sábado, setembro 25, 2010

A Cor do Seu Destino


O lugar comum de que o Brasil sempre deu as costas para a América do Sul parece estar sendo relativizado nos últimos anos. Mas a verdade é que uma aproximação, tímida, ainda se resume quase à troca de estereótipos, ao repisar de velhos preconceitos. Dondocas alucinadas fazendo compras na Calle Florida ou o interesse sazonal por filmes argentinos não servem de consolo para a ignorância de culturas, hábitos e estilos de vida que muito poderiam nos enriquecer e permear de coisas novas.

Em "A Cor do Seu Destino" (1986), segundo longa-metragem dirigido pelo roteirista Jorge Durán, a preocupação em contextualizar o Brasil dentro da América do Sul, e vice-versa, já aparecia repleta de subterfúgios. Trabalhando com elementos da vida real -- chileno, veio para o Brasil fugindo do golpe militar de 73 -- Durán não disfarça seu diálogo com a dor, colocando o protagonista, Paulo (Guilherme Fontes), atormentado por lembranças diáfanas, fantasmagóricas, do Chile, país onde nasceu.

No meio deste mergulho interior, o rapaz vive um cotidiano típico de adolescente carioca dos anos 80. Filho de pai estrangeiro (Franklin Caicedo) e mãe brasileira (Norma Bengell), Paulo é um marco entre dois mundos, dois oceanos e uma história antiga (a prisão do irmão mais velho) e outra nova (a vinda para o Brasil). Tal conflito lhe causa angústia, mas também reforça seu talento para as artes plásticas. Através da pintura, da colagem, ele revive o irmão. E liberta-se, maduro, em um protesto colorido nas últimas cenas.

Felizmente "A Cor do Seu Destino" não se resume a uma narrativa de transição. O vagar sobre memória, criatividade e resistência digere-se em anteparo sofisticado -- Aristóteles e Che Guevara formam um coquetel excêntrico. Igualmente o choque cultural entre a inconseqüência dos secundaristas e o amargor engajado da jovem Patrícia (Júlia Lemmertz), prima chilena de quem o rapaz tira forças e exemplo para modificar seu entorno.

A vinda de Patrícia ainda nos lembra um tempo -- sem Internet, nem celular -- de muito maior distância e dificuldades de comunicação. "Acho melhor você aprender português logo", ironiza Paulo, enquanto tenta protegê-la de um mundo mau sem Violeta Parra nem Victor Jara, governado por Biquíni Cavadão em volume ensurdecedor.

Enfrentando a escuridão, descobrindo-a, é que Paulo alcança uma promessa de segurança adulta, em contraponto aos pesadelos bucólicos da Cordilheira e à claustrofobia dos carabineiros, que humilharam seus pais. Cenas andinas foram, na verdade, filmadas sem saírem do Rio, usando-se uma técnica conhecida como glass paint, onde montanhas e neve eram um módulo pintado em vidro, entre a câmera e o espaço.

Piorando seu assombro, Paulo ainda lida com uma namorada sirigaita (Andréa Beltrão), que flana de táxi na companhia do professor galã do Pedro II (Antônio Grassi). Outros personagens prontos, ao estilo "The Breakfast Club"
, como o amigo gordo (Anderson Müller) e o paquerador infalível (Marcos Palmeira), poderiam transitar entre “Dedé Mamata” e “Um Trem Para as Estrelas”, sucessos do período também estrelados por Fontes e co-dirigidos por Tereza Gonzalez. De quebra, uma aparição do cantor Paulinho Moska, cujas origens não remetem somente à barata Kafka ou à anã Adelaide, mas também ao curso de cinema da CAL (Casa de Artes de Laranjeiras).Na miríade de preocupações da geração x, o videogame, as ombreiras e os lps da Blitz se misturavam aos cadáveres próximos, ao entulho autoritário e à desmoralização dos livros de Educação Moral e Cívica. A descolada Neuzinha, filha do ex-exilado e governador do Rio, Leonel Brizola, foi paradigma deste curioso fenômeno, recriando sua visão de mundo entre lembranças do exílio e o Mate (Movimento Anarquista Tropical Energético), que adorava São Paulo e odiava tudo o que parecesse "piazza".

"A Cor do Seu Destino" tinha endereço certo, embora vendesse o produto em embalagem sofisticada e intimista, pouco semelhante às multidões uniformizadas de Company, ansiosas por um novo "Bete Balanço".
Na verdade, seu lugar hoje é no rol de obras sobre as ditaduras no continente. Contextualizado desta forma, precisa ser revisto e relembrado.

3 comentários:

Matheus Trunk disse...

Sou fã de carteirinha do Durán. Este filme é excelente e a Júlia Lemmertz está ótima. Agora a participação especial do Biquini Cavadão é impagável, o vocalista ainda usa uma camisa do time do Volta Redonda do Rio. Sensacional.

Matheus Trunk
www.violaosardinhaepao.blogspot.com

Ligia disse...

Oi Andrea, tudo bom? Meu nome é Ligia, trabalho no iG. Estreamos um novo site sobre cinema, onde além de termos informações sobre os filmes em cartaz, sinopses e programação dos cinemas, você ainda pode avaliar e recomendar os filmes que viu. Lá você também vê as recomendações de seus amigos do Facebook e do Twitter. Quer conhecer? O endereço é http://cinemaki.ig.com.br/

Andrea Ormond disse...

oi Matheus, verdade, o vocalista está com a camisa do Voltaço. Lembro que antigamente o time dava mais trabalho no campeonato carioca... :)

Olá Fluzão, não faço troca de links.

Ok, Ligia. Boa sorte pra vocês.