Se o Rio de Janeiro é a síntese do país e Copacabana a síntese da metrópole, com certeza o Shopping dos Antiquários -- Siqueira Campos, 143 -- resume bem o que seja o bairro mais famoso do mundo: luxo e Lixo (nome de extinta loja de moda hippie, no segundo piso), apartamentos confortáveis, coberturas monumentais e quitinetes modestas. Um mafuá de artistas, idosos, madames, prostitutas, vagabundos e tudo aquilo que nos faz sorrir e agradecer por Deus (e o diabo) terem feito sua grande obra.
"A Mulata que Queria Pecar" (1977), ode pornochanchadeira, anárquica, ao bairro e à carioquice extrema, talvez seja um dos melhores filmes do gênero -- o primeiro, claro, "Giselle". Ambos foram dirigidos pelo (a)moralista profissional Victor di Mello, cuja verve permanece eclipsada pela enorme sombra do semideus Carlo Mossy. Não se enganem sobre ambos, pois eram figuras que se completavam e sobre as quais pairava tanto amor, competição e amizade, que só uma pesquisa biográfica imparcial vai resgatar.
Aqui, Di Mello trabalha a história de um dia comum no Rio, onde Renato (Cláudio Olieni), atormentado pela sogra dominadora (Henriqueta Brieba), pega carona com um casal, depois de sogra e mulher fugirem durante passeio pelo Parque da Cidade. Dirigindo por Ipanema, caroneiro e casal avistam mulher e sogra. Porém, esqueçam, nada disso é o mote da narrativa: em outro ponto da praia, um grã-fino, Jonas (Celso Faria), paquera mulata jeitosa, e depois do motel a leva pra casa, no Shopping dos Antiquários.
Quem conhece bem o local ficará exultante em rever o teatro Opinião, nos fundos do empreendimento de mil unidades, cujo lançamento prometia "uma cidade dentro de outra" -- não à toa, seu nome de batismo é Super Shopping Center Cidade Copacabana. Profusão de lojas, dois teatros, um cinema -- que foi readaptado para supermercado -- e seis blocos de apartamentos talvez tenham confundido um pouco engenheiros e compradores, pois o término do projeto se arrastou durante décadas. Em 77, por exemplo, alguns blocos ainda não estavam finalizados, mas os depósitos do "Supermercado Leão Camarada" já aparecem esplendorosos.
Às portas do manjadíssimo Leão – hoje Sendas -- Jonas leva um flagrante da mulher, Bibi (Juciléia Telles), outra mulata espetacular, que entra com um pedido de desquite. Meses depois, duas festas se organizam: uma de Bibi e amigas, e outra do noivo (Antônio Pedro) que dera carona ao oprimido Renato, nas primeiras cenas. É sobre o desenrolar dessas festas que o filme trata.
Toda pornochanchada guarda momentos transcendentes, de epifania, e esse momento em "A Mulata Que Queria Pecar" é o clássico trenzinho de pelados cantando “Alalaô”, que a polícia descobre no apartamento de Bibi. Nada daquilo ocorria à toa: entre outras mumunhas, eles usam a palavra "desquite", mas já celebravam a lei do senador Nelson Carneiro, que estava nos finalmentes de instituir o divórcio, em junho de 77.
Trouxas e cretinos em geral vivem apontando que o desbunde, na comédia erótica, significava tentativa de controle do povo através do sexo. Outros, entendem na erotização da "mulata" ou simplesmente da mulher, inequívoco sinal de misoginia ou racismo. Mande-os às favas.
Quem hoje reveja o cinema de Di Mello, Mossy e tantos, compreende que sua aparente precariedade escondia mirações complexas, intelectualmente arrojadas. E que o sexo foi pista para um coquetel de sociologia esculhambativa, de reichianismo anárquico. Compartilhavam o ideal de que, através do cinema popular, faziam uma revolução (copacabanense) no público brasileiro, salvando-o da paranóia messiânica e das encucações esquizóides, viventes nas tardes marxistas do Laboratório Líder, em Botafogo.
A Censura odiou "A Mulata Que Queria Pecar" e tentou proibi-lo duas vezes: antes da estréia nos cinemas e quando estava para ser exibido na tv, em 1982. Detalhe para o fato de que o filme foi rodado no período em que Victor di Mello já era contratado da Vidya Filmes, de Mossy, mas mantinha produtora própria na Rua Senador Dantas, número 19, sala 806. O Canal Brasil trouxe todo esse ethos de volta, atestando sua qualidade de paradigma do espírito presepeiro tupiniquim.
