O cinema produzido em São Paulo nos anos 60 e 70 representou uma espécie de universo paralelo no cenário brasileiro – dominado por poucos e mesmos, intoxicado pela Embrafilme e pelo estatismo ufanista.
Neste universo paralelo, que jogava por outras regras, é preciso ter em mente a visão anarquista e iconoclasta (por extensão identificada com a marginalidade), de alguns dos seus principais diretores e roteiristas. Isto se aplica tanto ao cinema de intelectuais como Carlos Reichenbach e Rogério Sganzerla, quanto à produção naïf da Boca, calcada no empirismo da bilheteria e do gosto medíocre popular.
Falar deste apego à transgressão, a uma revolução não ideológica mas de costumes, é fundamental para que se explique o cinema de José Mojica Marins. Criador do personagem Zé do Caixão, por vezes se confunde com a criatura, e seu talento e sua obra parecem apenas um estereótipo de lenda.
Mas Mojica não foi só Zé do Caixão, foi também uma galeria de outras figuras absurdas: Oaxiac Odéz, um excêntrico professor que mantinha em casa um circo dos horrores para justificar seu niilismo; e em dois filmes, “Finis Hominis” de 1971 e “Quando os Deuses Adormecem” do mesmo ano, viveu o personagem Finis Hominis, criado pelo roteirista Rubens Lucchetti para uma novela da Tv Bandeirantes, “O Homem que Apareceu”.
De fato, o homem aparece, surge vivo e caminhando de dentro do mar em Santos (só isso já faria um milagre sua aparição), e entra pela cidade adentro, no princípio de “Finis Hominis”. De início nu, em sua jornada pela cidade ganha uma estranha roupa na casa de uma mulher rica que se apaixona por ele. A indumentária foi sugestão de um amigo de Mojica, um indiano que entraria com dinheiro na produção, que de resto, foi financiada pelo próprio diretor.
“Finis Hominis” tem apenas um fio de história, que se conduz através de vinhetas onde a hipocrisia do mundo é mostrada pelos atos e “milagres” de Finis. Médicos que não cuidam de uma criança morrendo em um hospital, uma paralítica que anda, uma adúltera que é salva – e todos gratos à atuação do misterioso Messias. Em meio à população atônita, o rádio e a tv transmitem o percurso de Finis pela cidade e ajudam a amplificar sua fama, até o êxtase final.
De todas as vinhetas, duas se destacam: em uma comunidade hippie, Finis “prova” que o paz e amor são apenas ilusões, dissolvidas diante da cobiça material (arremessa moedinhas e os hippies brigam, em uma das cenas mais pueris do cinema brasileiro). Logo depois vemos a “musa” de Mojica, Andréa Bryan, vivendo uma inescrupulosa mulher, casada com um homem impotente, que se finge de morta para matar o marido de enfarto. Nesta parte, ressalta-se o imenso potencial perverso (para não dizer doentio) do cinema de Mojica, pois a personagem de Andréa é uma masoquista nata, descontando a frustração de odiar o marido em uma relação com um amante cafajeste, que a maltrata com tapas no rosto e com sexo, digamos assim, não-convencional, exigido chorosamente por ela.
Neste universo paralelo, que jogava por outras regras, é preciso ter em mente a visão anarquista e iconoclasta (por extensão identificada com a marginalidade), de alguns dos seus principais diretores e roteiristas. Isto se aplica tanto ao cinema de intelectuais como Carlos Reichenbach e Rogério Sganzerla, quanto à produção naïf da Boca, calcada no empirismo da bilheteria e do gosto medíocre popular.
Falar deste apego à transgressão, a uma revolução não ideológica mas de costumes, é fundamental para que se explique o cinema de José Mojica Marins. Criador do personagem Zé do Caixão, por vezes se confunde com a criatura, e seu talento e sua obra parecem apenas um estereótipo de lenda.
Mas Mojica não foi só Zé do Caixão, foi também uma galeria de outras figuras absurdas: Oaxiac Odéz, um excêntrico professor que mantinha em casa um circo dos horrores para justificar seu niilismo; e em dois filmes, “Finis Hominis” de 1971 e “Quando os Deuses Adormecem” do mesmo ano, viveu o personagem Finis Hominis, criado pelo roteirista Rubens Lucchetti para uma novela da Tv Bandeirantes, “O Homem que Apareceu”.
De fato, o homem aparece, surge vivo e caminhando de dentro do mar em Santos (só isso já faria um milagre sua aparição), e entra pela cidade adentro, no princípio de “Finis Hominis”. De início nu, em sua jornada pela cidade ganha uma estranha roupa na casa de uma mulher rica que se apaixona por ele. A indumentária foi sugestão de um amigo de Mojica, um indiano que entraria com dinheiro na produção, que de resto, foi financiada pelo próprio diretor.
