Entre 1983 e 84, vinte e um anos atrás portanto, o cinema gaúcho produziu uma trilogia de filmes que se inscreve para sempre na memória da cinematografia brasileira: “Aqueles Dois”, “Me beija “ e “Verdes Anos”.
Estes filmes, crias da Z Produtora, não são apenas manifestações culturais de um estado que, distante dos grandes centros nacionais, possui uma sofisticada vida própria. Representam também o que de melhor se fez no cinema do país naqueles dois anos importantíssimos, em que a ditadura militar desmoronava e todos aguardavam ansiosos o que aconteceria depois do fim.
Como todos os brasileiros sabem, aconteceu muita coisa, inclusive o despertar do sonho para a geração daqueles meninos, hoje quarentões, que foram adolescentes nos anos de chumbo. Os diretores Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil tinham respectivamente 24 e 26 anos. Para a minha geração, que se acostuma a chegar aos quase trinta ainda engatinhando nos seus projetos de vida, garotos de vinte e poucos anos dirigindo e lançando no mercado longa-metragens parecem gente de outro planeta. E eram, de fato.
Em “Verdes Anos” algumas atuações são sofríveis, abaixo da crítica, os adultos da trama são extremamente superficiais e o olhar depressivo dos jovens diretores torna o filme aborrecido para quem busca entretenimento. Mas a originalidade, a honestidade e principalmente a força de vontade de fazer cinema superam qualquer dado adverso.
“Verdes anos” dizem, custou menos de 100 mil dólares para ser realizado. Quantos filmes brasileiros são infinitamente inferiores e custam vinte, trinta vezes mais? Antes de chegarem ao formato 35 mm, a maioria daqueles jovens gaúchos se escolou no Super 8, tendo como marco um longa neste formato, que tem um tema parecido ao de “Verdes Anos”, o hoje clássico “Deu pra ti, anos 70”.
“Verdes anos” se reporta a uma década antes de sua realização: uma cidade pequena, do interior do Rio Grande do Sul, no ano de 1972 (“sesquicentenário da Independência do Brasilll”, diz um locutor, ao longe; “foi lá por 72/ que eu descobri/ a lei dos corpos”, segundo a música na abertura dos créditos).
Neste mundo nostálgico, obscuro e melancólico, a realidade brasileira demora a chegar mas chega: em tempos de governo militar, há o choque entre libertários de um lado (o pai do personagem principal, de Werner Schünemann, ex-exilado no Uruguai; a professora com amigos “espalhados por aí”) e retrógrados de outro (gente comum no bar, bebendo cerveja; policiais truculentos, dando tapa na cara dos sem limites). Mas “Verdes anos” não se esgota na temática política. Não é esta, de forma alguma, a razão de ser do filme.
O roteiro de Alvaro Luiz Teixeira baseia-se no conto "Os Verdes Anos", de Luiz Fernando Emediato, e acompanha um grupo de adolescentes, para quem o provincianismo cruza-se com a joie de vivre, o marasmo com o sonho, a breguice com a vontade de ser cosmopolita. O garoto metido a poeta, apaixonado pela professora quarentona – que surpresa –, quer sair, respirar outro mundo, ir à Porto Alegre. A cidadezinha encheu, não suporta mais.
A ambientação na cidadezinha, porém, traz um referencial interessante. Porque não é a cidadezinha do interior mineiro, paulista ou nordestino – habitada por religiosos, Mazzaropis ou retirantes. É a cidadezinha do interior riograndense, sobre a qual o cinema brasileiro sabe muito pouco e ainda não se acostumou a olhar. Os dramas dos meninos e meninas ganham na curiosidade que desperta a observação de algo novo, difícil de ser visto.
Werner Schünemann, Marcos Breda (ainda creditado como “Marco Antonio Breda”) e Luciene Adami são rostos que no futuro viriam a se tornar famosos nacionalmente. Breda tem um quê de cult, ajudado em grande parte pela perfomance em filmes como “Feliz Ano Velho”. Schünemann, conhecido no Sul do país, surgiu para o Sudeste já quarentão, em papéis na tv, como “A casa das sete mulheres”. Luciene Adami, por sua vez, habitou os delírios de legiões masculinas na época de Pantanal, novela da falecida Rede Manchete.
