Quando a equipe da revista Filme Cultura me convidou para participar da sua edição de retomada (nº 50), escrevi aqui no blog sobre o quanto ela é parte da minha memória afetiva.
Na edição nº 53, a revista convidou 102 críticos, pesquisadores e cineastas para montarem suas listas dos "10 Filmes Brasileiros do Coração". Não são os filmes famosos ou importantes para a história do cinema brasileiro. São os mais queridos para cada autor de cada lista. A relação completa das listas consta aqui.
Ao receber o desafio, mergulhei na intuição, do tipo que brota das profundezas, sem revisar. Meus dez escolhidos estão abaixo, acrescidos de um breve comentário sobre cada um deles. Em ordem alfabética, e com outros dois não menos queridos:
A Mulher que Inventou o Amor (1979) - Tallulah, a primeira e única. O cinema de Jean Garrett permanece de difícil acesso, apesar de nos últimos anos ter sido alvo de exibições e discussões esporádicas. Em uma filmografia que inclui meia dúzia de obras-primas, escolhi "A Mulher que Inventou o Amor" (1979), paradigma daquilo que a Boca do Lixo produziu de melhor. A prostituição e o erotismo virados cinicamente, pelo avesso.
À Meia Noite Levarei Sua Alma (1964) - "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver" (1966) foi o apogeu de Mojica. Mas é através da primeira "aventura" de Zé do Caixão, "À Meia Noite Levarei Sua Alma", que temos certeza da superioridade existencial do protagonista diante do resto da humanidade, simbolizada na cidadezinha crente e provinciana onde comete seus atos desvairados. Quem quiser um antídoto para "Nosso Lar", ele possui nome e sobrenome: Josefel Zanatas.
Chuvas de Verão (1978) - Cacá Diegues realizou em "Chuvas de Verão" uma espécie de inventário sentimental do subúrbio carioca, espaço onírico da cidade-síntese do país. A melhor atuação dos veteranos Joffre Soares e Míriam Pires no cinema. Muito além das sociochanchadas e da vitimização cretina e preconceituosa.
O Império do Desejo (1981) - Benjamin Cattan sempre. Ele e Roberto Miranda estão flanando quais pintos no lixo, em transe com a força do texto e da direção de Carlos Reichenbach. Notem o soco que é a última cena. Uma sonora patada, antológica, nas "irreprocháveis" consciências. Freak out, com Kierkegaard, Sartre e produção de Antonio Polo Galante.
Na edição nº 53, a revista convidou 102 críticos, pesquisadores e cineastas para montarem suas listas dos "10 Filmes Brasileiros do Coração". Não são os filmes famosos ou importantes para a história do cinema brasileiro. São os mais queridos para cada autor de cada lista. A relação completa das listas consta aqui.
Ao receber o desafio, mergulhei na intuição, do tipo que brota das profundezas, sem revisar. Meus dez escolhidos estão abaixo, acrescidos de um breve comentário sobre cada um deles. Em ordem alfabética, e com outros dois não menos queridos:
A Mulher que Inventou o Amor (1979) - Tallulah, a primeira e única. O cinema de Jean Garrett permanece de difícil acesso, apesar de nos últimos anos ter sido alvo de exibições e discussões esporádicas. Em uma filmografia que inclui meia dúzia de obras-primas, escolhi "A Mulher que Inventou o Amor" (1979), paradigma daquilo que a Boca do Lixo produziu de melhor. A prostituição e o erotismo virados cinicamente, pelo avesso.
À Meia Noite Levarei Sua Alma (1964) - "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver" (1966) foi o apogeu de Mojica. Mas é através da primeira "aventura" de Zé do Caixão, "À Meia Noite Levarei Sua Alma", que temos certeza da superioridade existencial do protagonista diante do resto da humanidade, simbolizada na cidadezinha crente e provinciana onde comete seus atos desvairados. Quem quiser um antídoto para "Nosso Lar", ele possui nome e sobrenome: Josefel Zanatas.
Chuvas de Verão (1978) - Cacá Diegues realizou em "Chuvas de Verão" uma espécie de inventário sentimental do subúrbio carioca, espaço onírico da cidade-síntese do país. A melhor atuação dos veteranos Joffre Soares e Míriam Pires no cinema. Muito além das sociochanchadas e da vitimização cretina e preconceituosa.
