Reza a lenda que Assis Chateaubriand, o todo poderoso da Tv Tupi e dos Diários Associados, era tiete de Lima Duarte. Pois bem, depois de quase meio século na televisão, dublando Manda-Chuva, sacudindo a pulseira e deixando Viúva Porcina fazer-lhe bilu, eis que Lima Duarte aparece em “A Ostra e o Vento” (1997).
Um personagem atípico, diferente das novelas e das rápidas aparições no cinema. “Os Sete Gatinhos”, de Neville D'Almeida, é provavelmente a mais marcante.
Segundo e último filme de Walter Lima Jr. nos anos 90, “A Ostra e o Vento” também redefine a trajetória do diretor. Porque não estamos falando do Walter Lima Jr. de “Menino de Engenho” (1965), nem do desbunde de “A Lira do Delírio” (1978), nem do esquecível “O Monge e a Filha do Carrasco” (1995).
Walter realiza um filme cético, fantasmagórico, sexual. Em um clima distante de “Ele, o Boto” (1987), em que mexia nas assombrações através do regionalismo. No caso, uma lenda do Norte brasileiro.
“A Ostra e o Vento” utiliza um tom escuro, fechado. O frio empresta à ilha deserta uma cara irlandesa, parente de “A Filha de Ryan”. É uma ambientação difícil de aparecer no cinema nacional, ainda mais na escola à qual Walter se ligou: o Cinema Novo – focado nas cores quentes, nos exteriores, no Brasil de Jorge de Lima, Brecht e do novomundo.
Aliás, uma das seqüências de abertura do filme lembra a panorâmica de “Terra em Transe” (1967). As águas se misturando com a terra, apresentando-se ao espectador.
José (Lima Duarte) cria sozinho uma filha (Marcela, Leandra Leal). A mãe surge em flashbacks (Débora Bloch). José trabalha em uma ilha, absolutamente perdido, sem ligação com o continente.
Marcela não sai de lá, o pai não deixa. Presa, coitada – a ostra da história. Entra numa espiral de desejo na chegada da adolescência. Começa a delirar, pensa que está sendo invadida por Saulo – o vento da história. Saulo não existe, é o nome masculino que Marcela atribui à força descomunal da natureza. Exatamente: a menina psicotizou.
Daniel (Fernando Torres), um dos marujos que a viram crescer, tenta ajudá-la. Percebe que ela possui alguma inteligência, alguma perspicácia. Alfabetiza Marcela quando criança, o que dá à garota a oportunidade de escrever diários.
É um pai substituto, bonzinho, agoniado. E que acaba engolido na tragédia de erros. Com o tempo, nem vai conseguir separar o que é certo ou errado. O que é real ou ilusório. O que é vida ou morte. O lado fantástico de “A Ostra e o Vento” embaralha a consciência.
Pepe (Castrinho), outro cupincha de José, entrega a Marcela um vestido amarelo. O mesmo que José passa a ver nas alucinações que tem com a ex-esposa. É o simbolismo do incesto reprimido. De um instinto tão pesado que o faz dominar Marcela. A esposa era prostituta e, portanto, o amor que tem pela filha guarda esse mundo incrível de misoginia.
Única mulher no meio de idosos, Marcela acaba encarando o sexo oposto no automático. Tenta brincar, se divertir, dançar, coisas do gênero. A chegada de Roberto (Floriano Peixoto) não muda a situação. Apesar de mais novo, o rapaz é louco. A garota o trata com falta de paciência e, mesmo sem gritar com todas as letras, parece dizer “tolinhos, nenhum de vocês me apetece. E nem eu sou tão solitária assim.” Afinal, ela tem o Saulo. Ou seja: não tem nada. Apenas uma figura de ficção.
O mundo de Marcela não deveria ser o da ilha. Sonha com o exterior, mas a interdição de José é algo tão poderoso que manter saúde mental nesse buchicho vira um projeto impossível. Resta imitar gaivota, restam as metáforas de liberdade – o diário, o vento.
Baseado no romance de Moacir C. Lopes, o roteiro de Walter Lima Jr. – colaboração de Flávio Tambellini, produtor – é bastante hábil em transformar a origem de literatura. Não fica o ranço tatibitati, pois “A Ostra e o Vento” é cinema. Imagens, sombras, Marcela à milanesa, a areia, o mar salgado. Pedro Farkas, na fotografia, compõe a atmosfera.
Elemento curioso, uma parte da ilha não existe, foi criada em computador. Coloca nas encostas a silhueta de um rosto feminino. Acerta belamente. O rosto de Marcela permanece preso no local, naquele ponto qualquer, e indissociável, do nada. Um vulto que nunca o abandonará.
Um personagem atípico, diferente das novelas e das rápidas aparições no cinema. “Os Sete Gatinhos”, de Neville D'Almeida, é provavelmente a mais marcante.
