quinta-feira, dezembro 22, 2005

O Homem de Papel


Certos filmes se guardam por um personagem-símbolo. Outros, por um ator ou atriz que os sustenta, atraindo para si a atenção do público. Em um terceiro caso, existem filmes lembrados por cenas únicas, inesquecíveis, que parecem transcender a própria obra onde estão inseridas. No caso de “O Homem de Papel” (1976) temos um misto desses três fenômenos. Quase esquecido nos dias de hoje, quem ainda se recordar de “O Homem de Papel” certamente o fará por conta do personagem-jornalista, vivido com a precisão desleixada de Milton Moraes, que na cena final, faz uma careta absurda, digna de qualquer antologia ou almanaque, como se o ator, o personagem e o roteiro, só tivessem sentido por sua expressão histriônica e debochada eternizada em celulóide.

Apesar do caco magistral, o filme dirigido por Carlos Coimbra – montador de dezenas de clássicos do cinema brasileiro – não vai muito longe: a escolha de um intérprete mítico, isoladamente responsável por uma atmosfera artística tão rica, prejudica o restante da trama, que perde a graça quando ele sai de cena. Carismático, sisudo, perplexo, o monstro sagrado Milton Moraes acertava até distraído, valendo por um batalhão de atores, num timing que ia da comédia escrachada ao drama pesado.

Moraes vive Carlos, repórter policial, picareta louco pela fama, envolvido sem querer no comércio internacional de armas, após inventar uma matéria para impressionar Raul (José Lewgoy), editor-chefe de “A Tribuna”, onde trabalha. Seguidas ameças de morte e perseguições de carro – Dodges e Caravans – fazem Carlos desprezar o amor da noiva (Terezinha Sodré) e ceder à vamp Renata (Vera Gimenez). Em cena antológica, o herói, empapado de suor, por uns 10 minutos alternando o olhar entre a direção e o espelho retrovisor, correndo pelas ruas estreitas de Fortaleza – terra natal de Milton –, decide pelo óbvio. “Preciso fazer alguma coisa”. Até aí, não há dúvidas. “Vamos ao lugar onde tem a melhor batida da cidade”, e cede a um rompante etílico.

A trama é rocambolesca, com desfechos imprevisíveis, tiros, sedução – Gimenez cuida deste ínterim –, criando um sururu que mistura “Panteras”, “Columbo” e “Kojak”. A cidade de Fortaleza, entretanto, é um diferencial curioso. Raríssimas vezes aproveitou-se uma capital do Nordeste para cenário de um thriller urbano. Assistimos a pescadores, rodas folclóricas, músicas-tema sobre a grandeza regional e “O Homem de Papel” transforma-se num policial solar, com praias e dunas que via de regra surgem como elementos centrais da ação.

Por este caminho, o que era para ser restrito se amplia, por que as sucessivas mudanças sobre quem sairá vencedor do duelo – Carlos ou a gangue – são acompanhadas de um qüiproqüó magistral, levado com perfeição pela cara-de-pau do protagonista. Algumas críticas do filme, entretanto, são óbvias demais. A certa altura Carlos proclama um parecer contra Raul, que supostamente uniu-se aos “outros mercenários capitalistas” e não acredita mais no velho contratado. Em outra ocasião, um morto é encontrado na areia, atravessado por uma faca no pescoço, sendo levado ao caixão de ferro do IML. Antes disso, passa pela habitual suposta falta de coração dos fotógrafos, que pedem ao perito que enterre novamente a adaga para captarem a emoção do momento.

Como curiosidade temos Zbigniew Ziembinski, santo padroeiro do teatro moderno no Brasil, no papel do Sr. Rivoni, antagonista de Moraes. Intrigante é que Ziembinski opta todo o tempo por uma gesticulação canhestra, como se fosse de diva da belle époque na Broadway.

