Lançada em 1996, "Quem Matou Pixote?", a cinebiografia do garoto Fernando Ramos da Silva -- Pixote no filme de Héctor Babenco, de 1981 -- surgiu quando ninguém sabia ao certo como enxergar as novas produções brasileiras: se fenômeno sazonal ou tendência estabilizada. Passados quatorze anos, vale a pena voltarmos a ela.
Baseado nos livros "Pixote Nunca Mais", de Cida Venâncio, e "Pixote, a Lei do Mais Forte", de José Louzeiro, o filme busca apelo no mérito sentimental da obra escrita pela esposa do falecido. Por outro lado, tem coragem de adaptar um autor incisivo, dogmático, em um momento no qual todo mundo ainda estava pisando em ovos, ignorando a tradição de outras décadas em nome do paradoxo higienista chamado "Retomada".
O resultado é híbrido: ora avança em busca de uma "verdade" -- à la Louzeiro -- ora escorrega no esquematismo do olhar passional, vitimizante.
Fernando Ramos da Silva nunca quis ser herói. E qualquer construção sobre ele necessita guardar o caráter acidental dessa trajetória. Na elipse de acidente, conta ainda a vaidade -- inerente a qualquer um -- e a frustração de tornar-se uma sombra de si mesmo.
Lapso, hiato cruel -- quando as luzes se apagaram e Fernando (Cassiano Carneiro) descobriu no espelho quebrado da fama uma triste imagem -- é tudo o que o filme precisava expressar.
Baseado nos livros "Pixote Nunca Mais", de Cida Venâncio, e "Pixote, a Lei do Mais Forte", de José Louzeiro, o filme busca apelo no mérito sentimental da obra escrita pela esposa do falecido. Por outro lado, tem coragem de adaptar um autor incisivo, dogmático, em um momento no qual todo mundo ainda estava pisando em ovos, ignorando a tradição de outras décadas em nome do paradoxo higienista chamado "Retomada".
O resultado é híbrido: ora avança em busca de uma "verdade" -- à la Louzeiro -- ora escorrega no esquematismo do olhar passional, vitimizante.
Fernando Ramos da Silva nunca quis ser herói. E qualquer construção sobre ele necessita guardar o caráter acidental dessa trajetória. Na elipse de acidente, conta ainda a vaidade -- inerente a qualquer um -- e a frustração de tornar-se uma sombra de si mesmo.
Lapso, hiato cruel -- quando as luzes se apagaram e Fernando (Cassiano Carneiro) descobriu no espelho quebrado da fama uma triste imagem -- é tudo o que o filme precisava expressar.
Interdições o prejudicam: Iracema (Joana Fomm), a mãe deslumbrada demais, e Cafu (Tuca Andrada), o irmão bandido, saem de alguma espécie de aula de roteiro para principiantes. Igualmente o policial cruel, Lobato (Roberto Bomtempo), cujas intervenções lembram certos delírios do neon-realismo paulistano, tamanha artificialidade e postura over. Mas o prêmio abacaxi vai mesmo para a trilha-sonora de David Tygel e Maurício Maestro, uma das mais esquisitas desde que pianistas tocavam ao lado das telas nos silent movies.
Ao trabalhar com elementos cotidianos, o filme cresce e quase alcança seus objetivos. Fernando passeia por São Paulo, atravessa o Viaduto do Chá, quando uma olheira, Malu (Maria Luísa Mendonça), o convoca para um teste: "Está cheio de verme, lombriga", diz um dos mauricinhos da produtora. Sua espontaneidade garante lugar no elenco. O resto é história.
Amantes do cinema nacional vão perceber total falta de empatia com a parte mais importante da trama: o sucesso e o contexto em que o "Pixote" de Babenco estava inserido. A obra-prima é transposta de forma apressada, em flashes burocráticos. Closes dos letreiros do Cine Odeon, notícias fakes de jornal e uma rápida entrevista à imprensa, querem satisfazer o espectador sobre o abismo de alguém sair de um barraco em Diadema para o topo.
Passado o tempo, bem rapidinho Fernando cresce. Já tem quinze anos e procura emprego. É tentado pela amargura do irmão, crente de que, na hierarquia da fome, um bandido cinematográfico significa menos do que na vida real. Fernando abraça o vaticínio, segue Cafu e ouve "ensinamentos". Este irmão revoltado e pragmático seria um típico personagem de Louzeiro, não fosse a ligeireza de sua construção.
