Vá lá que a birra entre Anselmo Duarte e o cinema brasileiro era recíproca, uma barbaridade. Mas nem por isto “Os Trombadinhas” (1978) merecia o posto de último filme do diretor. Empurrar a cruz da Palma de Ouro, sofrer os ataques díspares, trouxe para Anselmo alguns efeitos patológicos. Dentre eles, o ponto final (apressado) na trajetória de realizador com um pastel de vento que soa kitsch na melhor das hipóteses.
Pelé, o rei, havia acabado de chegar dos Estados Unidos, abandonando o New York Cosmos. Isto mil luas antes de implicar com Galvão Bueno nas transmissões dos anos 90, trocar nomes dos jogadores e pular enquanto o outro gritava o esganiçado “é tetra”.
Em “Os Trombadinhas”, acompanhamos um empresário com boas intenções (Paulo Goulart), que procura a polícia querendo saber como erradicar a delinquência juvenil. O delegado (Raul Cortez, dublado) explica que a sociedade não deve reclamar, precisa agir. Quem sabe, com as próprias mãos.
Resposta esquisita. Estamos aqui no limiar bronsoniano do “Death Wish”, mas que ao mesmo tempo guarda uma outra idéia, mais agradável e calminha. A de mobilização social, em tempos pré-Betinho. E é neste sururu mal explicado de cidadania que o empresário pede ajuda a Pelé.
O ex-jogador sai do CT do Santos, abandona os treinamentos que fazia com jovens, recorre ao culto à personalidade. Chama o problema na chincha. Ao lado do detetive (Paulo Villaça), pula, corre, faz a linha Terence Hill com voadoras dignas de Ted Boy Marino.
Como diria o próprio, existe em “Os Trombadinhas” o Pelé figura pública e o Pelé ator, entende? Sim, ator. Acalmem-se porque ainda não acabou: é também cantor e compositor dos versos de “Moleque Danado”.
A RFF Produções, provavelmente imaginando uma jogada de marketing semelhante à que havia feito com outro petardo pop, Roberto Carlos, embarca na onda. Passam batido o sucesso, a vivacidade, da trilogia “Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa” (1968), “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura” (1968), “Roberto Carlos a 300 Quilômetros Por Hora” (1971). “Os Trombadinhas” não parece genuíno. As cenas de ação provocam sono. A crítica social, confusa.
Oposto ao estereótipo que colaram erradamente em Gérson, o canhota de ouro, Pelé fica naquela vibe de Papai Noel. O self made man que nos States é sinônimo de agressividade positiva, mas que no patropi precisa vestir a capa do assistencialismo. Ele surge no filme como um ente regenerador, um Shaft bonzinho sem o lado cafa, protetor das creancenhas. Assunto que, por sinal, interessava ao rei – vide o magnânimo discurso na ocasião do milésimo gol, no Maracanã.
Obcecado pelo bem-estar dos pequeninos, pelas tantas surge uma recriação de presépio no centrão nervoso de São Paulo. Momento dramático da fita, quando os pivetes de camisas estudadamente rasgadas se deitam no chão, se ajoelham e um deles começa a chorar, clamando pela mãe.
Edson, o Arantes do Nascimento, bolou a história e com a ajuda de Carlos Heitor Cony montaram o roteiro cavernoso. Tentam deixar claro que os pequenos meliantes não têm culpa. Há por trás um esquema que movimenta grana preta. A filha do empresário, aluna de sociologia (Kátia D'Ângelo) balanceia a tese – apesar de não ser o que se espera de estudantes, quanto mais de sociologia. Fala alguma coisa sobre a ruindade dos meninos e acaba salva por Pelé quando se mete em uma investigação paralela, acompanhada do arquétipo de jornalista bocó.
Há apenas um gancho cético no fim, que mal diluiu o triunfalismo da vitória. Pelé desmantelou a quadrilha de criminosos, mas o problema não acabou. Em outras palavras: descobrem que o tema é complexo.
Cony, cinéfilo inveterado, em determinada hora faz uma marcação dupla de idas e vindas entre o malfeitor Manteiga (Sérgio Hingst) e seus meninos versus Pelé e seus treinados. O bem e o mal, claro está. Mas as reuniões promovidas por Hingst lembram uma versão capenga de “M., O Vampiro de Dusseldorf”. A marginália trancada numa sala escura, decidindo o que fazer.