Veículo para Milton Moraes e as curvas de Gimenez – então casada com Jece Valadão, que aparece interpretando a si mesmo, amigo de Carlos –, “O Homem de Papel” se salva pelos talentos da dupla. Carlos é um profissional como tantos; a malandragem que ele desfila é igual a de tantos outros, mas dentro dele foi inserida a atuação de um homem que entendeu-o e percebeu ser o momento de apresentar uma bela perfomance. Sorrindo e vivendo o cotidiano mais banal, Milton Moraes encheu o homem de papel com uma eletricidade única, a ponto de fazê-lo adorável. Esta é a sina dos maiores: engrandecer o banal, o sem-graça, e torná-lo um momento sublime e eterno.

13 comentários:

Anônimo disse...

Nem no Natal Andreia abandona o cinema brasileiro e sempre com o mesmo talento comum. Este HOMEM DE PAPEL, realmente eu preciso rever faz muito tempo que vi, era muito pequeno, mas sempre me lembrei da fantastica cena final. Agora o que você disse sobre o uso da cidade de Fortaleza cinematograficamente
falando de uma forma diferenciada, acaba sendo de uma riqueza incalculavel. Muito importante esse ponto. Parabens mesmo. Mas gosto muito do Coimbra, como diretor. Aquele filme dele com o Geraldo del Rey, Aloisio Azevedo, e uma verdadeira obra-prima. Abracos, Matheus, feliz Natal e um prospero ano novo, cinema brasileiro na VEIA !!!!

A FALTA DE ACENTOS ACONTECEU PELO USO DE UM COMPUTADOR DIFERENTE.

Anônimo disse...

O Milton Moraes foi um dos atores mais injusticados do cinema tupiniquim. Se ele fosse americano,teria ganhado uns doze Oscars especiais pelo conjunto da obra. Mas como e brasileiro coitado, gênio que nasce nesse pais permanece no limbo mesmo.

Andrea Ormond disse...

Oi Matheus, realmente "O Homem de Papel" tem várias características interessantes. A locação em Fortaleza é uma delas. Fico imaginando o Milton Moraes durante as filmagens, voltando às origens. Um talento desses deveria ser exaltado de forma mais justa, infelizmente acaba sendo negligenciado, um problema crônico. Um abração pra vc, Matheus. Tudo de bom nesse próximo ano e vamos falando do cinema brasileiro, tem muita coisa boa vindo por aí! :)

Anônimo disse...

Gostaria de adquirir o filme tbm.
marildom@pop.com.br

Anônimo disse...

Eu também gostaria muito de obter, pois sou de Fortaleza e na época(1976) participei das filmagens como figurante na cena da pessoa que morreu com a faca no pescoço. Eu tinha nove anos de idade.. rs rs

Anônimo disse...

Gostaria de obter uma cópia do filme. contato para: tenderfortaleza@hotmail.com

Sala Especial disse...

Eu só lembro da cena em que o Ziembinski mata um passarinho.

GUSTAVJAN disse...

Nâo sei há quanto tempo vocês se interessam pelo Homem de Papal. Eu representei o grupo que o financiou, na produção, assistência de direção e pré-montagem. Foi uma inicitiva do Grupo Edson Queiroz, por idéia do seu escritor, Ezaclir Aragão. Milton estava bem a vontade, como diz uma das pessoas que aqui postaram um comentário. Há 25 anos não vejo o filme. Não sei se ele resirtiu ao tempo. Se algum quiser saber toida a história dele, desde a gênese de sua iéia, meu e-mail é augustonobregalessa@gmail.com

Anônimo disse...

Olá, tb gostaria de obter uma cópia do filme O Homem de Papel. Por favor entrar em contato pelo e-mail rs.germana@gmail.com

Claudio Funck disse...

Quero adquirir o filme "O Homem de Papel". Por favor, entrem em contato com claudiofunck@yahoo.co.br

Anônimo disse...

GOSTARIA DE SABER ONDE ENCONTRAR UMA COPIA DO FILME HOMEM DE PAPEL.

Mônica disse...

GOSTARIA DE ADQUIRIR O FILME "O HOMEM DE PAPEL.POR FAVOR ENTRE EM CONTATO COM monicabragamonteiro1@hotmail.com.

Anônimo disse...

Gostaria tbm de adquirir esse filme , O homem de Papel , entra em contato : nejijordan@hotmail.com