Falar dos erros de uma obra executada por tanta gente iniciante é fácil. Melhor destacar a trilha sonora deliciosa, com músicas da época (sucessos internacionais que me fazem indagar se eles compraram os direitos autorais de tantas canções ou as usaram assim, por um descuido), e uma parte final, no idílio amoroso de Nando (Schünemann) com a linda e jovem Cândida (Márcia do Canto), que nos leva às lágrimas.
Outra coisa notável do filme é a citada atmosfera depressiva, tristonha, que se repete em outro filme da trilogia da Z Produtora, o intrigante “Me beija”. Com rara sensibilidade, os diretores não repetem o velho erro de outros filmes “de nostalgia” que parecem creditar ao passado tudo de bom, bonito e iluminado que houve no mundo.
Fica claro que a vida daqueles jovens é mesquinha, uma droga. Mas era a vida que eles tinham, a vida que no futuro já adultos, trabalhando e vivendo em Porto Alegre, Rio ou São Paulo, lembrariam e contariam para seus filhos, com um quê amargo e doce de saudade.
Estes filmes, crias da Z Produtora, não são apenas manifestações culturais de um estado que, distante dos grandes centros nacionais, possui uma sofisticada vida própria. Representam também o que de melhor se fez no cinema do país naqueles dois anos importantíssimos, em que a ditadura militar desmoronava e todos aguardavam ansiosos o que aconteceria depois do fim.
Como todos os brasileiros sabem, aconteceu muita coisa, inclusive o despertar do sonho para a geração daqueles meninos, hoje quarentões, que foram adolescentes nos anos de chumbo. Os diretores Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil tinham respectivamente 24 e 26 anos. Para a minha geração, que se acostuma a chegar aos quase trinta ainda engatinhando nos seus projetos de vida, garotos de vinte e poucos anos dirigindo e lançando no mercado longa-metragens parecem gente de outro planeta. E eram, de fato.
Em “Verdes Anos” algumas atuações são sofríveis, abaixo da crítica, os adultos da trama são extremamente superficiais e o olhar depressivo dos jovens diretores torna o filme aborrecido para quem busca entretenimento. Mas a originalidade, a honestidade e principalmente a força de vontade de fazer cinema superam qualquer dado adverso.
“Verdes anos” dizem, custou menos de 100 mil dólares para ser realizado. Quantos filmes brasileiros são infinitamente inferiores e custam vinte, trinta vezes mais? Antes de chegarem ao formato 35 mm, a maioria daqueles jovens gaúchos se escolou no Super 8, tendo como marco um longa neste formato, que tem um tema parecido ao de “Verdes Anos”, o hoje clássico “Deu pra ti, anos 70”.
“Verdes anos” se reporta a uma década antes de sua realização: uma cidade pequena, do interior do Rio Grande do Sul, no ano de 1972 (“sesquicentenário da Independência do Brasilll”, diz um locutor, ao longe; “foi lá por 72/ que eu descobri/ a lei dos corpos”, segundo a música na abertura dos créditos).
Neste mundo nostálgico, obscuro e melancólico, a realidade brasileira demora a chegar mas chega: em tempos de governo militar, há o choque entre libertários de um lado (o pai do personagem principal, de Werner Schünemann, ex-exilado no Uruguai; a professora com amigos “espalhados por aí”) e retrógrados de outro (gente comum no bar, bebendo cerveja; policiais truculentos, dando tapa na cara dos sem limites). Mas “Verdes anos” não se esgota na temática política. Não é esta, de forma alguma, a razão de ser do filme.
O roteiro de Alvaro Luiz Teixeira baseia-se no conto "Os Verdes Anos", de Luiz Fernando Emediato, e acompanha um grupo de adolescentes, para quem o provincianismo cruza-se com a joie de vivre, o marasmo com o sonho, a breguice com a vontade de ser cosmopolita. O garoto metido a poeta, apaixonado pela professora quarentona – que surpresa –, quer sair, respirar outro mundo, ir à Porto Alegre. A cidadezinha encheu, não suporta mais.
