quinta-feira, maio 11, 2006

As Moças Daquela Hora...


O ator, produtor e dono da “Ventania Filmes”, Paulo Porto, a despeito dos inúmeros serviços prestados à cinematografia brasileira em tantas atividades, dirigiu apenas três filmes. Se em 1970 temos “Em Família”, em 73 veio “As Moças Daquela Hora”, e finalmente em 78, “Fim de Festa”. Não parece haver qualquer ligação notável entre os três, o que nos leva a concluir que suas experiências como diretor foram mais ao sabor das circunstâncias de carreira, do que o planejamento e a ambição de estruturar uma obra autoral.

No entanto, os filmes dirigidos por Paulo Porto são ótimos de serem vistos, talvez por sua brasilidade extrema, talvez pela sua seriedade e contenção despretensiosa. “As Moças Daquela Hora...” (1973) usa uma expressão saudosista no título para contar o passado de três garotas de programa. “Daquela hora” ou “daquele tempo”, vivendo em cidades do interior, sem perspectivas, ingênuas até o salto para a prestação de serviços.

Apesar da subdivisão em três episódios, “As Moças Daquela Hora...” possui um fio condutor simbólico, que interliga todos e dá a dimensão de conjunto. Fininho (Roberto Roney) e a trupe de meninas (Isaura, Mariana, Léa e Pilar) aparecem juntos e aproximam-se de uma dessas mesmas meninas, dependendo do episódio em que ela estiver sendo retratada. A metáfora é clara e ingênua: a presença do grupo representa a possibilidade de a garota ceder à tentação e ir se juntar a eles.

Fininho e amigas são fantasmas cheios de cor local, que podem tanto brincar a Festa do Divino – episódio de Isaura (Tina Luísa), gravado na Bahia, ao som de “Minha Teimosia é uma Arma Pra Te conquistar” de Jorge Ben, fase “A Tábua de Esmeralda” –; ir ao circo – episódio de Mariana (Nídia de Paula) –; ou viajar de trem – episódio de Léa (Monique Lafond). Mas o início da narrativa surge justamente com o falecimento de Pilar, uma das almas gêmeas do quinteto. Daí por diante, tudo será contado através de idas e vindas.

Na primeira história, Mariana joga futebol com os meninos, vestida com a fantasia clássica de colegial – meia soquete, saiote, blusa branca de algodão. Chega tarde em casa depois da escola, ouve o sermão dos pais – Ênio Santos e Lícia Magna, os pais do Marquinhos de “Copacabana Me Engana” (1968).

Mariana namora o esquizo Luizinho (Marco Nanini, na estréia no cinema) e o trai com o trapezista (Gusmão, Gracindo Jr.) do circo que visita a cidade. Abandonada, encontra-se com Roney e companhia e acaba rondando Isaura na história seguinte – a sitiante que cai na lábia de um vendedor de sucos (Carlos Eduardo Dolabella), antes de ser violentada pelo latifundiário (dublado por Roberto Maya).

As duas, além de Pilar e Fininho, retornam para recepcionar Léa, a noiva acusada injustamente de defloramento pré-nupcial – por uma dessas curiosidades, Léa também é filha de Lícia Magna, que desta vez enverga uma peruca bem tratada para se diferenciar da personagem anterior.

Até então tudo vai bem, sem maiores sustos. Mas eis que surge Paulo Porto, saindo por detrás das câmeras e, com um santo rodrigueano, incorporado em um quase-Dr. Sabino, vocifera sobre a “perda da moral”.

Porto engana os velhinhos da censura com três ou quatro palavras de ordem e em seguida a imagem de uma bomba atômica invade a tela (os mais atentos descobrirão aqui inspiração apocalíptica reproduzida anos depois, de forma correlata, no clássico “Giselle”). O filme acaba.

Impossível não ficarmos com a sensação de termos assistido a um híbrido: metade poético, metade escracho. Porém, a crônica do provincianismo repressivo e estimulador era, sem dúvida, a intenção. O roteiro encara e sugestiona o sexo como uma prática rotineira, sem culpas – muito pelo contrário, funcionando como válvula de escape para meninas travadas pela hipocrisia de um país subdesenvolvido. Este é o mote necessário para ainda se assistir ao filme com interesse nos dias de hoje.

5 comentários:

Anônimo disse...

A Monique Lafond é linda, adoraria ver este filme, gostei muito de tua resenha!

Nirton Venancio disse...

Os três filmes do Paulo Porto são bons, foram realizados, como você bem escreveu, ao sabor das circunstâncias. Gosto muito de "Em família", a estréia em 1970.
Andréa, você sabe por onde anda o Paulo, que já deve estar com 89 anos?

Anônimo disse...

Sempre acompanho seu blog e gosto muito da forma como você aborda os filmes e de suas entrevistas. Também não perco os filmes no Canal Brasil. Aproveitando: sabe por onde anda a Alba Valéria? Acho ela linda e gosto muito do filme Giselle. Só sei que ela foi ou é casada com o Cládio Cunha. Também seria uma ótima entrevista. Um Abraço.

Andrea Ormond disse...

Karinne, a Monique realmente está muito bonita no "Moças", de repente passam numa reprise no Canal Brasil :)

Nirton, infelizmente o Paulo Porto faleceu em 1999, uma época meio braba pro cinema brasileiro, sem o reconhecimento que ele mereceria. Escrevi sobre o "Em Família" uns posts atrás, depois dá uma conferida no Filmes A-Z :)

Obrigada, André :) Este link explica melhor o paradeiro da Alba Valéria: http://www.carolrosachoque.motime.com/1113353941#442007 A Alba casou-se com um empresário, quem se casou com o Cláudio Cunha foi a Simone Carvalho. Aliás, o Cláudio daria realmente uma ótima entrevista. Abraços.

Anônimo disse...

Eu adorei como sempre, a atuação do meu inesquecível Carlos Eduardo Dolabella,homem charmoso demais! Assisti todas novelas com ele, teve uma partida tão triste...💔😘😘