quinta-feira, março 30, 2006

Tati, A Garota


Se para certas famílias o fato de ter um filho ou um parente próximo envolvido com o cinema é as vezes motivo de orgulho, surpresa ou admiração, com certeza na família de Bruno Barreto isso parecia apenas uma conseqüência natural do meio. Filho dos produtores Luiz Carlos e Lucy Barreto, guardando uma moviola dentro de casa (onde foram montados alguns clássicos do Cinema Novo) e dirigindo pequenos filmes desde a infância, o jovem Bruno poderia se aventurar na direção de um longa na hora em que estivesse preparado.

Com a ajuda da avó, que lhe conseguiu um providencial financiamento, Bruno não tardou e aos 17 anos (isso mesmo, 17 anos!) dirigiu seu primeiro longa que, a despeito dos soporíferos filmes que vem cometendo na maturidade, mostra um vigor e uma segurança invejáveis para qualquer diretor veterano. Cercado da produção dos pais, da fotografia do também púbere Murilo Salles e da trilha-sonora de Dori Caymmi, a se julgar por “Tati, A Garota” (1973), Bruno Barreto prometia bem mais do que “Bossanova”.

“Tati, A Garota”, baseado no conto do genial ipanemense Aníbal Machado, é um filme maravilhoso, caso típico de obra que pretendendo narrar uma história simples, linear, forja-se também o retrato de um momento histórico. A classe-média baixa dos subúrbios, que migrava para a zona sul do Rio em busca de oportunidades nos anos 70, é personificada em Manuela (Dina Sfat), costureira que, morando na Penha, resolve viver a aventura de se mudar para uma quitinete em Copacabana, sonhando uma vida melhor para ela e a filha Tati (Daniela Vasconcelos).

O filme é visto a partir de Tati, seus dramas e histeria infantil, sua busca de atenção extrema e espelhamento na figura da mãe, uma mulher bonita e inteligente, mas gasta e sofrida pelos percalços e erros.

A pequena Tati não tem pai, está em um bairro estranho, morando em frente à Praça do Lido, brincando com garotos de classe-média que a vêem com curiosidade extremada. “A Tati não tem pai!”, eles dizem, e ela retruca: “Eu tenho muitos pais!”. Se Manuela usa o resto da sua beleza para se divertir com uma extensa agenda de telefones masculinos, pelo menos possibilita à filha ver em cada um desses homens um possível referencial paterno.

A relação mãe e filha também é complexa, ricamente ilustrada. Manuela às vezes odeia e despreza a filha: gostaria de ser sozinha, livre, poder reinventar a vida sem a obrigação da criança desamparada que precisa dela. Por outro lado, quando Tati cai doente, Manuela fica atônita. E, no final do filme, quando resolve se livrar da filha apenas para tentar permanecer em Copacabana, acaba voltando atrás e se conformando. Afinal, ser mãe é via de sentido único.

De novo temos em um filme brasileiro a síntese de Copacabana como símbolo do Brasil. A mistura de classes sociais é evidente: Manuela costura
praticamente para suas vizinhas, as “madames” dos apartamentos grandes e da burguesia carioca – que, naquela época, só tinha a zona sul para viver. Ela mesma, por vezes, se veste e comporta como uma madame do bairro: um namorado a leva para sair e Dina Sfat, com sua beleza aristocrática, desengana a personagem humilde.

Quando volta para casa de madrugada e encontra a filha ensandecida, é que finalmente Manuela abandona o sonho de Cinderela e cai na real de que flerta com um mundo que a encara de cima, mesmo porque não paga o aluguel e recebe em troca uma indiferente notificação de despejo.

Mas há o Comandante Peixoto (Hugo Carvana, no ano em que fez “Vai Trabalhar Vagabundo”), que pilota o enorme navio onde Tati comemora com os amiguinhos seu aniversário. Peixoto flerta com Manuela e a pede em casamento. Ela tem a ilusão de que o pai morto de Tati volte e recusa até o fim. Quando o namoradinho de Tati (o menino Marcelo) vai embora para São Paulo, a imagem final é a das duas mulheres, a grande e a pequena, sozinhas novamente no mundo, decididas a sobreviverem juntas e lutarem por uma remota chance de conforto e felicidade.

