terça-feira, janeiro 26, 2010

Não Quero Falar Sobre Isso Agora


Incrível como já se passaram vinte anos do alvorecer da década de 90, um tempo em que brasileiros saímos do sonho da democracia -- representado pela eleição do jovem Fernando Collor de Mello, votado pela parcela mais conservadora da população -- e mergulhamos no pesadelo da falência, da bancarrota, logo no início de 1990 -- dia 16 de março -- quando a ministra Zélia Cardoso de Mello, de apenas 37 anos, anunciou que o governo congelaria grande parte do dinheiro das cadernetas de poupança e outras aplicações financeiras.

Tal medida provocou onda de enfartes, suicídios e emigração para o exterior. O país agonizava. Collor não estava para brincadeira e naquele mesmo 16 de março anunciou o fim da Embrafilme, a grande alavanca de produção e distribuição do cinema brasileiro.

Coisas ruins pode-se dizer sobre a Embra -- ainda que parcela dos impropérios sejam somente o velho preconceito da elite nacional contra seu próprio cinema. Houve desperdício de dinheiro, injustiças e compadrio regional. Mas o que é perfeito? No final das contas, o resultado de vinte anos da empresa correspondeu a toda era de ouro da produção cinematográfica no país.

Infelizmente o princípio do saneamento pela “destruição” foi prática corrente naquele início da década de 90, influenciada pela vertigem de que o país modernizava-se -- quando, na verdade, andava pra trás.

E desse Brasil esquisito, autofágico, nasceram algumas obras que servem de instantâneo do seu tempo. “Não Quero Falar Sobre Isso Agora” (1991), de Mauro Farias, tem o melhor mote: em meio à recessão, ao caos, Daniel O’Neil (Evandro Mesquita) quer sobreviver no Rio de Janeiro, em plena zona sul, trabalhando muito pouco. Com vagos sonhos de tornar-se escritor, alimenta um ânimo beatnik, bastante interditado pela realidade carioca que o cerca.

Falta de grana, tráfico de drogas, amigos e amores ignorantes. Tudo o que quebraria a espinha da felicidade no Rio, a partir de então, se apresenta a O’Neil como em uma corrida de obstáculos. E ele, bom carioca, não perde o otimismo atávico, ou aquilo que o psiquiatra austríaco Viktor Frankl diagnosticou como “sentido da vida” -- a integridade de seu espírito e objetivos diante de adversidades e percalços da existência.

À primeira vista, Daniel O’Neil pode soar como uma releitura atualizada de Dino -- o personagem de Hugo Carvana em “Vai Trabalhar Vagabundo (1973). Embora tenham ponto em comum -- a carioquice extrema, que faz mais pelo imaginário positivo da metrópole do que mil campanhas da Riotur -- a verdade é que a angústia imediatista em “Não Quero Falar Sobre Isso Agora” é muito maior do que em “Vai Trabalhar Vagabundo”.

O segundo olhava o malandro institucionalizado, quase burocrata da malandragem. Já “Não Quero Falar” transforma o arquétipo em elemento de classe-média, sem outra saída possível para sonhos e aspirações, naquele momento histórico, senão a marginalidade.

À reboque de Daniel O’Neil estão vários clichês, expressões e idiossincrasias do período. O trafica Macula, que trata o escritor de “play”, simplificação de “playboy”; a amiga gorda, generosa e infeliz, Meg (Eliana Fonseca), que aceita Daniel como paliativo para a solidão; a namorada Bárbara, adepta de discursos pseudo-filosóficos, repletos de auto-ajuda e vitimizações; além do mergulho do próprio Daniel -- garoto bem nascido -- no tráfico, até que surja oportunidade de se mandar para os Estados Unidos.

Sob todos os momentos da comédia paira a sombra de precariedade, de arranjo. Habilidoso em várias artes, mestre em nenhuma, Daniel O’ Neil é o guerreiro em sua essência. E no Brasil de 1991 acumulou kikitos em Gramado -- além de uma visão complacente da crítica. Até a escolha de Evandro Mesquita para o papel mereceu saudações otimistas: saído da Blitz, com uma carreira solo que não engatava, Mesquita provava novamente ser bom ator, fazendo dupla curiosa com a paulistana Marisa Orth, em versão desmiolada balneária.

O que ninguém poderia imaginar é que "Não Quero Falar Sobre Isso Agora" se tornaria um clássico, original e premonitório. “Enquanto houver bambu, tem flecha”, escreve carta para Meg. O’ Neil deve ainda vagar por Copacabana, de golpe em golpe, quitinete em quitinete, buscando alguma coisa. E, enquanto procura, sofre e se diverte um bocado.

4 comentários:

Flávia Mariani disse...

Sou muito interessada nesse filme, mas nunca o encontrei para assistir. Há alguma disponibilidade na internet?
Obrigada!

flavia.mariani@hotmail

Matheus Trunk disse...

Prezada Andrea, também sou grande admirador deste filme. O cinema brasileiro é realmente uma coisa estranha, logo nos anos 90 surgiram algumas grandes fitas. Uma dessas é o "Não Quero Falar Sobre Isso Agora". Também gostei bastante do desempenho do Evandro Mesquita e da Eliana Fonseca.

Matheus Trunk
www.violaosardinhaepao.blogspot.com

Alexandre disse...

Oi! Que filme dificil de conseguir! Passou no CANAL BRASIL ou foi lançado em VHS? Outro que também não consigo é ASSIM NA TELA COMO NO CÉU. Se alguém puder me dar uma luz fico agradecido.

Andrea Ormond disse...

Flávia, não sei te informar. Gravei do Canal Brasil faz mais de dez anos.

Matheus, eles estão ótimos mesmo :) E esse é, sem dúvida, o melhor filme do período mais triste do cinema brasileiro.

Alexandre, pelo jeito não passa no Canal Brasil faz muito tempo. Acho que em Vhs não saiu.