sábado, outubro 24, 2009

A Penúltima Donzela


"‬A Penúltima Donzela‭" (‬1969‭) ‬foi o primeiro filme a que assisti no Canal Brasil,‭ ‬no distante ano de‭ ‬1998.‭ ‬Deve ter sido também um dos primeiros exibidos,‭ ‬senão o primeiro,‭ ‬pois a perspectiva de um canal de filmes brasileiros me assombrou tanto na época que não desgrudei os olhos da tv até conferir se era real.‭

Lembro que o filme me causou enorme felicidade,‭ ‬pois é ambientado na Puc‭ – ‬onde eu estudava três décadas depois.‭ ‬No dia seguinte,‭ ‬andando pelo‭ ‬campus,‭ ‬visitei as locações à procura de Adriana Prieto e Paulo Porto.‭ ‬Mas somente o lendário professor e cineasta Pedro Camargo,‭ ‬diretor de‭ "‬Estranho Triângulo‭"‬,‭ ‬que faz ponta como amigo de Prieto,‭ ‬ainda podia ser encontrado por lá.‭

Longe da memória afetiva,‭ "‬A Penúltima Donzela‭" ‬tem um quê de elo perdido no cinema nacional.‭ ‬Muito porque a produção de Paulo Porto e direção de Fernando Amaral consolida certos elementos difusos da comédia erótica,‭ ‬apontando que aquele poderia ser um caminho viável de lucro e entretenimento.‭ ‬Citação explícita,‭ ‬um cartaz do pioneiro‭ "‬Os Paqueras‭" ‬aparece no giro de Prieto dentro da galeria do antigo Bruni-Copacabana,‭ ‬como se legitimasse a afinidade entre ambos.

Carlo Mossy,‭ ‬o vilão bonito,‭ ‬dublado por Reginaldo Faria,‭ ‬faz repeteco do seu papel em‭ "‬Copacabana Me Engana‭"‬.‭ ‬É passado para trás por outro mais experiente‭; ‬no caso,‭ ‬um imodesto galã de‭ ‬52‭ ‬anos,‭ ‬Osvaldo‭ (‬Paulo Porto‭)‬.‭ ‬Porto recebe Prieto aos‭ ‬19,‭ ‬dissolve suas inseguranças em um clima meio‭ "‬Blow Up‭"‬,‭ ‬e,‭ ‬no embalo de amante-avô,‭ ‬rebate a hipocrisia do pai da donzela,‭ ‬Rubens‭ (‬Fregolente‭)‬,‭ ‬cujo norte moral é impedir que o Brasil se transforme na Rússia.‭ ‬Frego,‭ ‬hilário e tonitruante
como sempre,‭ ‬tanto rouba a cena que até nos esquecemos que a Rússia àquela altura nem existia,‭ transformada em União Soviética há décadas.

Tânia‭ (‬Prieto‭)‬,‭ ‬Pedro‭ (‬Mossy‭) ‬e Osvaldo poderiam,‭ ‬em certo momento,‭ ‬formar um belo triângulo,‭ ‬completos pela presença divertida da prima de Tânia‭ (‬Djenane Machado‭)‬.‭ ‬Acontece que estavam em um Brasil puritano e provinciano,‭ ‬o que reduz toda a tensão sexual aos chistes monocórdios sobre casamento e virgindade.‭ ‬A sociologia na Puc,‭ ‬o movimento estudantil,‭ ‬os amigos‭ ‬prafrentex,‭ ‬são apenas refugos de roteiro.‭ ‬O maiô duas peças de Prieto e sua declaração de que não é mais virgem,‭ ‬adequados aos anos‭ ‬50,‭ ‬tomam as rédeas em pleno ano de Woodstock.‭

Fique claro,‭ ‬portanto,‭ ‬que comédia erótica,‭ ‬naquela formatação,‭ ‬não era consumida por seus legítimos protagonistas.‭ ‬A juventude carioca da Zona Sul,‭ ‬cosmopolita,‭ ‬ligada aos movimentos de contracultura dos EUA e da Europa,‭ ‬torcia o nariz para aquele retrato,‭ ‬melhor consumido nos subúrbios e no interior.‭ ‬Definição simplista,‭ ‬a gênese da pornochanchada foi um olhar estereotipado sobre a classe-média carioca digerido às classes populares de todos os cantos do país.

Naquele Rio de‭ ‬gente bem‭ – ‬fantasiados de rodrigueanos,‭ ‬tijucanos tradicionalistas‭ – ‬Pedro tem uma‭ ‬garçonniére,‭ ‬visitada por Tânia.‭ ‬A garota quer dele aquilo que todas as mulheres em vertente heterossexual costumam desejar,‭ ‬e os homens insistem em intermediar com delongas e lentidões:‭ ‬virilidade,‭ ‬objetividade,‭ ‬falta de culpas.‭ ‬Claro,‭ ‬Pedro faz tudo errado:‭ ‬supõe que devem se casar antes do sexo,‭ ‬é extremamente lento na hora da decisão,‭ ‬e,‭ ‬pra piorar,‭ ‬não gosta de cinema nacional.‭ ‬Ao que ganha da namorada a pecha de‭ "‬alienado‭"!

Em seguida a turma de Prieto aparece na faculdade,‭ ‬leva trote no riacho,‭ ‬bebe chopp no Leblon e arrisca pichações políticas.‭ ‬A fraqueza do filme‭ – ‬diferente de‭ "‬Os Paqueras‭" – ‬é essa montagem superficial sobre elementos essenciais à construção dos personagens.‭ ‬No primeiro filme, ‬os paqueras e a conquista sem compromisso são o mote.‭ ‬Aqui a discussão moralista e artificial‭ – ‬mesmo que travestida de conflito de gerações – ‬dá a tônica.‭ ‬Tudo existe por ela e para justificá-la.‭ ‬Um retrocesso e absoluto contrasenso.

Os sucessivos deslizes,‭ ‬no entanto,‭ ‬são relativizados nas cenas finais,‭ ‬que rendem pastelão quase libertário.‭ ‬Um ouriço sobre a‭ "‬última donzela‭" – ‬a prima caipira‭ – ‬promete continuação,‭ ‬mas nunca foi feita.‭ ‬O que resta,‭ ‬de prêmio,‭ ‬é a delícia estética do colorido psicodélico,‭ ‬a trilha-sonora de Egberto Gismonti e uma Guanabara de sonhos.‭ ‬Porque não exibem‭ "‬A Penúltima Donzela‭", ‬"Apenas o Fim" e tantos outros filmes realizados na Puc no curso de cinema da universidade, é daqueles lapsos que parecem conter a aridez de três desertos.‭

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