segunda-feira, dezembro 19, 2005

Beijo na Boca


Pedro Carlos Rovai era um assistente de direção nos idos de 1960 e tantos, trabalhando com profissionais do naipe de Ozualdo Candeias, Luiz Sérgio Person e Rubem Biáfora. Passou a diretor no sugestivo “Adultério À Brasileira”, abordando o filão nascente da pornochanchada.

Logo depois criou uma lucrativa parceria de dois filmes com a musa hype Adriana Prieto – “A Viúva Virgem” e “Ainda Agarro Esta Vizinha”. Quando aterrisou em “Beijo na Boca” (1981), já estava consolidado como produtor e personalidade do meio cinematográfico brasileiro, em filmografia pra lá de interessante.

Mas nem sempre a criatura se iguala ao criador. A simples presença de Rovai nos créditos, ainda que na produção, não salva a estabilidade de “Beijo na Boca”, filme que tem muitas semelhanças com “Amor Bandido” – os dois narrando casos verídicos de um casal de jovens assassinos. A diferença maior é que “Beijo na Boca” virou uma obra desigual, inteligente na proposta de acompanhar a história do casal retratado, mas frágil na composição dramática, que necessitava de protagonistas marcantes.

Paulo Sérgio de Almeida, o diretor, conduz bem a ação, sem maiores sustos. O problema parece estar na performance de Mário Gomes, muito aquém do plausível. Gomes interpreta o xará, Mário, chave de cadeia obcecado em conquistar a maluquinha Celeste (Cláudia Ohana), matando e destruindo pelo caminho quem quer que se envolvesse com a menina.

Cláudia Ohana ressalta satisfatoriamente os impulsos hormonais de Celeste. Filha de militar (Milton Moraes) e mãe avoada (Joana Fomm), a garota não estuda, não trabalha, cheira toalhas molhadas de éter e faz questão de guardar na carteira a foto em que aparece nua, do carnaval anterior.

A mulher que não sabe amar e o homem que pretende ser a tábua de salvação para ela, sem ter sequer controle emocional para cuidar de um pote de plantas. Da união destes dois zumbis resulta o saldo de um morto – Artur (Dênis Carvalho), empresário cafajeste, que tirou a foto da “pantera” – e um comatoso – Pardal (Stepan Nercerssian), com quem Celeste havia perdido a virgindade.

Pardal ainda consegue balbuciar um “foi a Celeste” na maca do hospital, e seu testemunho somado ao de um vendedor de cachorro-quentes leva a dupla ao júri. “O casal assassino” vai ao tribunal, responde entrevistas separadas para rádio e tv, cada qual de um canto, com as algemas sob a roupa, para manterem a imagem de faunos badalados. Propositadamente bonitos e egóicos – fora dos padrões novelescos de serial killers –, terminam sem a necessidade de se reverem, pois a explosão de terem se conhecido diz o suficiente sobre o que acontecia ali.

O filme tem longa parte interessante na beirada do abismo, quando Celeste e Mário compartilham horas de sexo ou de planejamentos esdrúxulos, como o de viajarem para o exterior, sem dinheiro suficiente para abastecerem a geladeira. Nada além, pois companheirismo inexistia. Um primo de Mário, Vaporube (Perfeito Fortuna), ainda arranja uns pacotes de drogas para comercializarem, mas àquela altura não soluciona o problema fundamental do vazio paranóico que atormentava o casal.

A diferença entre os dois casais, vistos aqui um em seguida do outro, é que em “Amor Bandido” a dupla Sandra-Toninho deseja uma volta ao útero, um acolhimento esquecido – e mata para manter esse status quo de felicidade instantânea. Já a dupla Mário-Celeste enxerga somente a possibilidade de vingança e auto-realização – fálica, perversa – diante do mundo. Matam por conta desse revanchismo patético.

Mário, não fosse pela interpretação canhestra de Mário Gomes, seria um grande personagem. É absolutamente desprovido de amor, concentrando um ódio morno, inconsequente. Aperta os seios de um travesti, vizinho no prédio em que mora. Em seguida pilota o carro, na vertente machão, saindo à procura de um passatempo. Lembra alguns desses “psicopatas-lights” encontrados pela vida, que ao agirem errado, dão de ombros e arrumam logo uma justificativa vitimizante para sua conduta inadequada. O mesmo pode-se dizer a respeito de Celeste, aterrorizando os pais com gritinhos e o júri com narcisismo patológico.

“Beijo na Boca”, em um sobe e desce de momentos melhores e outros nem tanto, rende no cômputo geral a sensação de ter sido, pelo menos, bem intencionado, não obstante frouxamente realizado. Lançado em dvd recentemente, passou a frente de todos os grandes policiais brasileiros, justificando aquela teoria do maestro Antônio Carlos Jobim -- segundo o qual, no Brasil, a ordem natural das coisas é sempre ao contrário.

7 comentários:

Anônimo disse...

Feliz natal!!!! hhohoho

Anônimo disse...

realmente,esse filme tem seus defeitos,a começar por Mario Gomes,que é mesmo muito fraquinho,mas a Claudia Ohana está maravilhosa,virei fã dela desde que vi esse filme ainda nos anos 80...

Andrea Ormond disse...

Oi Maitê, feliz natal e um excelente 2006!

Oi Dr. Lorax, é, o Mário Gomes infelizmente compromete, mas a Claudia Ohana, musa dos 80, dá conta do recado direitinho :) Um abração!

Anônimo disse...

EDEVALDO JOSE STRAPASSON, BEIJO NA BOCA É UM GRANDE FILME DO CINEMA NACIONAL, CLÁUDIA OHANA ARRASOU, EU VI SÓ UMA VEZ, FAZ TEMPO, NA MANCHETE, E AGORA TEM EM DVD, VALE A PENA VER.

eduardo vieira disse...

eu já curto bastante esse filme...e acho boa a interpretação(?) do Mário..caladão, age por instinto,repete o discurso do comercial da tv, mas é possessivo.Gosto bastante e acho as cenas lindas dos dois...e o Mário Gomes um dos homens mais lindos que o cinema teve.

Anônimo disse...

Não é fácil de consegui-lo.

M. Exenberger disse...

Eu vi há mais de 30 anos no cinema. Não me lembro de muita coisa, mas acho que Mario Gomes não compromete o filme não. Ele já foi muito difamado. Chega, né.