Mergulhando no crime, Fernando vai pro xilindró, e cai nas mãos de Lobato. O policial inveja o ator. Utiliza de suas prerrogativas para derrotá-lo moralmente. Vez ou outra, a imprensa lembra de Fernando e o entrevista, comparando o passado glorioso com o triste presente. Sabemos que no Brasil, país sem memória, a cretinice machuca bastante. Esse aspecto torna-se bem explorado à medida em que Fernando afunda, como um fantasma.
Ao trabalhar com elementos cotidianos, o filme cresce e quase alcança seus objetivos. Fernando passeia por São Paulo, atravessa o Viaduto do Chá, quando uma olheira, Malu (Maria Luísa Mendonça), o convoca para um teste: "Está cheio de verme, lombriga", diz um dos mauricinhos da produtora. Sua espontaneidade garante lugar no elenco. O resto é história.
Amantes do cinema nacional vão perceber total falta de empatia com a parte mais importante da trama: o sucesso e o contexto em que o "Pixote" de Babenco estava inserido. A obra-prima é transposta de forma apressada, em flashes burocráticos. Closes dos letreiros do Cine Odeon, notícias fakes de jornal e uma rápida entrevista à imprensa, querem satisfazer o espectador sobre o abismo de alguém sair de um barraco em Diadema para o topo.
Passado o tempo, bem rapidinho Fernando cresce. Já tem quinze anos e procura emprego. É tentado pela amargura do irmão, crente de que, na hierarquia da fome, um bandido cinematográfico significa menos do que na vida real. Fernando abraça o vaticínio, segue Cafu e ouve "ensinamentos". Este irmão revoltado e pragmático seria um típico personagem de Louzeiro, não fosse a ligeireza de sua construção.
Mergulhando no crime, Fernando vai pro xilindró, e cai nas mãos de Lobato. O policial inveja o ator. Utiliza de suas prerrogativas para derrotá-lo moralmente. Vez ou outra, a imprensa lembra de Fernando e o entrevista, comparando o passado glorioso com o triste presente. Sabemos que no Brasil, país sem memória, a cretinice machuca bastante. Esse aspecto torna-se bem explorado à medida em que Fernando afunda, como um fantasma.
E ele, de fato, não sabe o que fazer com o esquecimento. Confunde realidade e fantasia -- ora aceita-se Pixote, ora reafirma-se Fernando, "o maior ator do Brasil". Ganha alguma alegria quando conhece a fã, Cida (Luciana Rigueira), e ela lhe oferece uma paixão morna. As cenas entre Fernando e Cida, ao som de Raul Seixas, pelo menos nos poupam da trilha extravagante.
Quase no fim da linha, Fernando ruma para o Rio de Janeiro e faz última tentativa de voltar a ser famoso. Pede ajuda a José Louzeiro (Orlando Vieira), que o encaixa em uma novela. Só que Louzeiro desconfia que o rapaz não sabe ler direito, e o manda recitar um poema de Augusto dos Anjos, na melhor cena do filme. Expulso da novela por não decorar as falas, termina faxineiro na produtora de "Pixote".
Um derradeiro convescote junta os filhos de Iracema, dançando com a mãe "Emoções", de Roberto Carlos, em momento pueril. De acidente em acidente, quando inscreve suas mãos em uma calçada da fama sangrenta, resume o dilema: não alcançando seus sonhos, eternizou-se assassinado covardemente.
Em 2002, José Joffili fez o que parecia impossível, dirigindo um remake da peça de Plínio Marcos, "Dois Perdidos Numa Noite Suja", ambientado nos Estados Unidos, e tão interessante quanto o primeiro filme, de Braz Chediak (1971). Também adaptou bem o escritor hispano-copacabanense Luiz Alfredo Garcia-Roza em "Achados e Perdidos" (2005). Infelizmente, "Quem Matou Pixote?" não reclama esses méritos. Coleciona tantas imperfeições, tantos clichês, que mais prejudica a intimidade e empatia com Fernando do que propriamente a consolida.