O Império do Desejo (1981) - Benjamin Cattan sempre. Ele e Roberto Miranda estão flanando quais pintos no lixo, em transe com a força do texto e da direção de Carlos Reichenbach. Notem o soco que é a última cena. Uma sonora patada, antológica, nas "irreprocháveis" consciências. Freak out, com Kierkegaard, Sartre e produção de Antonio Polo Galante.
Marcelo Zona Sul (1970) - Vi e revi "Marcelo" um zilhão de vezes, é daqueles filmes que a gente trata carinhosamente, chamando pelo primeiro nome. Atravessou infância e adolescência comigo, o lado amargo se sobrepondo ao doce e vice-versa. Os dois e os milhares de Marcelos possíveis conversando. Trilha sonora do Liverpool Sounds, futuro Bixo da Seda, que procurei nas lojas de lps (existiam!), até encontrar.
Noite Vazia (1964) - Quando me perguntam de Khouri, logo vêm "O Anjo da Noite", "Palácio dos Anjos", "Eros", "Corpo Ardente" e outros que com o tempo vão crescendo na memória e constróem a admiração pelo diretor. "Noite Vazia" é a porta de entrada. Agressividade, medo, abandono. Bolinhos de chuva que lembram um abraço de mãe, uma sobremesa antiga, para os quatro na garçonniere. De "Noite Vazia" em diante, o trabalho de Khouri foi ficando contagioso para mim.
Perdida (1976) - On the road matreiro, mineiro, poético, cheio de pequenos detalhes que se caça com uma lupa e ao serem encontrados deixam o espectador vibrando. Carlos Alberto Prates Correia tocou na humanidade, no sexo, na epifania e realizou uma aula para os sentidos.
A Rainha Diaba (1974) - Tarantino sobe e desce nas produções dos anos 70, abocanha tudo e lança as guloseimas por aí, repaginadas para a nobre platéia. Certeza que se visse Milton Gonçalves no épico de Antonio Carlos Fontoura, entraria em êxtase, coçaria o queixo. Algo como Krist Novoselic e Kurt Cobain quando encontraram Os Mutantes, essa curiosa banda do curioso terceiro mundo. Diaba é biscoito finíssimo, a violência, o kitsch, os dialetos, os planos que supreendem um após os outros.
São Paulo S/A (1965) - Walmor Chagas encarando a boçalidade média, sem saber o que quer, indo em frente e recomeçando, recomeçando sempre para provavelmente se frustar de novo. Costumam usar o filme para umas saudações canhestras, como se Luiz Sérgio Person fosse o rei dos borbagatos ou o líder da revolta constitucionalista. Mas não se trata de uma elegia chumbrega a São Paulo. A cidade é pano de fundo, manda uns estímulos para cima de Carlos (Walmor), que nem sempre consegue entendê-los. O suicídio da personagem de Ana Rosa, por exemplo, rende páginas de livros.
Perdida (1976) - On the road matreiro, mineiro, poético, cheio de pequenos detalhes que se caça com uma lupa e ao serem encontrados deixam o espectador vibrando. Carlos Alberto Prates Correia tocou na humanidade, no sexo, na epifania e realizou uma aula para os sentidos.
A Rainha Diaba (1974) - Tarantino sobe e desce nas produções dos anos 70, abocanha tudo e lança as guloseimas por aí, repaginadas para a nobre platéia. Certeza que se visse Milton Gonçalves no épico de Antonio Carlos Fontoura, entraria em êxtase, coçaria o queixo. Algo como Krist Novoselic e Kurt Cobain quando encontraram Os Mutantes, essa curiosa banda do curioso terceiro mundo. Diaba é biscoito finíssimo, a violência, o kitsch, os dialetos, os planos que supreendem um após os outros.
São Paulo S/A (1965) - Walmor Chagas encarando a boçalidade média, sem saber o que quer, indo em frente e recomeçando, recomeçando sempre para provavelmente se frustar de novo. Costumam usar o filme para umas saudações canhestras, como se Luiz Sérgio Person fosse o rei dos borbagatos ou o líder da revolta constitucionalista. Mas não se trata de uma elegia chumbrega a São Paulo. A cidade é pano de fundo, manda uns estímulos para cima de Carlos (Walmor), que nem sempre consegue entendê-los. O suicídio da personagem de Ana Rosa, por exemplo, rende páginas de livros.