Se Manuela permaneceu ou não em Copacabana, se venceu ou não na vida, isso não importa. Documentado o fato, o drama, o olhar da câmera está satisfeito. E das tantas Manuelas que chegaram e foram embora, de tantas partes diferentes da cidade e do país, ficou um filme belíssimo, que não envelhece. E que felizmente para nós espectadores foi remasterizado e lançado em dvd, coisa rara em se tratando de bons filmes brasileiros.

16 comentários:

Anônimo disse...

Eu ainda não consegui ver inteiro Tati. Vi uns pedaços, sempre tinha alguma coisa no dia que passava ou eu não tive paciência. Mas vou ver qualquer dia. Sobre o lançamento em DVD: prefiro não comentar. Aqui (nos lançamentos de DVD) você consegue ter a idéia clara que há uma verdadeira máfia no cinema brasileiro. E essa verdadeira máfia está onde: justamente nos intelectuais, nos de esquerda, nos que usam dinheiro público. Ou seja, os outros, os reacionários, os que usam dinheiro próprio e de produtores, não merecem ser relançados. Fizeram filme pro povo e não pra intelectual de butiquim. Merece ser relançado somente filme intelectual, fino, ás vezes "o filme é tão "bem feito" que nem parece brasileiro" como falaram da bosta do Olga. Mas isso serve como desabafo, para combater essa verdadeira "corja" de sem vergonhas e intelectuais fundo de quinta sem vergonhas e sem moral. Somente em espaços democráticos como esse blog, desabafos como esse podem ser botados e analisados de maneira séria, responsável e madura. Parabéns Andréia, porque ao contrário dos lançamentos em DVD, teu blog fala de todo cinema brasileiro e não somente parte dele.
Abraços,
Matheus.

Anônimo disse...

Fala Andréa!! Confesso, na época em q. assisti, não curti nem um pouco o "Tati", do Bruno Barreto, eu gosto de "A Estrela Sobe" que acho excelente!! E gosto tb. de um filme q. pouca gente curti, o "Além da Paixão", e acredite se quiser, nunca vi o "Dona Flôr..." sei lá pq. cargas d'água, mas o fato é q. não vi.

Fala Matheus!!!

Essa história é bem complexa, tem a ver com os gastos q. envolvem digitalização, masterização, etc e tal. Em uma conversa recente com o Carlão, ele me confidenciou q. os valores q. os caras das distribuidoras de dvd pensam gastar com filme nacional, mal paga o café.O q. acontece, é q. produções recentes da era do dvd, já são pensadas com esse custo embutido.

Andrea Ormond disse...

Oi Matheus,
Acho que pelo menos pela presença da Dina Sfat e pelo argumento do Aníbal Machado, vale a pena dar uma conferida no "Tati" sim. Esses problemas fora da esfera artística são um tiro pela culatra, porque conseguem afastar a curiosidade do público futuro, que não poderá (como muitos de nós já não podemos, antes do Canal Brasil) acessar o passado do cinema brasileiro, de uma forma global, sem barreiras. Se uma vertente não exclui a outra, para que segregamos o que houve de bom, qq que tenha sido o autor? Eu penso por aí mesmo, e debater é o mínimo porque traz visibilidade pra algo que por si só já é mal visto nessa era de hollywoodização e pastice: o próprio cinema nacional :) Um abraço!

Fala Edu!! Do "Tati" eu gosto principalmente da atmosfera que lembra bastante a minha infância, um tempão depois. Sem contar a Dina, que apesar do lado mais pop tem muito de khouriana. Sempre lembro dela em "Eros" e garota no "Corpo Ardente":) Beijo!

Pedro Pieroni disse...

Olá, acabei de assistir a este filme; gostei! Filme de bastante sensibilidade, fez-me lembrar a poesia de Mário Quintana, Ziraldo ou um pedaço da de Vinicius. Pra época, deve ter sido um meio de esculachar nossa sociedade machista-hipócrita pelo tema: ser mãe solteira em uima grande cidade. Melancólico, deixa uma mensagem de ausência no final, como quando nasceram os milhos(filho) podres "que não mereciam nascer". Abraços.

ata disse...