Segundo e último filme de Walter Lima Jr. nos anos 90, “A Ostra e o Vento” também redefine a trajetória do diretor. Porque não estamos falando do Walter Lima Jr. de “Menino de Engenho” (1965), nem do desbunde de “A Lira do Delírio” (1978), nem do esquecível “O Monge e a Filha do Carrasco” (1995).
Walter realiza um filme cético, fantasmagórico, sexual. Em um clima distante de “Ele, o Boto” (1987), em que mexia nas assombrações através do regionalismo. No caso, uma lenda do Norte brasileiro.
“A Ostra e o Vento” utiliza um tom escuro, fechado. O frio empresta à ilha deserta uma cara irlandesa, parente de “A Filha de Ryan”. É uma ambientação difícil de aparecer no cinema nacional, ainda mais na escola à qual Walter se ligou: o Cinema Novo – focado nas cores quentes, nos exteriores, no Brasil de Jorge de Lima, Brecht e do novomundo.
Aliás, uma das seqüências de abertura do filme lembra a panorâmica de “Terra em Transe” (1967). As águas se misturando com a terra, apresentando-se ao espectador.
José (Lima Duarte) cria sozinho uma filha (Marcela, Leandra Leal). A mãe surge em flashbacks (Débora Bloch). José trabalha em uma ilha, absolutamente perdido, sem ligação com o continente.
Marcela não sai de lá, o pai não deixa. Presa, coitada – a ostra da história. Entra numa espiral de desejo na chegada da adolescência. Começa a delirar, pensa que está sendo invadida por Saulo – o vento da história. Saulo não existe, é o nome masculino que Marcela atribui à força descomunal da natureza. Exatamente: a menina psicotizou.
Daniel (Fernando Torres), um dos marujos que a viram crescer, tenta ajudá-la. Percebe que ela possui alguma inteligência, alguma perspicácia. Alfabetiza Marcela quando criança, o que dá à garota a oportunidade de escrever diários.
É um pai substituto, bonzinho, agoniado. E que acaba engolido na tragédia de erros. Com o tempo, nem vai conseguir separar o que é certo ou errado. O que é real ou ilusório. O que é vida ou morte. O lado fantástico de “A Ostra e o Vento” embaralha a consciência.
Pepe (Castrinho), outro cupincha de José, entrega a Marcela um vestido amarelo. O mesmo que José passa a ver nas alucinações que tem com a ex-esposa. É o simbolismo do incesto reprimido. De um instinto tão pesado que o faz dominar Marcela. A esposa era prostituta e, portanto, o amor que tem pela filha guarda esse mundo incrível de misoginia.
Única mulher no meio de idosos, Marcela acaba encarando o sexo oposto no automático. Tenta brincar, se divertir, dançar, coisas do gênero. A chegada de Roberto (Floriano Peixoto) não muda a situação. Apesar de mais novo, o rapaz é louco. A garota o trata com falta de paciência e, mesmo sem gritar com todas as letras, parece dizer “tolinhos, nenhum de vocês me apetece. E nem eu sou tão solitária assim.” Afinal, ela tem o Saulo. Ou seja: não tem nada. Apenas uma figura de ficção.
O mundo de Marcela não deveria ser o da ilha. Sonha com o exterior, mas a interdição de José é algo tão poderoso que manter saúde mental nesse buchicho vira um projeto impossível. Resta imitar gaivota, restam as metáforas de liberdade – o diário, o vento.
Baseado no romance de Moacir C. Lopes, o roteiro de Walter Lima Jr. – colaboração de Flávio Tambellini, produtor – é bastante hábil em transformar a origem de literatura. Não fica o ranço tatibitati, pois “A Ostra e o Vento” é cinema. Imagens, sombras, Marcela à milanesa, a areia, o mar salgado. Pedro Farkas, na fotografia, compõe a atmosfera.
Elemento curioso, uma parte da ilha não existe, foi criada em computador. Coloca nas encostas a silhueta de um rosto feminino. Acerta belamente. O rosto de Marcela permanece preso no local, naquele ponto qualquer, e indissociável, do nada. Um vulto que nunca o abandonará.
3 comentários:
Um dos nossos melhores filmes. Brilhante estréia de Leandra Leal.
www.ofalcaomaltes.blogspot.com
Um filme onde a tensão sexual é permanente, o tempo todo, com personagens que parecem prontos a explodir a qualquer momento. E o nome, Ostra...
Antonio, o Walter teve uma sorte imensa de encontrar uma protagonista garota que não ficasse bobinha, infantil. Teria sido a morte do filme.
Tudo preso mesmo, Roberto. E a ilha fica como uma fantasma no meio disso tudo, ela parece irreal.
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