A ambientação na cidadezinha, porém, traz um referencial interessante. Porque não é a cidadezinha do interior mineiro, paulista ou nordestino – habitada por religiosos, Mazzaropis ou retirantes. É a cidadezinha do interior riograndense, sobre a qual o cinema brasileiro sabe muito pouco e ainda não se acostumou a olhar. Os dramas dos meninos e meninas ganham na curiosidade que desperta a observação de algo novo, difícil de ser visto.
Werner Schünemann, Marcos Breda (ainda creditado como “Marco Antonio Breda”) e Luciene Adami são rostos que no futuro viriam a se tornar famosos nacionalmente. Breda tem um quê de cult, ajudado em grande parte pela perfomance em filmes como “Feliz Ano Velho”. Schünemann, conhecido no Sul do país, surgiu para o Sudeste já quarentão, em papéis na tv, como “A casa das sete mulheres”. Luciene Adami, por sua vez, habitou os delírios de legiões masculinas na época de Pantanal, novela da falecida Rede Manchete.
Falar dos erros de uma obra executada por tanta gente iniciante é fácil. Melhor destacar a trilha sonora deliciosa, com músicas da época (sucessos internacionais que me fazem indagar se eles compraram os direitos autorais de tantas canções ou as usaram assim, por um descuido), e uma parte final, no idílio amoroso de Nando (Schünemann) com a linda e jovem Cândida (Márcia do Canto), que nos leva às lágrimas.
Outra coisa notável do filme é a citada atmosfera depressiva, tristonha, que se repete em outro filme da trilogia da Z Produtora, o intrigante “Me beija”. Com rara sensibilidade, os diretores não repetem o velho erro de outros filmes “de nostalgia” que parecem creditar ao passado tudo de bom, bonito e iluminado que houve no mundo.
Fica claro que a vida daqueles jovens é mesquinha, uma droga. Mas era a vida que eles tinham, a vida que no futuro já adultos, trabalhando e vivendo em Porto Alegre, Rio ou São Paulo, lembrariam e contariam para seus filhos, com um quê amargo e doce de saudade.
8 comentários:
Oi Andréa! Dizer que o seu trabalho é ótimo já é até chover no molhado mas fazer o quê?É ótimo mesmo, né?Apenas um adendo ao seu texto sobre o filme: na época que os gaúchos fizeram "Verdes Anos", não existia ainda uma lei que hoje exige que se pague aos detentores dos direitos autorais das músicas, é por isso que se vê em tantos filmes nacionais um pouco mais antigos esse monte de músicas de Pink Floyd(caso de "A Ilha dos Prazeres Proibidos",do Reichenbach), Beatles, etc. É claro que você não vai lembrar mas uma vez você me passou um post no Orkut sobre a Monique Lafond, que foi minha colega. Eu estudei cinema em uma faculdade e cheguei a escrever críticas em um site, além de escrever roteiros(continuo escrevendo, embora saiba que vá ser muito difícil vê-los concretizados por mim mesmo ou feitos por alguma outra pessoa, já que a ditadura das leis de incentivo e dos editais existente hoje impossibilita que um roteirista considerado radical e mal-educado – por eles! – possa mostrar seu trabalho). Enfim, parabéns e se puder, entre em contato!
Oi, Jorge. Obrigada pelo comentário. A questão do direito autoral me interessa bastante, pois além de crítica, sou advogada. A lei que regula atualmente a matéria (Lei n. 9.610) é na realidade sucessora de uma anterior (Lei n. 5.988, de 1973). Ou seja, a lei atual não criou direitos, mesmo porque é corrente no ordenamento jurídico brasileiro a preocupação sobre o assunto. Especificamente sobre os fonogramas há a Convenção de Genebra de 29/10/71, recepcionada pelo Decreto n. 76.906 de 1975. Quanto aos roteiros, o bom é investir sempre, ir se aperfeiçoando, não deixar de lado. Esses problemas existem, mas quem sabe as brechas não aparecem? Abraços e mãos à obra :)
Oi!
