Leitores apressados julgam um livro pela capa. No máximo vão ao prefácio, conferem a dedicatória, lêem as orelhas ou escolhem uma página ao acaso, citando parágrafos, para induzirem o interlocutor mais próximo ao erro. Leitores atentos, por sua vez, não apenas decifram os livros. São capazes de escrever livros sobre os livros que reconhecem como bons.
Um espectador apressado julga o galã das pornochanchadas dos anos 70, Carlo Mossy, como um ator de recursos limitados – um figurante de segunda linha no panorama do cinema brasileiro daquele tempo. Mossy realmente trabalhou em filmes muito ruins e em outros que são interessantes apenas para quem cultua a época em que foram feitos – “Essa gostosa brincadeira a dois”, que resenhei aqui há algum tempo, se encaixa nesse segundo grupo. Mas quem prestar atenção e virar as páginas da carreira deste múltiplo realizador cinematográfico – foi ator, diretor, produtor e até sonoplasta! – vai encontrar trechos quase perdidos e preciosos de história.
“Ódio”, filme de 1977, dirigido e atuado por Mossy, talvez seja o maior deles. “Ódio” não se trata de um filme policial violento. Ele, na realidade, subverte o que seja o modelo deste tipo de gênero, para criar uma espécie de “supra-violência” – tão inacreditável do ponto de vista ficcional, que chega a parecer em certos trechos um documentário em câmera aberta.
Roberto (Mossy) é um advogado, que ao visitar sua família no interior do estado do Rio chega na hora errada e acompanha a chacina dos parentes por funcionários da fazenda onde viviam. Por um descuido dos bandidos, é o único sobrevivente. Depois de longo período de convalescência, decide se vingar, e tal qual um Charles Bronson carioca sai em busca de cada um dos assassinos. O filme tem um fim óbvio, mas o importante não é a história contada, e sim a maneira brutal que o diretor escolheu para contá-la.
A chacina da família de Roberto é mostrada em detalhes, não detalhes de violência gráfica, parte integrante de qualquer thriller, mas uma tensão psicológica como poucas vezes se viu no cinema mundial. São quinze minutos initerruptos de gritaria, tortura e sadismo, lembrando em certos momentos o melhor cinema de Sam Peckinpah ou o clássico de Wes Craven, “Last house on the left”. A diferença é que o cinema de Mossy fala nossa língua – e isso incomoda e aterroriza muito mais.
As atuações são primorosas e, por muito menos, em Hollywood se presenteiam diretores e atores com o Oscar. Mossy não fez sua melhor performance como ator – devia estar possuído, dirigindo –, pois Atila Iório, Celso Faria, Ivan de Almeida e Jotta Barroso roubam a cena no papel dos bandidos. Cada um deles, depois do assalto e da chacina, encontra um rumo torto para seu destino. A demonstração da vida inútil e desgraçada desses homens, após o intento bestial, merecia uma reflexão sociológica séria; igualmente a amizade entre Roberto, Toninho e Diva – um jovem marginalizado que o acolhe e uma lutadora de boxe que se apaixona pelo advogado vingador.
Na trilha sonora, outro chocante achado. De um disco do compositor francês chamado Saint Preux, “Concerto pour une voix” de 1969, foram extraídas várias seqüências de ambientação, tendo o conhecidíssimo tema principal homônimo como guia. A construção psicológica dos personagens, por trás da miséria deprimente de suas vidas, também se mostra sutil, quase inesquecível.
“Ódio” é uma produção da “Vidya Produções Cinematográficas”, que Moisés Abraão Goldszal (o verdadeiro nome de Mossy) mantinha junto com Victor di Mello, também cineasta. A “Vidya” repartia nos filmes seu risco e custo com a Embrafilme – e com certeza, nos seus melhores momentos, representou algum do dinheiro mais bem empregado pela estatal na década de 70.
Quem discorde que me desculpe, mas não troco os quinze minutos iniciais de “Ódio”, ou a cafajestagem libertária de “Giselle”, por nenhum desses filmes que habitam as listas dos “dez mais” da intelligentsia brasileira. Com obras desse porte, Mossy perdeu qualquer respeito dos pseudointelectuais – e virou motivo de desprezo no meio em que lutava para sobreviver. Mas hoje, quase trinta anos depois, pode colher sua glória através dos que amam o cinema como arte, não como mero instrumento ideológico de uma nomenklatura.
17 comentários:
Falou e disse, só não vou assinar embaixo pois foi você quem escreveu e perfeitamente bem! Este filme é um dos melhores que já assisti, fiquei presa do começo ao fim, e às vezes nervosa com a narrativa pois é tudo tão perfeito que me senti dentro do filme como se eu fosse o personagem de Mossy. A forma como Mossy se vinga dos bandidos um a um sem ao menos colocar um dedo neles é brilhante! Este filme sim deveria estar na lista dos 10 melhores filmes brasileiros pois realmente merece o título!