"A Mulata que Queria Pecar" (1977), ode pornochanchadeira, anárquica, ao bairro e à carioquice extrema, talvez seja um dos melhores filmes do gênero -- o primeiro, claro, "Giselle". Ambos foram dirigidos pelo (a)moralista profissional Victor di Mello, cuja verve permanece eclipsada pela enorme sombra do semideus Carlo Mossy. Não se enganem sobre ambos, pois eram figuras que se completavam e sobre as quais pairava tanto amor, competição e amizade, que só uma pesquisa biográfica imparcial vai resgatar.
Aqui, Di Mello trabalha a história de um dia comum no Rio, onde Renato (Cláudio Olieni), atormentado pela sogra dominadora (Henriqueta Brieba), pega carona com um casal, depois de sogra e mulher fugirem durante passeio pelo Parque da Cidade. Dirigindo por Ipanema, caroneiro e casal avistam mulher e sogra. Porém, esqueçam, nada disso é o mote da narrativa: em outro ponto da praia, um grã-fino, Jonas (Celso Faria), paquera mulata jeitosa, e depois do motel a leva pra casa, no Shopping dos Antiquários.
Quem conhece bem o local ficará exultante em rever o teatro Opinião, nos fundos do empreendimento de mil unidades, cujo lançamento prometia "uma cidade dentro de outra" -- não à toa, seu nome de batismo é Super Shopping Center Cidade Copacabana. Profusão de lojas, dois teatros, um cinema -- que foi readaptado para supermercado -- e seis blocos de apartamentos talvez tenham confundido um pouco engenheiros e compradores, pois o término do projeto se arrastou durante décadas. Em 77, por exemplo, alguns blocos ainda não estavam finalizados, mas os depósitos do "Supermercado Leão Camarada" já aparecem esplendorosos.
Às portas do manjadíssimo Leão – hoje Sendas -- Jonas leva um flagrante da mulher, Bibi (Juciléia Telles), outra mulata espetacular, que entra com um pedido de desquite. Meses depois, duas festas se organizam: uma de Bibi e amigas, e outra do noivo (Antônio Pedro) que dera carona ao oprimido Renato, nas primeiras cenas. É sobre o desenrolar dessas festas que o filme trata.
Toda pornochanchada guarda momentos transcendentes, de epifania, e esse momento em "A Mulata Que Queria Pecar" é o clássico trenzinho de pelados cantando “Alalaô”, que a polícia descobre no apartamento de Bibi. Nada daquilo ocorria à toa: entre outras mumunhas, eles usam a palavra "desquite", mas já celebravam a lei do senador Nelson Carneiro, que estava nos finalmentes de instituir o divórcio, em junho de 77.
Trouxas e cretinos em geral vivem apontando que o desbunde, na comédia erótica, significava tentativa de controle do povo através do sexo. Outros, entendem na erotização da "mulata" ou simplesmente da mulher, inequívoco sinal de misoginia ou racismo. Mande-os às favas.
Quem hoje reveja o cinema de Di Mello, Mossy e tantos, compreende que sua aparente precariedade escondia mirações complexas, intelectualmente arrojadas. E que o sexo foi pista para um coquetel de sociologia esculhambativa, de reichianismo anárquico. Compartilhavam o ideal de que, através do cinema popular, faziam uma revolução (copacabanense) no público brasileiro, salvando-o da paranóia messiânica e das encucações esquizóides, viventes nas tardes marxistas do Laboratório Líder, em Botafogo.
A Censura odiou "A Mulata Que Queria Pecar" e tentou proibi-lo duas vezes: antes da estréia nos cinemas e quando estava para ser exibido na tv, em 1982. Detalhe para o fato de que o filme foi rodado no período em que Victor di Mello já era contratado da Vidya Filmes, de Mossy, mas mantinha produtora própria na Rua Senador Dantas, número 19, sala 806. O Canal Brasil trouxe todo esse ethos de volta, atestando sua qualidade de paradigma do espírito presepeiro tupiniquim.
5 comentários:
Gostaria de assistir a esse filme, já que sou admirador de "O Grande Gozador", outro filme do Victor di Mello. O escracho anda fazendo falta no cinema nacional.
Abraço
Seus textos têm que virar livro. Urgente!
Eu os quero na cabeceira.
Jorge, só ficando atento mesmo à televisão, porque o "Mulata que queria pecar" não saiu em dvd. Esse escracho a la Vydia Produções anda fazendo uma falta incrível. Abraços.
Obrigada, Nino. O livro virá em breve :)
Grande atriz Henriqueta Brieba.
Encontrei uma cópia,estou assistindo - Lembro de ter lido à época um texto falando da Censura por causa da mulata Juciléa Telles,não me lembro bem o motivo,eu só sei que o racismo era bem maior do que hoje.
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