Acalmem-se, leitores: “Emanuelle Tropical” (1977) nem é tão apelativo quanto parece. Usa os jargões “emanuellinos” de fins dos 70 e dá a César o que é de César: muito chiquê, mulher bonita e liberação feminina nos tempos em que queimar sutiãs “já estava super fora de moda”.
Para quem procura algo mais incisivo, “A Filha de Emanuelle” (1980) pode ser uma boa pedida. Clássico de Oswaldo de Oliveira, produzido por Antonio Polo Galante e estrelado por Vanessa Alves – que Carlos Reichenbach dirigiria em “Anjos do Arrabalde” (1987) e “Garotas do ABC" (2003) – “A Filha de Emanuelle” é um filme que não se preocupa em utilizar as táticas sutis criadas pela matriz francesa.
Sucesso na França, Europa, Américas, Polinésia, oceanos Índico, Atlântico e Pacífico, “Emmanuelle” (1974) foi mola propulsora da carreira de Sylvia Kristel e criou uma franquia cinematográfica associada ao nome da protagonista para todo o sempre: mulher de diplomata, etnocêntrica, em viagem dentro de si mesma e de outrem, à procura da chama oculta do sexo e da liberdade.
Muitos jogos de tênis, quadras de tênis, indumentárias de tênis, sauna a vapor, cavalos, haras, camparis, carros Puma, homens barbados, moças de cabelos lisos, piscinas, fotografia esfumaçada, em uma bruma para dizer que tudo ali trafega no plano da sensibilidade e não necessariamente para encher os cofres dos produtores.
Evidente que um fenômeno pop desta dimensão seria regurgitado e retrabalhado por gente de maior ou menor talento, acoplando temáticas cada vez mais hardcores e experimentações idem. Quem assistiu aos “Emanuelles”, com apenas um “m” e estrelados por Laura Gemser, tal como o “Emanuelle Nera” (1975), capta fácil a mudança de estilo.
Na terra do patropi, as encucações são diferentes. Produzido pela Haway [sic] Filmes, montagem de Milton Bolinha e direção de J. Marreco, “Emanuelle Tropical” brinca de metalinguagem: Emanuelle (Monique Lafond, dublada em estilo radiofônico, a la comercial da PanAm) é casada, sim, com um arquiteto rico (Franco), mas recusa a pecha de submissa e dependente.
Vai à luta, batalha um lugar na sociedade como modelo e aparece vez por outra nos sets de filmagens ou de fotografias. Nestas horas vemos a equipe de J. Marreco gravando as cenas dos J. Marrecos ficcionais.
O “lance do prazer sem posse”, as fumaças de cigarro, os lençóis tapando os sexos, o casal lésbico formado por Maricler (Selma Egrei) e Lúcia (Matilde Mastrangi), a presença de um arquiteto – fantasia recorrente da época, como afinal também era o nervoso Paul Kersey, personagem de Charles Bronson em “Desejo de Matar” (1974). Tudo conspira à exploração dos sentidos, embrulhada para presente na filosofia de paperback: viva, seja feliz, lute contra as amarras da sociedade e as mentes mesquinhas de gente pequena.
Neste sentido, o relacionamento de Emanuelle e Franco é exemplar, pois ambos têm de comum acordo a promessa de não se intrometerem nas escapulidas que um ou outro cometam com quem quer que seja.
Vez por outra toca o "Divertissement", do álbum “Concerto Para Uma Voz”, de Saint-Preux, combinando com a atmosfera frugal. Eis, porém, que o namorico entre Franco e Lúcia engrena de vez e acaba fundindo a cuca da protagonista. Mas tudo bem. “A vida é assim: cheia de zonas, filtros, fusões”, comenta Emanuelle a certa altura.
Resolve visitar Ivan, o amigo roteirista de cinema, que está prestes a partir para gravações de um projeto recente. “Estou aqui escrevendo, transando o meu roteiro e você com os seus problemas existenciais.” Faltou um pouco de paciência a Ivan – escritores são criaturas indóceis – mas em breve tudo se ajeitaria. Partiriam para uma viagem com novas dimensões de procura e entrega, ao lado de outros elementos e personagens em cena.
O fato é que, no cômputo geral, as belezas de Monique Lafond e Selma Egrei destacam-se de maneira indiscutível e vencem as obviedades da trama. De todo modo, a “Emanuelle Tropical” não é uma vedete alucinada, não é sambista, não diz no pé, não usa a flora e a fauna tropicais, como seria de se supor pelo título. Um tanto europeizada, faz parte de um subgênero que ganhou novas camadas com o tempo e fecha como achado antropológico para quem quiser entender a importação de um conceito alienígena pelo cinema brasileiro.
Para quem procura algo mais incisivo, “A Filha de Emanuelle” (1980) pode ser uma boa pedida. Clássico de Oswaldo de Oliveira, produzido por Antonio Polo Galante e estrelado por Vanessa Alves – que Carlos Reichenbach dirigiria em “Anjos do Arrabalde” (1987) e “Garotas do ABC" (2003) – “A Filha de Emanuelle” é um filme que não se preocupa em utilizar as táticas sutis criadas pela matriz francesa.
Sucesso na França, Europa, Américas, Polinésia, oceanos Índico, Atlântico e Pacífico, “Emmanuelle” (1974) foi mola propulsora da carreira de Sylvia Kristel e criou uma franquia cinematográfica associada ao nome da protagonista para todo o sempre: mulher de diplomata, etnocêntrica, em viagem dentro de si mesma e de outrem, à procura da chama oculta do sexo e da liberdade.