Quase no fim da linha, Fernando ruma para o Rio de Janeiro e faz última tentativa de voltar a ser famoso. Pede ajuda a José Louzeiro (Orlando Vieira), que o encaixa em uma novela. Só que Louzeiro desconfia que o rapaz não sabe ler direito, e o manda recitar um poema de Augusto dos Anjos, na melhor cena do filme. Expulso da novela por não decorar as falas, termina faxineiro na produtora de "Pixote".
Um derradeiro convescote junta os filhos de Iracema, dançando com a mãe "Emoções", de Roberto Carlos, em momento pueril. De acidente em acidente, quando inscreve suas mãos em uma calçada da fama sangrenta, resume o dilema: não alcançando seus sonhos, eternizou-se assassinado covardemente.
Em 2002, José Joffili fez o que parecia impossível, dirigindo um remake da peça de Plínio Marcos, "Dois Perdidos Numa Noite Suja", ambientado nos Estados Unidos, e tão interessante quanto o primeiro filme, de Braz Chediak (1971). Também adaptou bem o escritor hispano-copacabanense Luiz Alfredo Garcia-Roza em "Achados e Perdidos" (2005). Infelizmente, "Quem Matou Pixote?" não reclama esses méritos. Coleciona tantas imperfeições, tantos clichês, que mais prejudica a intimidade e empatia com Fernando do que propriamente a consolida.
6 comentários:
Prezada Andrea, devo admitir algo: sou fã confesso deste filme. Apesar das inúmeras inperfeições técnicas (vide a trilha sonora) é uma grande fita, feita na cara e coragem pelo Joffily. Pena que muitos dos filmes brasileiros atuais tenham elencos estrelares e pouco coração. Este filme é justamente o contrário. "Quem Matou Pixote?" é como um jogador que você sabe que não é um craque, mas joga com uma raça danada e grande amor a camisa. Acho que essa é a melhor maneira de definir este filme.
Matheus Trunk
www.violaosardinhaepao.blogspot.com
Eu vi esse filme na Bandeirantes já tem um certo tempo e confesso que me surpreendi. Esperava uma bobeira, no entanto a história do rapaz que interpretou pixote me ganhou. Uma daquelas muitas produções brasileiras esquecidas (seja pelo circuito ou pelo interesse do público, que só quer saber de novela e big brother).
Curioso: ontem fui ver o novo filme do Joffily, o tal Olhos Azuis. Vá ver! Vale a pena como reflexão dos dias atuais em que vivemos.
Cultura? O lugar é aqui:
http://culturaexmachina.blogspot.com
Matheus, acho que "Quem Matou Pixote?" apesar da gana de fazer cinema não tem o cuidado e o talento de outros do Joffily. O resultado, mesmo pra época, ficou um pouco longe do razoável na minha opinião. Mas entendo o que você quer dizer.
pseudo-autor, "Olhos Azuis" tem momentos bons, mas me pareceu o mais fraco do Joffily desde "Quem Matou Pixote?".
Não ficou exatamente uma cinebiografia pois eles cortaram muitos acontecimentos,e outra:Fernando fez Pixote já com quase 14 anos e não com nove como no filme.Também fez o filme ELES NÃO USAM BLACKIE-TIE,cujo o personagem parece um tanto taradinho e sem valor na trama (acredito que colocaram ele pois estava no auge),e sem falar que fez aquela telenovela com o Fábio Junior protagonista.Os atores são monstros mas realmente:o roteiro é fraco...O cenário é realista,nota dez pra isso,mas...Mas assim mesmo o filme é superior que muitas comédias de sexo que existem,infelizmente,no nosso Cinema.(Não falo das pornochanchadas dos anos 70 e sim dessas comédias de hoje...).
RENATO ZUQUE
Desculpe discordar, mas QMP é um dos poucos filmes nacionais que realmente gosto. Vi sem esperar nada e foi uma surpresa, um "tapa na cara" da mania intelectual da "estética da fome", da exploração sem noção que se faz em nome da arte.
"QMP" é tão interessante que tem no título uma pergunta e no filme uma resposta: todos mataram. E o que dói, é que alguns foram premiados mundialmente por isso.
A critica é muita injusta,ingrata e sacana ao mesmo tempo.Críticos frustados que nunca criaram nada.Criar! A Essência da arte.Belo filme e ponto final!
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