Recebi de uma pessoa considerada por mim confiável ligada à área de cinema essa informação sobre a lei. Não conheço quase nada de leis e apenas passei adiante a informação, considerando ela verídica, coisa que você me mostrou não ser. O fato é que, mesmo existindo anteriormente, essa lei era “letra morta”, assim como virou “letra morta” nos anos 80 a obrigatoriedade de existir uma porcentagem obrigatória de dias para exibição de filmes nacionais. Isso, como sabemos, ajudou a decretar o fim do cinema + popular brasileiro aliado à liberação dos filmes de sexo explícito americanos e aliado também ao advento do videocassete e ao progressivo desaparecimento dos cinemas de rua e ao aumento dos preços do ingresso dos filmes exibidos nas salas de cinema. Hoje em dia, sabemos, assistir filmes no cinema é coisa da classe média pra cima. Tudo vêm de cima e os poderosos, aliados ao cinema americano, passaram a fazer “vista grossa” com relação à obrigatoriedade da percentagem de exibição, coisa que, atualmente não sei direito como anda. Mas voltando às músicas: o fato é que hoje em dia existe fiscalização, o que não existia anteriormente, isso explica por exemplo o fato de um filme nacional como “Eu me Lembro”(fato que foi noticiado na época) ter atrasado sua finalização e lançamento devido ao fato de o diretor Edgar Navarro querer utilizar uma música do Pink Floyd e estar aguardando a liberação da música para o filme. Antigamente ninguém ligava muito pra isso e todo mundo utilizava qualquer música em qualquer filme. Esse problema de lei de incentivos e editais são problemas interessantes pra discussão e mereciam uma exposição maior, a verdade é que os meios de comunicação mais lidos, ouvidos e vistos não abrem muito espaço pra isso. Eu procuro fazer o meu papel que é escrever, mandar o meu trabalho pra concursos(Petrobrás, Minc, etc) mas a verdade é que eu escrevo(continuo de teimoso que eu sou!) sem ter muita esperança de ver meus roteiros um dia na tela. O cinema brasileiro dos anos 90 pra cá não me seduz e os seus comentários no seu blog só fazem aumentar a minha nostalgia do cinema feito nos anos 70 e 80. Não é aquela coisa de achar que o ontem era melhor simplesmente por ser ontem, a verdade é que os filmes feitos nos anos 70 e 80 eram melhores realmente!, opinião que não é compartilhada pela maioria das pessoas que assistem o cinema nacional hoje, pois para eles o cinema brasileiro de antes era só baixaria. Um abraço!
Eu vi esse filme apenas uma vez, ao ser exibido na velha TVE do Rio de Janeiro. Nunca esqueci dele. Eu estava no segundo grau, tinha 16 anos, e é um filme que me marcou muito nessa época. E lamento não ter encontrado registros dele em dvd, torrent ou o que for. :\
Gosto muito desse filme, assim como dos clássicos "Deu pra ti...", "Inverno" e "Coisa na Roda". Mesmo sendo de uma geração posterior, creio que há muitas identificações do universo da juventude gaúcha, do interior e da capital, até porque alguns costumes permanecem por longo tempo. Pena ser praticamente impossível encontrar essas obras na Internet, não entendo porque a Casa do Cinema não facilita a sua distribuição.
Eu amo este filme, já vi muitas vezes e cada vez gosto mais, se é que isso é possível.
Talvez porque a medida que estou envelhecendo fique mais - não encontrando palavra mais apropriada, usarei uma que nem gosto tanto -, saudosista. Vivi esta realidade, sou parte disto e essa história é parte viva de minha vida juvenil.
Não entro no mérito técnico, deixo isso para os entendidos, mas tuas críticas são, sempre, além de profissionais, meticulosamente bem tecidas, sofisticadamente elaboradas. Gosto disso num crítico. Nada é arrogante por aqui. Por certo que concordo plenamente com tua resenha sobre Verdes Anos, mas meu amor por este filme é inabalável.
Olá a todos que comentaram sobre o filme. Eu adoro esse filme e já o vi várias vezes. A atriz que faz o papel da mãe de Werner é minha tia, Inês Falcão. Sou apaixonado por cinema gaúcho, claro sou gaúcho. Mas não só por isso, somos injustiçados e nossos filmes não são tão compreendidos ainda.
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