" e tantos outros filmes realizados na Puc no curso de cinema da universidade, é daqueles lapsos que parecem conter a aridez de três desertos.
Lembro que o filme me causou enorme felicidade, pois é ambientado na Puc – onde eu estudava três décadas depois. No dia seguinte, andando pelo campus, visitei as locações à procura de Adriana Prieto e Paulo Porto. Mas somente o lendário professor e cineasta Pedro Camargo, diretor de "Estranho Triângulo", que faz ponta como amigo de Prieto, ainda podia ser encontrado por lá.
Longe da memória afetiva, "A Penúltima Donzela" tem um quê de elo perdido no cinema nacional. Muito porque a produção de Paulo Porto e direção de Fernando Amaral consolida certos elementos difusos da comédia erótica, apontando que aquele poderia ser um caminho viável de lucro e entretenimento. Citação explícita, um cartaz do pioneiro "Os Paqueras" aparece no giro de Prieto dentro da galeria do antigo Bruni-Copacabana, como se legitimasse a afinidade entre ambos.
Carlo Mossy, o vilão bonito, dublado por Reginaldo Faria, faz repeteco do seu papel em "Copacabana Me Engana". É passado para trás por outro mais experiente; no caso, um imodesto galã de 52 anos, Osvaldo (Paulo Porto). Porto recebe Prieto aos 19, dissolve suas inseguranças em um clima meio "Blow Up", e, no embalo de amante-avô, rebate a hipocrisia do pai da donzela, Rubens (Fregolente), cujo norte moral é impedir que o Brasil se transforme na Rússia. Frego, hilário e tonitruante como sempre, tanto rouba a cena que até nos esquecemos que a Rússia àquela altura nem existia, transformada em União Soviética há décadas.
Tânia (Prieto), Pedro (Mossy) e Osvaldo poderiam, em certo momento, formar um belo triângulo, completos pela presença divertida da prima de Tânia (Djenane Machado). Acontece que estavam em um Brasil puritano e provinciano, o que reduz toda a tensão sexual aos chistes monocórdios sobre casamento e virgindade. A sociologia na Puc, o movimento estudantil, os amigos prafrentex, são apenas refugos de roteiro. O maiô duas peças de Prieto e sua declaração de que não é mais virgem, adequados aos anos 50, tomam as rédeas em pleno ano de Woodstock.
Fique claro, portanto, que comédia erótica, naquela formatação, não era consumida por seus legítimos protagonistas. A juventude carioca da Zona Sul, cosmopolita, ligada aos movimentos de contracultura dos EUA e da Europa, torcia o nariz para aquele retrato, melhor consumido nos subúrbios e no interior. Definição simplista, a gênese da pornochanchada foi um olhar estereotipado sobre a classe-média carioca digerido às classes populares de todos os cantos do país.
Naquele Rio de gente bem – fantasiados de rodrigueanos, tijucanos tradicionalistas – Pedro tem uma garçonniére, visitada por Tânia. A garota quer dele aquilo que todas as mulheres em vertente heterossexual costumam desejar, e os homens insistem em intermediar com delongas e lentidões: virilidade, objetividade, falta de culpas. Claro, Pedro faz tudo errado: supõe que devem se casar antes do sexo, é extremamente lento na hora da decisão, e, pra piorar, não gosta de cinema nacional. Ao que ganha da namorada a pecha de "alienado"!
Em seguida a turma de Prieto aparece na faculdade, leva trote no riacho, bebe chopp no Leblon e arrisca pichações políticas. A fraqueza do filme – diferente de "Os Paqueras" – é essa montagem superficial sobre elementos essenciais à construção dos personagens. No primeiro filme, os paqueras e a conquista sem compromisso são o mote. Aqui a discussão moralista e artificial – mesmo que travestida de conflito de gerações – dá a tônica. Tudo existe por ela e para justificá-la. Um retrocesso e absoluto contrasenso.
Os sucessivos deslizes, no entanto, são relativizados nas cenas finais, que rendem pastelão quase libertário. Um ouriço sobre a "última donzela" – a prima caipira – promete continuação, mas nunca foi feita. O que resta, de prêmio, é a delícia estética do colorido psicodélico, a trilha-sonora de Egberto Gismonti e uma Guanabara de sonhos. Porque não exibem "A Penúltima Donzela", "Apenas o Fim" e tantos outros filmes realizados na Puc no curso de cinema da universidade, é daqueles lapsos que parecem conter a aridez de três desertos.
3 comentários:
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Acabo de ver o filme.''OS Paqueras'' é justamente o filme que Adriana Prieto quer assistir,e Carlo Mossy diz que não gosta de ''cinema-nacional''.
Em 1969 a virgindade feminina ainda era muito valorizada fora do circuito-artístico e do movimento hippie.
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