-Olá,pessoal. Assisti o filme e me emocionei ao recordar lugares que marcaram a minha própria infância, como o aterro do flamengo, a Marina da Glória e a praia de Copacaba, com seus carros típicos da época.
Me apaixonei por aquela menininha e achei o desempenho de Dina Sfati explêndido. O final do filme nos passa uma mensagem de determinação de lutar por aquilo que você ama.
Um abraço a todos.

Anônimo disse...

Curiosidade do bônus do DVD, quanto à dublagem de Dina Sfat, que precisava gravar novelas, pela Ítala Nandi. Fiquei impressionado. A Ítala é gaúcha e conseguiu dar emoção ao personagem. O mesmo ocorre no filme O Casamento, quando Adrian Prieto morreu logo após o término das filmanges e foi dublada magistralmente por Norma Blum.

Anônimo disse...

Olá:

Foi um filme tocante mesmo!
Sempre que o assisto (ou até ME LEMBRO DESTE)... Me emociono!
Não sei se porque aborda uma história até meio que ingênua; embora bastante comum...
Além do baita elenco que há no filme - pena que muitos não estão mais entre nós!
E como morei boa parte da vida no Rio: nasci na cidade, e resido desde os anos 90 na capital gaúcha... Me indentifico com vários lugares mostrados no filme. E como muita coisa mudou!
Além do filme não ser apelativo (onde muitas vezes a maioria dos filmes nacionais tem HISTÓRIAS SEM NEXO/FÚTEIS mesmo!)...
E caso o filme seja ATUALIZADO, TENHA NOVOS EFEITOS DIGITAIS: será bem interessante.

É isso aí,
Rodrigo Rosa

rodrigoartesanato@yahoo.com.br

Lizamay disse...

Olá, também adoro este filme...tinha 12 anos quando foi gravado e tenho uma curiosidade meio imbecil, mas que todo fã costuma ter: por onde anda Daniela Vasconcelos? Alguém tem notícia dela? Era muito precoce, tinha tudo para seguir carreira, mas... O que pode ter acontecido? Obrigada,

astrosamira disse...

Assisti sabado, gostei da historia do filme, mas a garota é irritante ao extremo...

Anônimo disse...

Filme maravilhoso...adorei tudo uma historia real, para época que era mais dificil mesmo criar filho sem pai... trilha sonora muito boa!
e adorei os atores... Daniela Vascocelos lindinha no filme! Adorava Dina Sfat...saudades!!! Comprei o dvd de tão bom q foi o filme

Anônimo disse...

Alguém sabe o paradeiro dessa dos atores mirins?
Daniela vasconcelos?
filme marcante e maravilhoso

Anônimo disse...

Estou e assistindo nesse momento, sempre passa no canal Brasil, cultura e TV futura, sempre me emociona, até a parte do bolo kkkk e o casamento da tati kkkk ótimo filme, tenho 21 anos

Graciela paparazo disse...

Sou fã do filme e tenho uma página no Facebook para procurar informações sobre a Daniela Vasconcelos (Tati):
https://www.facebook.com/Por-onde-anda-Daniela-Vasconcelos-do-filme-Tati-a-garota-656385384539593/news_feed

Unknown disse...

também queria saber por onde ela anda.

apenas "Daniela Vasconcelos" no site tudo sobre todos não dá bons resultados, a mais velha lá é de 1971, sendo que o filme é de 73 e, no filme, ela aparentava ter coisa de 8 anos, sendo assim, deve ter nascido em 65.

Naturalmente deve ter mudado de nome após o casamento. Nunca saberemos o paradeiro dela, nem mesmo se está viva.

Anônimo disse...

Eu adorei o filme.Deve ter dado um trabalho enorme incutir nos atores mirins a ideia do filme,ligar a câmera e deixar rolar...

ADEMAR AMANCIO disse...

Encontrei uma cópia em ótimo estado,vou assistir.Logo vi que a voz não era de Dina Sfat.