Aparece um arremedo do bom e velho cinema popular na figura da comparsa, que chama Manteiga de otário. Diz que o que dá dinheiro é droga, contrabando, puxar carro. Depois de uns truques de “Foxy Brown”, ela é pega no flagra, se assusta: “Você é o Pelé?” “Não, eu sou o Jô Soares, sua piranha.” E o centroavante joga a arma para o detetive com uma embaixadinha.
“Orca, a baleia assassina”, futuro clássico da TV, estava em exibição no letreiro de um cinema. Para quem se interessa no lado musical e consiga dar atenção a alguma coisa que não sejam os versos de “Moleque Danado”, cabe a nota sobre a banda Made in Brazil. Como não havia intimidade com o assunto, os personagens a tratam de “punk”, vaticínio que faria Johnny Rotten ficar naquelas bravezas de dar dó.
Se o goleiro Andrada do Vasco bateu soquinhos no chão quando viu a bola passar chispando no gol número 1.000, também quero crer que o espectador possa fazer o mesmo exercício em relação ao filme. “Os Trombadinhas” usa o porto seguro do futebol, da caridade, cria um enrosco que mais parece maldição pregada pelos Joões do Garrincha.
Pelé, o rei, havia acabado de chegar dos Estados Unidos, abandonando o New York Cosmos. Isto mil luas antes de implicar com Galvão Bueno nas transmissões dos anos 90, trocar nomes dos jogadores e pular enquanto o outro gritava o esganiçado “é tetra”.
Em “Os Trombadinhas”, acompanhamos um empresário com boas intenções (Paulo Goulart), que procura a polícia querendo saber como erradicar a delinquência juvenil. O delegado (Raul Cortez, dublado) explica que a sociedade não deve reclamar, precisa agir. Quem sabe, com as próprias mãos.
Resposta esquisita. Estamos aqui no limiar bronsoniano do “Death Wish”, mas que ao mesmo tempo guarda uma outra idéia, mais agradável e calminha. A de mobilização social, em tempos pré-Betinho. E é neste sururu mal explicado de cidadania que o empresário pede ajuda a Pelé.
O ex-jogador sai do CT do Santos, abandona os treinamentos que fazia com jovens, recorre ao culto à personalidade. Chama o problema na chincha. Ao lado do detetive (Paulo Villaça), pula, corre, faz a linha Terence Hill com voadoras dignas de Ted Boy Marino.
Como diria o próprio, existe em “Os Trombadinhas” o Pelé figura pública e o Pelé ator, entende? Sim, ator. Acalmem-se porque ainda não acabou: é também cantor e compositor dos versos de “Moleque Danado”.
A RFF Produções, provavelmente imaginando uma jogada de marketing semelhante à que havia feito com outro petardo pop, Roberto Carlos, embarca na onda. Passam batido o sucesso, a vivacidade, da trilogia “Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa” (1968), “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura” (1968), “Roberto Carlos a 300 Quilômetros Por Hora” (1971). “Os Trombadinhas” não parece genuíno. As cenas de ação provocam sono. A crítica social, confusa.
Oposto ao estereótipo que colaram erradamente em Gérson, o canhota de ouro, Pelé fica naquela vibe de Papai Noel. O self made man que nos States é sinônimo de agressividade positiva, mas que no patropi precisa vestir a capa do assistencialismo. Ele surge no filme como um ente regenerador, um Shaft bonzinho sem o lado cafa, protetor das creancenhas. Assunto que, por sinal, interessava ao rei – vide o magnânimo discurso na ocasião do milésimo gol, no Maracanã.
Obcecado pelo bem-estar dos pequeninos, pelas tantas surge uma recriação de presépio no centrão nervoso de São Paulo. Momento dramático da fita, quando os pivetes de camisas estudadamente rasgadas se deitam no chão, se ajoelham e um deles começa a chorar, clamando pela mãe.
Edson, o Arantes do Nascimento, bolou a história e com a ajuda de Carlos Heitor Cony montaram o roteiro cavernoso. Tentam deixar claro que os pequenos meliantes não têm culpa. Há por trás um esquema que movimenta grana preta. A filha do empresário, aluna de sociologia (Kátia D'Ângelo) balanceia a tese – apesar de não ser o que se espera de estudantes, quanto mais de sociologia. Fala alguma coisa sobre a ruindade dos meninos e acaba salva por Pelé quando se mete em uma investigação paralela, acompanhada do arquétipo de jornalista bocó.