Um Homem Sem Importância (1971) - Alberto Salvá em plena forma, estrelando Vianinha, desempregado num bode preto enquanto circula pela cidade, o que inclui o consumo de algumas substâncias psicotrópicas. É o que dava ser trintão, sem curso de datilografia, no Brasil do ame-o ou deixe-o. Neorealismo carioca, em um dos olhares mais impressionantes e depressivos que alguém já produziu sobre a falta de perspectivas.
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Eu Matei Lúcio Flávio (1979) - Ode ao policial vigarista Mariel Mariscott, transformado em semideus urbano, driblando o bem e o mal. Entre outras sacadas geniais, Antônio Calmon levou o fetiche por Copacabana ao limite da insanidade. A cena dos carros na Galeria Menescal, o assalto à farmácia Vitória Régia, Monique Lafond se picando pelos corredores de um edifício de quitinetes, sempre fazem bater descompassado o coração desta moça copacabanense.
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Eu Matei Lúcio Flávio (1979) - Ode ao policial vigarista Mariel Mariscott, transformado em semideus urbano, driblando o bem e o mal. Entre outras sacadas geniais, Antônio Calmon levou o fetiche por Copacabana ao limite da insanidade. A cena dos carros na Galeria Menescal, o assalto à farmácia Vitória Régia, Monique Lafond se picando pelos corredores de um edifício de quitinetes, sempre fazem bater descompassado o coração desta moça copacabanense.
Ódio (1977) - Carlo Mossy estaria fadado a ser o eterno galã das pornochanchadas se em 1977, aos 30 anos, não tivesse dirigido "Ódio", espécie de "Desejo de Matar" acrescido de informações ocultas no Beco da Fome e na paixão cinéfila do diretor. Trabalhando e retrabalhando cada idéia e cada cena com esmero, Mossy queimou a língua de seus eternos patrulhadores e conseguiu algo raro na filmografia brasileira: uma obra-prima universal, plena de entendimentos e significados em qualquer idioma.
14 comentários:
Bela lista. Só não conheço os filmes de Jean Garrett e o de Mojica. Sendo que o último pretendo continuar sem vê-lo.
Abraços
www.ofalcaomaltes.blogspot.com
Amo "Viagem aos Seios de Duilia" e "Em Família". Estariam na minha lista também. Acho que você não gosta, mas adoro a cena final de Renata Sorrah e Marcia Rodrigues no Matoua família... original.
Excelente lista, cheio de filmes fortes e, mais importante, fora do óbvio. Eu também inclui filmes do Jean Garrett na minha lista, um cara que não é exagero nenhum chamar de gênio. Cada filme que vejo dele me surpreende mais, porém nenhum tanto quanto A FORÇA DOS SENTIDOS. O Mojica também tem muito a oferecer, mesmo que a resistência ao cinema dele obviamente seja algo intransponível, mesmo 50 anos depois.
As elogiosas palavras que revestem minhas práticas cinematográficas, escritas pela Andrea neste prestigioso e sagrado espaço, - Estranho Encontro-, transportam resquícios do meu triunfal ego sexagenário aos mágicos anos 70, e me fazem sentir-se, mais uma vez, aquele jovem apaixonado pelo cinema paixão. Ódio é considerado por mim, igualmente, o meu melhor trabalho fílmico, sendo diretor, tratando-se do gênero dramático. Fotogramas emoldurados por um contexto que agrega fortes emoções e pintado em cruéis cores psicológicas, resumem à terrível vingança empreendida por Roberto, principal personagem do filme em questão, por mim personificado.
Queridíssima Andrea, amiga de extrema sensibilidade e de invejável capacidade técnica e literária, sua escrita é um conto de fadas literário, que sublima formas e conteúdos exercidos unicamente por brilhantes escritores. Adoraria ver minha dinâmica vida ser contada à extremidade existencial por você, num polêmico livro, adorável Andrea.