“Finis Hominis” tem apenas um fio de história, que se conduz através de vinhetas onde a hipocrisia do mundo é mostrada pelos atos e “milagres” de Finis. Médicos que não cuidam de uma criança morrendo em um hospital, uma paralítica que anda, uma adúltera que é salva – e todos gratos à atuação do misterioso Messias. Em meio à população atônita, o rádio e a tv transmitem o percurso de Finis pela cidade e ajudam a amplificar sua fama, até o êxtase final.
De todas as vinhetas, duas se destacam: em uma comunidade hippie, Finis “prova” que o paz e amor são apenas ilusões, dissolvidas diante da cobiça material (arremessa moedinhas e os hippies brigam, em uma das cenas mais pueris do cinema brasileiro). Logo depois vemos a “musa” de Mojica, Andréa Bryan, vivendo uma inescrupulosa mulher, casada com um homem impotente, que se finge de morta para matar o marido de enfarto. Nesta parte, ressalta-se o imenso potencial perverso (para não dizer doentio) do cinema de Mojica, pois a personagem de Andréa é uma masoquista nata, descontando a frustração de odiar o marido em uma relação com um amante cafajeste, que a maltrata com tapas no rosto e com sexo, digamos assim, não-convencional, exigido chorosamente por ela.
“Finis Hominis” nem de longe é um dos melhores trabalhos do diretor – que merecerá mais tarde aqui uma extensa revisão –, mas é infinitamente superior ao tipo de cinema que Mojica praticaria a partir da segunda metade dos anos 70, sufocado em dívidas e na dependência da boa vontade alheia até para sobreviver. Ainda temos em "Finis" elementos da iconoclastia divertida de Zé do Caixão, da inteligência criadora do roteirista Lucchetti e a participação de amigos de Mojica – como Carlos Reichenbach no papel de um médico – que avalizavam o seu cinema, tênue fronteira entre a aberração e a arte.
6 comentários:
Nossa,Finis Hominis,vc não acha um
dos melhores do mestre?sou suspeito pois sou fã,e vc esqueceu de mencionar q além de tudo o filme é muito engraçado...Mojica
já nos mostrava q perversão tb pode
ser arte,como vemos hj em dia em
muitos filmes do chamado "EXTREME CINEMA".
dr. lorax, gosto muito do mojica, mas acho que ele foi genial até o início dos anos 70, depois as condições adversas o fizeram cair bastante. Mas não desgosto do filme, e realmente é engraçado como vc falou :)
Este ainda não assisti e pela descrição (e nome do filme rs) já fiquei curiosa. Assisti alguns filmes de Mojica e são bem perversos ao estilão típico dele. Me impressiono com facilidade :-P Não tinha muito conhecimento destes outros personagens feitos por ele, engraçado o nome Oaxiac Odéz, o nome dele usado ao contário :-P
Me chamou a atenção pela resenha sobre como foi mostrado no filme a hipocrisia que reina até hoje né, infelizmente...Esta cena dos hippies até imaginei aqui rs
Beijos
AH que maravilha ler um texto saboroso como esse! Andréa, já visitei seu blog outras vezes, mas é a primeira vez que comento, e digo: seu texto sobre o filme MULHER OBJETO está entre os melhores que já li em todo esse tempo que acesso blogs cinematográficos. Sua preferência por falar de filmes pouco vistos, pouco usuais faz o diferencial do seu espaço. Seu blogo é uma beleza, seu texto é leve e já tenho aprendido muito a respeito de cinema brasileiro contigo. Em breve vou colocar um link seu no meu humilde blog. Abraços.
PS: você é do Rio, certo? tem aproveitado o festival?
carol, o Oaxiac Odéz consegue ser mais cruel do que o inverso, o Zé do Caixão. Pena q ele só viveu o Oaxiac em um dos três episódios de "O Estranho Mundo de Zé do Caixão" rs
fernando, obrigada pelos elogios, não estou aproveitando muito o festival não, para dizer a verdade só tive tempo de ver um filme no sábado, q por sinal, não gostei muito rs
Uma das curiosidades deste filme e que merece ser citada é que ele passa do colorido para o preto e branco em diversas ocasiões, e não foi proposital não. Foi por pura falta de recursos, mesmo.
O Mojica ia conseguindo os rolos de filmes atraves de doações e venda de cotas dos lucros do filme, como ele não estava nem ae se o rolo de pelicula era colorido ou preto e branco o filme ficou uma verdadeira salada de frutas, oque não tira em nada o brilhantismo do filme.
Mais que recomendado....
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