sexta-feira, dezembro 16, 2005

Amor Bandido


“Amor Bandido” (1979) representa uma espécie de “filho especial” na filmografia de seu diretor, Bruno Barreto. Vindo na ocasião do megasucesso “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, aqui Bruno respira, faz um filme modesto, porém tão notável quanto o blockbuster de dois anos antes.

Na pequena série de policiais brasileiros, que iniciamos neste final de ano, “Amor Bandido” é do gênero que conquista o mais desatento dos espectadores. Inspirado no famoso caso da crônica policial carioca, o “Matador da Bandeira Dois” – um marginal que assassinava taxistas na zona sul, de madrugada – Barreto constrói, através do roteiro de Leopoldo Serran e José Louzeiro, uma crônica de costumes dissimulada.

Sandra (Cristina Aché) é moça de classe-média, filha do policial Galvão (Paulo Gracindo). Cai na prostituição e se envolve com o autor dos crimes, Toninho (Paulo Guarnieri), caçado pela cidade. De novo o espaço de ação é Copacabana, com seu luxo e lixo, ostentação e decadência.

Lá estão as famigeradas madrugadas nos edifícios de quitinetes e a promiscuidade nas boates, com o eterno oba-oba social-moral do bairro mostrado no varejo, através da tragédia-formiguinha de Sandra. Ela não tem mãe, divide um pequeno apartamento com um amigo travesti, até o dia em que este se suicida, saltando por cima das vigas de uma obra. Então Sandra conhece Toninho, o cafetão da amiga morta, e os dois iniciam relação doentia e simbiótica.

Toninho, como tantos, desembarcou de São Paulo sonhando com gringas e dólares. Na falta disso, junta dinheiro explorando homossexuais, compra uma arma e inicia carreira de homicida. Sandra, apavorada, vira cúmplice – enquanto o detetive Galvão, sem saber do envolvimento da filha, é o investigador do caso.

Vemos com detalhes a vida noturna do bas-fond carioca na virada da década de 70 para 80. As meninas saem da boate e vão para um restaurante barato jantar; Sandra e Toninho esperam o sol nascer em um banco do calçadão da praia, enquanto ele narra para ela sua vida de crimes. No edifício de Sandra, uma babel de classes sociais e profissionais habita, inclusive um taxista que não imagina ser vizinho dos matadores contra quem tanto vocifera.

A compreensão do relacionamento entre Sandra e Toninho é todo o segredo do filme. Ela encontra no garoto tresloucado sua proteção paterna. Ele encontra na menina, carente e promíscua, um simulacro de amor materno. E os dois, como quem precisa de outra metade para sustentar a possibilidade de ser, acabam perdidos um no outro.

Sandra sabe que vai entregar o namorado para a polícia, mas só o faz mediante tortura. O roteiro é tão perfeitamente construído que, a rigor, neste estágio do filme, estamos quase torcendo pelo casal. No inferninho onde bate ponto, com marcas das pancadas a que foi submetida, a triste Sandra dança com um cliente, enquanto sabe que lá fora, debaixo da chuva, seu pai é a morte aguardando Toninho. Se fosse cinema francês, o filme levantaria os créditos neste ponto. Mas na brutalidade brasileira vai além – e mostra em cores vivas até onde o crime não compensa.

Como detalhe curioso, temos um imbróglio acontecido na época, envolvendo Barreto – que comprou a música “Amada Amante”, de Roberto Carlos, esperando ser este o título do filme – e o diretor da Boca do Lixo, Cláudio Cunha, que foi mais rápido e lançou o seu “Amada Amante” durante as filmagens de Barreto. Isto explica a estranheza, meio fora do contexto, de Sandra ser obcecada pela música ao longo da história.

É longamente discutível se o diretor é bom cineasta ou não – mas em “Amor Bandido”, e nas produções dos anos 80, ao menos esforçava-se para não dar sono. Se chegando em “Bossanova”, a pretexto de celebrar o bairro que ama, fez um filme de plástico, resta o lembrete de que aqui já havia realizado uma espontânea homenagem, enfiando o pé na jaca e dando ao mundo a visão pessoal – e autoral – de um lugar que prova conhecer tão bem, mas tão bem, que soa exemplarmente perfeito, no ofício nobre de
artesão naturalista.

11 comentários:

Anônimo disse...

assisti outro dia na globo,realmente é um excelente filme,q pena q Barreto se perdeu...maravilhoso seu texto,dá vontade de ver de novo...

Anônimo disse...

Andréia, esse é um dos meus filmes preferidos adoro tudo nele, muito mesmo. Acho que deve ser o melhor do Bruno Barreto, com certeza. Fiquei assustado com a qualidade desse filme, não que eu não goste dos outros dele, mas essa película é uma das melhores produções do clã- Barreto, acho que a única que chega perto é o primeiro do MURILO SALLES que é o NUNCA FOMOS TÃO FELIZES, que é um filme lindíssimo.

Anônimo disse...

Eu ainda não vi esse filme, mas sou louco pra ter J.S.BROWN em casa! Você tem esse filme disponível, Andrea?

Andrea Ormond disse...

Oi Dr. Lorax, "Amor Bandido" supera muito os filmes mais celebrizados do Barreto. Comparar a "O casamento de Romeu e Julieta" é covardia... Um abraço!

Oi Matheus, tb acho "Amor Bandido" um grande filme, muito bem realizado e com base em um roteiro que não sei se filmariam hoje em dia. Consegue ser poético e sanguinário ao mesmo tempo. Muitos tentam ser uma coisa ou outra e não conseguem. Um abração!!

Oi Fernando, tenho todos os filmes resenhados aqui em vhs e em dvd extraido da cópia antiga. Você querendo uma cópia emprestada de JS Brown, ou de qualquer outro, é só dizer. Abração!

Anônimo disse...

Oie! Me chamo Roberta. Você não me conhece, mas esbarrei no seu blog e com esta postagem tão antigo enquanto procurava algo sobre "Amor Bandido". Nossa, eu absolutamente AMO esse filme! Muita gente tira sarro mesmo sem antes ver o quanto é bom, o quanto é legal! E eu preciso dizer que amei sua resenha! Ficou excelente, parabéns! =)
Ah, sim, e dizer que desde o começo eu torcia para o casal! =D Que coisa! =D
Abraços!

Mr. Fed disse...

Dear Andrea!
Thanks a lot for your comment to Amor Bandido! It's just a marvelous movie!
My beloved brazilian film of all times!
Fantastic atmoshere of golden 70's!!!!

Anônimo disse...

A cena inicial com a câmera grudada no rosto do Gracindo ao telefone é das coisas mais emocionantes q eu vi feitas no Cinema Brasileiro.

Unknown disse...

Olá gente.......Eu tive a honra, de participar dessa produção. Sou assistente de produção, foi o meu 1º trabalho, como assistente do produtor cinematográfico. Foi uma honra, trabalhar ao lado de Paulo Gracindo, uma pessoa incrível, humilde e de uma sabedoria, impar. Podem conferir nos créditos, na época, assinei como Elcio Luiz. Um abraço a todos, muito bom, ter recordado.

Anônimo disse...

Assisti ontem, não gostei!

ADEMAR AMANCIO disse...

Achei uma cópia no youtube,sem o título,vou ver.

Odair Donizetti disse...

Eu vi esse filme no cinema em Cosmópolis em 1979