Beijão
Mossy
Querida Andrea, fiz uma breve consulta na relação de listas e me identifiquei muito com tua em particular, embora ainda não tenha tido a oportunidade de assistir a "Um Homem Sem Importância". Quero destacar o enorme apreço que tenho pelo cinema do Prates Correia, adoro "Perdida" e tenho verdadeira paixão (sem trocadilho) por "Cabaret Mineiro".
Outra coisa: excelente o comentário de Mossy sobre sua capacidade técnica e literária. Estranho Encontro é minha "leitura de cabeceira". Forte abraço.
Márcio/MG
Interessante essa lista. Vou anotar :)
Gostei demais do blog. Muita coisa boa para se ler.
Abraços.
Esses 2 últimos foram publicados só aqui? É iscrusividade? :)
Antonio, Jean Garrett e Mojica são a alma da Boca, tente vê-los. Você diz que não topa o "Encarnação", o último filme do Mojica, é isso? Ou não pretende ver a obra do mestre toda? Faça uma forcinha, Josefel merece. Abraços
Daniel, "Duília" e "Em Família" são outros dois que entram fácil em uma nova lista. Escrevi sobre eles aqui no Estranho e têm uma carga emocional brabíssima. O conto do Aníbal Machado deveria ser distribuído na cesta básica. Dá um calafrio, explica para mim o quanto é possível sonhar com a transcendência na literatura. Gosto do "Matou a família" do Bressane (do Bressane!), a dupla Sorrah-Rodrigues é divina.
Obrigada, Carlos, excelente a sua lista também. Compartilhamos Garrett, Mojica, Khouri, no mundo do que acreditamos ser o cinema, ao lado de outras escolhas firmes. Não dá pra sacudir a cabeça para o que é comum, chancelado, bate uma urticária incrível rs Do "Monstros de Babaloo", que você incluiu, tenho uma lembrança muito viva do dia que assisti, no cinema. Ainda não tinha visto em vhs, dvd. Ou seja, fui devidamente apresentada a ele, no melhor local possível. O que me dá uma idéia, aliás. Precisamos fazer uma outra lista: as 10 melhores sessões de cinema. Essa também tem chão...
Mossy, querido, o seu comentário casa à perfeição em um post que trata justamente do amor pelo cinema. O Estranho Encontro nasceu desse carinho pelo que existe de insondável, de impalpável nos filmes e que nos leva adiante. É imenso o respeito que tenho pela sua trajetória, a sua entrevista aqui no Estranho serve de ponto de partida. Tem muita coisa mais a ser dita, precisamos gritá-las como sempre: com força e ousadia. Beijo grande
Obrigada, Márcio, que bom vê-lo aqui. A obra do Prates tem realmente uma característica própria, aquela linha que distingue o gênio do medíocre. Quando a academia descobrir, vai entrar em parafuso. Grande abraço, querido.
Felicidade clandestina, pelo nick, além de cinema gostas de Clarice. Está aí uma escritora do coração (selvagem, de preferência). Abraços
Sim, material exclusivo, Luiz :)
Andrea, Setaro indicou e acabei me viciando em seu blog maravilhoso.
Seus textos e entrevistas são ótimos e me deixam cada vez mais curioso em assistir os filmes que você comenta. Seu "garimpo" é importantíssimo pra entendermos o cinema brasileiro, ainda mais com o olhar sensível que você tem. Uma aula.
Indico Estranho Encontro para todo amigo que dou de cara aqui em Salvador. Parabéns.
Obrigada, Ronei. Desde 2005 procuro fazer no Estranho Encontro essa análise amorosa e de revisão crítica do cinema brasileiro. Sem preconceitos, plena de liberdade. E o Setaro tem lugar cativo neste blog, admiro profundamente o trabalho e o conhecimento que ele possui sobre o tema. Abraços
Andrea, brigado pela resposta. Adoro a sua lista. Beijo e bom começo de ano pós-carnaval
como não vi a maioria dos filmes desta lista, a mesma serve de formação para este que vos escreve.
bjs
Olá Andrea, vi Marcelo Zona Sul, São Paulo S/A e Chuvas de Verão,que são ótimos, mas imaginava que fosse encontrar "Tudo Bem" do Arnaldo Jabor na sua lista, um grande filme.
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