Muitos jogos de tênis, quadras de tênis, indumentárias de tênis, sauna a vapor, cavalos, haras, camparis, carros Puma, homens barbados, moças de cabelos lisos, piscinas, fotografia esfumaçada, em uma bruma para dizer que tudo ali trafega no plano da sensibilidade e não necessariamente para encher os cofres dos produtores.
Evidente que um fenômeno pop desta dimensão seria regurgitado e retrabalhado por gente de maior ou menor talento, acoplando temáticas cada vez mais hardcores e experimentações idem. Quem assistiu aos “Emanuelles”, com apenas um “m” e estrelados por Laura Gemser, tal como o “Emanuelle Nera” (1975), capta fácil a mudança de estilo.
Na terra do patropi, as encucações são diferentes. Produzido pela Haway [sic] Filmes, montagem de Milton Bolinha e direção de J. Marreco, “Emanuelle Tropical” brinca de metalinguagem: Emanuelle (Monique Lafond, dublada em estilo radiofônico, a la comercial da PanAm) é casada, sim, com um arquiteto rico (Franco), mas recusa a pecha de submissa e dependente.
Vai à luta, batalha um lugar na sociedade como modelo e aparece vez por outra nos sets de filmagens ou de fotografias. Nestas horas vemos a equipe de J. Marreco gravando as cenas dos J. Marrecos ficcionais.
O “lance do prazer sem posse”, as fumaças de cigarro, os lençóis tapando os sexos, o casal lésbico formado por Maricler (Selma Egrei) e Lúcia (Matilde Mastrangi), a presença de um arquiteto – fantasia recorrente da época, como afinal também era o nervoso Paul Kersey, personagem de Charles Bronson em “Desejo de Matar” (1974). Tudo conspira à exploração dos sentidos, embrulhada para presente na filosofia de paperback: viva, seja feliz, lute contra as amarras da sociedade e as mentes mesquinhas de gente pequena.
Neste sentido, o relacionamento de Emanuelle e Franco é exemplar, pois ambos têm de comum acordo a promessa de não se intrometerem nas escapulidas que um ou outro cometam com quem quer que seja.
Vez por outra toca o "Divertissement", do álbum “Concerto Para Uma Voz”, de Saint-Preux, combinando com a atmosfera frugal. Eis, porém, que o namorico entre Franco e Lúcia engrena de vez e acaba fundindo a cuca da protagonista. Mas tudo bem. “A vida é assim: cheia de zonas, filtros, fusões”, comenta Emanuelle a certa altura.
Resolve visitar Ivan, o amigo roteirista de cinema, que está prestes a partir para gravações de um projeto recente. “Estou aqui escrevendo, transando o meu roteiro e você com os seus problemas existenciais.” Faltou um pouco de paciência a Ivan – escritores são criaturas indóceis – mas em breve tudo se ajeitaria. Partiriam para uma viagem com novas dimensões de procura e entrega, ao lado de outros elementos e personagens em cena.
O fato é que, no cômputo geral, as belezas de Monique Lafond e Selma Egrei destacam-se de maneira indiscutível e vencem as obviedades da trama. De todo modo, a “Emanuelle Tropical” não é uma vedete alucinada, não é sambista, não diz no pé, não usa a flora e a fauna tropicais, como seria de se supor pelo título. Um tanto europeizada, faz parte de um subgênero que ganhou novas camadas com o tempo e fecha como achado antropológico para quem quiser entender a importação de um conceito alienígena pelo cinema brasileiro.
7 comentários:
Cara, muito importante o seu blog, acabei de descobrí-lo, e vou levar um tempo para ver tudo o que tem nele, mas pode ter certeza que ele já está no Favoritos para não desaparecer.
Parabéns
Andrea,
Finalmente acabou nossa orfandade.
Ótimo tê-la de volta. Fez muita falta.
Quase todos os dias entrava aqui para ver se já tinha voltado. Estive em Ouro Preto acompanhando mostra de cinema, e hoje, ao entrar aqui, não acreditei no que vi: sua volta para todos nós, seus fãs.
Bjs
Adilson Marcelino
Obrigada, palhastro. Boa leitura.
Adilson, que coisa boa ler um comentário seu, ainda mais tão doce e tão querido. Obrigada :) Como foi em Ouro Preto, aprovou a mostra? Beijos
Foi muito legal Andrea. a Mostra fez um encontro histórico ao homemagear de uma vez só Glauber Rocha e Rogério Sganzerla, e areunir as duas famílias, com, claro, Helena Ignez e Paloma Duarte como pontos comuns entre os dois mestres.
Fiz também muito material para o site. Semana que vem já começo a publicar.
Quando tiver um tempo dê um pulo lá no Mulheres. Nessa semana teve uma bela e politizada homenagem do cineasta Luiz Rosemberg Filho para a grande Analu Preste.
A entevista com a ensaísta Ilana Feldman também está bem legal. Conversei com ela temas - sobre o feminino- que conversei com você na nossa entrevista.
Bjs e maravilha tê-la de volta.
Bjs
Adilson Marcelino
Olá Andrea, parabéns pelo belo trabalho! Gostaria muito de assistir ao filme "A Filha de Emanuelle", pois o vi no cinema, na minha juventude. Você sabe como posso conseguí-lo? Obrigado e um abraço! Marcos
Emmanuelle é uma personagem que marcou a minha vida desde o ano de 1997 quando assiti o primeiro filme da série "Emmanuelle" com a belíssima e saudosa musa holandesa Sylvia Kristel no papel principal sendo ainda que eu acompanhei suas três sequências oficiais nos anos seguintes. Assisti peça primeira e única vez à essa igualmente excelente versão brasileira das aventuras da famosa amante francesa no final de 1997 quando me tornei fâ da personagem.
Encontrei uma cópia,vou assistir.Se é 'tropical' deviam ter escolhido uma mulata-protagonista,mas...
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