Olá Andréa! nossa, sou louco pra assistir esse filme, mas quem disse que encontro? a comparação com o mestre Peckinpah me deixou ainda mais curioso pra ver. Muito obrigado pela visita ao meu simplório blogue e no link aqui no Estranho Encontro, que já está linkado lá também. Se puder me passar o título sobre essa tese vou achar ótimo, espero que dessa vez dê tudo certo. Como a professora orientadora tem a literatura como campo de estudo, quero tentar fazer uma comparação entre os filmes de Bergman e alguns textos da escritora Hilda Hilst. Ainda é um esboço, mas espero conseguir, estou animado. Abraço!
Adoro esse filme. É um achado. Dentro da filmografia de seu notório protagonista ele é um filme singular que nem todos conhecem. O final é muito tosco e as cenas de violência são antológicas...
carol, revendo para escrever a resenha entendi pq vc ficou nervosa rs e esse será com certeza o filme pelo qual o mossy será lembrado ;)
fernando, comentei lá no focinho sobre o livro do bergman :)
marcelo, vc viu "um filme falado" do manoel de oliveira? o final em q a imagem congela e passam os créditos lembra muito o final desses filmes brasileiros da época. um grande abraço.
Charles Bronson carioca foi excelente. Ai, foi muito engraçado!
Oi Andréa, sim vi o tal filme do Manoel de Oliveira de quem gosto muito e vc tem razão nessa sua leitura de cinema comparado. Pena que esses filmes do Mossy não tem em DVD e esse particularmente pouco passa no Canal Brasil...
Nossa,nunca vi esse,pelo seu texto fiquei muito interessado...
maitê, o filme tem certa inspiração do Bronson sim, ambientado nos subúrbios tropicais rs
oi marcelo, quem dera esses filmes saíssem em dvd...realmente, o canal brasil passa é muita pornochanchada, poderia dar preferência a esses thrillers brasileiros, tem uma série deles muito boa...:)
dr.lorax, assista assim que puder, pois vale a pena :)
Já vi muitas coisas do Mossy. Ele era bom diretor, embora eu prefira ele como ator e mesmo produtor. Costumo gosta de seus filmes, mas gosto mais do VICTOR DI MELLO, que é o diretor que mais dirigiu pra ele se bobiar. Deve valer a pena esse ÓDIO, já vi filmes policiais brasileiros muito bons. MINEIRINHO VIVO OU MORTO do grande AURÉLIO TEIXEIRA, é um deles. Também não sou grande simpatizante desses intelectuais do Cinema Novo, por isso simpatizo com esse blog.
matheus, acho q o Mossy preferia deixar o Victor dirigir na maioria das vezes, "Giselle" por exemplo, q é quase um sinônimo de Carlo Mossy, foi dirigido pelo Victor. Meu policial brasileiro preferido (depois de "Ódio") é "Eu matei Lúcio Flávio", muito superior ao filme do Babenco por sinal. Um abraço :)
Assisti a esse filme no canal brasil. O israelense Carlo Mossy aqui, em minha opinião viveu seu melhor momento, num filme com clima opressivo, sem dar muita esperança, além da vingança cega do protagonista. Um filme feio, sujo e malvado e por isso, ótimo, reforçado pelas atuações excelentes de grande parte do elenco.
bom
o cinema brasileiro tem varias perolas odio .lucio flavio o passageiro da agonia .o bandido da luz vermelha .cidade oculta e varios outros esses sao os melhores ou melhor filmes perfeitos
Carlo Mossy está sensual e gostoso como sempre e a belíssima e adorável musa nacional Fátima Freire é simplesmente maravilhosa, uma das atrizes brasileiras mais lindas, talentosas, atraentes e encantadoras dos anos setenta e oitenta do século vinte junto com as igualmente magníficas e sensacionais Neila Tavares, Magrit Siebert, Jucilea Telles e Zaira Bueno entre inúmeras outras.
A belíssima Neila Tavares sempre foi encantadora e adorável e também uma excelente atriz além de ser muito culta e inteligente também. Além de ser a Dayle Haddon brasileira, a nossa querida e eterna Neila Tavares poderia muito bem fazer uma dupla e também um casal famoso simplesmente incrível e interessante com o astro nacional Alexandre Frota pois ambos Neila e Alexandre são uma combinação brasileira perfeita e absolutamente glamourosa e fenomenal de beleza morena sensual e exuberante com talento, inteligência, cultura e versatilidade de sobra.
Esqueci de dizer que assim como a Neila Tavares é a Dayle Haddon brasileira, o Alexandre Frota é o Dominic Purcell brasileiro. Alguém mais concorda com essa observação?
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