Há apenas um gancho cético no fim, que mal diluiu o triunfalismo da vitória. Pelé desmantelou a quadrilha de criminosos, mas o problema não acabou. Em outras palavras: descobrem que o tema é complexo.
Cony, cinéfilo inveterado, em determinada hora faz uma marcação dupla de idas e vindas entre o malfeitor Manteiga (Sérgio Hingst) e seus meninos versus Pelé e seus treinados. O bem e o mal, claro está. Mas as reuniões promovidas por Hingst lembram uma versão capenga de “M., O Vampiro de Dusseldorf”. A marginália trancada numa sala escura, decidindo o que fazer.
Aparece um arremedo do bom e velho cinema popular na figura da comparsa, que chama Manteiga de otário. Diz que o que dá dinheiro é droga, contrabando, puxar carro. Depois de uns truques de “Foxy Brown”, ela é pega no flagra, se assusta: “Você é o Pelé?” “Não, eu sou o Jô Soares, sua piranha.” E o centroavante joga a arma para o detetive com uma embaixadinha.
“Orca, a baleia assassina”, futuro clássico da TV, estava em exibição no letreiro de um cinema. Para quem se interessa no lado musical e consiga dar atenção a alguma coisa que não sejam os versos de “Moleque Danado”, cabe a nota sobre a banda Made in Brazil. Como não havia intimidade com o assunto, os personagens a tratam de “punk”, vaticínio que faria Johnny Rotten ficar naquelas bravezas de dar dó.
Se o goleiro Andrada do Vasco bateu soquinhos no chão quando viu a bola passar chispando no gol número 1.000, também quero crer que o espectador possa fazer o mesmo exercício em relação ao filme. “Os Trombadinhas” usa o porto seguro do futebol, da caridade, cria um enrosco que mais parece maldição pregada pelos Joões do Garrincha.
7 comentários:
Minha cara, Andrea, te ler é aprender muito.
A propósito da crítica de cinema, escrevi um ensaio sobre "ela" no meu blog, e te indico (autopropaganda + difusão do debate sobre crítica): http://tudoecritica.blogspot.com/2011/03/ensaio-fazer-critica-parte-2.html
Abraço!
Oi Andréa! Ví uma matéria sua na revista FILME CULTURA e não poderia deixar de passar por aqui pra lhe dar os parabéns! Aliás comprei a coleção toda da revista e estou devorando os 5 volumes! Meu caso de amor com o cinema nacional está cada dia mais forte e seu site me dá várias dicas de filmes bons! Realmente o Khouri é demais! Tem sutilizas que nenhum outro diretor consegue mostrar na tela.
Um beijo.
Alexandre
Sem puxa-saquismo, a erudição popular que você mostra em suas análises é, como diria Caetano, estonteante. Uma delícia. Parabéns, mais uma vez.
Obrigada, Pedro. Vou conferir o blog, circulemos as idéias, ora pois! Abraços!
Que bacana, Alexandre. Devorar a Filme Cultura é ótimo, a revista possui um material assombroso. Muita coisa boa por lá, relíquias. Fico feliz em saber que contribuo na sua aproximação com o cinema brasileiro. A começar pelo nome, o Khouri está presente várias vezes aqui no blog. Bjs
Obrigada, Roberto, falar de cinema brasileiro pra mim é falar de todo esse mundo que o cerca e o cercou desde sempre. É cultura popular na veia.
belo blog :D
se voce curti filmes com tematicas gays da uma olhada la no
GAYLOAD!
www.gayload.blogspot.com
grato e até mais
Parabéns pelo seu texto além de muito bem escrito nos traz essas pérolas cinematográficas que o tempo tratou de apagar. Eu por exemplo nem fazia idéia da existência desse Os Trombadinhas.
Tem hora que gostaria de ver textos seus sobre o cinema internacional, mas sem dúvida seu trabalho com os filmes nacionais é muito importante para permitir uma ampliação temática, seria talvez uma desnecessária perda de foco.
Torço então que continue seu excelente trabalho com o cinema nacional, mesmo que sinta pena de não ler um texto tão criativo tratando sobre clássicos do cinema internacional.
Alexssandro, obrigada. Em breve vai ser publicado um ensaio que eu escrevi sobre o "Trinta Anos Esta Noite", do Louis Malle, no livro "Os Filmes Que Sonhamos". É uma boa oportunidade de ver este outro lado.
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