Há uma regra que se repete a cada geração: ali pela faixa dos 25 anos todos começam a olhar saudosos para o “passado” – normalmente o passado pouco mais velho do que sua idade no tempo – tentando reencontrar aquilo que não viveram, ou recordando o último sopro de vida aventurosa de seus pais mocinhos, antes de colocarem os filhos no mundo e mergulharem de vez na caretice.
Nos EUA, estas chamadas “ondas de nostalgia” tem até um divisor de águas: o filme “American Graffiti” de 1973, que ao abordar uma visão idílica do final da década de 50 – a era pré-Beatles, em uma nação entupida de dinheiro e poder – espalhou feito doença pelo mundo a ilusão dos “anos dourados” regados a Elvis Presley, The Platters e modismos adjacentes.
No Brasil o fenômeno encontrou ressonância menos de dois ou três anos depois, principalmente nas novelas da Globo: “Escalada” de 75 e “Estúpido Cupido” de 76 são os melhores exemplos.
E como os anos 60 – da psicodelia, dos hippies e das manifestações de 1968 – ainda pareciam muito próximos em meados dos 80, a adoração sobre o final dos 50 durou um bom tempo – e, com certo atraso, chegou às telas grandes. Foi o caso não apenas de “Banana Split” (1987), mas também de “Os Bons Tempos Voltaram: Vamos Gozar Outra Vez” (1985). Nas novelas oitentistas, tivemos ainda “Bambolê” e a minissérie “Anos Dourados”, esta transformada em marco importante da teledramaturgia brasileira, por conta do inexperiente e talentoso elenco posto à prova.
O problema é que em “Banana Split” percebe-se uma divisão afetiva. De um lado, o diretor Paulo Sergio de Almeida (nascido em 1945) e os roteiristas Mário Prata (1946) – autor de “Estúpido Cúpido” – e Flávio Moreira da Costa (1942). Os três falavam do que viram ou compreenderam in loco da juventude e que no filme deveria atender a um período que se estende entre novembro de 1963 (ouvimos um dos protagonistas dizer: “Você viu? Mataram o Kennedy”) a abril de 64 (o professor subversivo arruma as malas e foge do golpe).
De outro lado, porém, estavam os atores e o público – então maciçamente nascidos nos 60 –, sonhando com carinho o mundo que associavam aos 50, pouco antes de nascerem. Assim, o passado de “Banana Split” engloba os 50’s com os 60’s e é embrulhado para presente com o exotismo típico dos 80’s – quando os teclados Yamaha da trilha de Sergio Saraceni vêm à tona fica difícil não nos lembrarmos da época em que o filme foi produzido.
Da mesma forma, personas cinqüentistas como Chubby Checker, James Dean, a turma da Miguel Lemos e a menção à curra de Aida Cury convivem com o medo dos “comunistas” e das greves – situações que deixam claro o 1o. abril de 1964, na década seguinte. Tudo é “passado”, portanto. “Memorabilia” simplificada para ser consumida em um filme de verão, leve e descompromissado.
A trama se passa em Petrópolis, terra natal do diretor. A turma de Nei (André Felippe), Cabelinho (Felipe Martins), Bambolê (Anderson Muller), Laura (Mariana de Moraes) e Carminha (Tássia Camargo) se eriça com a chegada dos cariocas, que simbolizam o supra-sumo da modernidade.
Jane (Myrian Rios), Ted (Marcos Frota, também ator em “Os Bons Tempos...”), Boca (Roberto Bomtempo) e Lia (Alexandra Marzo) debutam numa cortina de fumaça, com a trupe de carros rabo-de peixe subindo a serra para a agradável cidade de veraneio. Os pneus cantam e soltam as frases de efeito: “Petrópolis, este verão promete!”, ou “Meu perfume favorito é a gasolina!”.
Claro está que para cada gangue existe um galã (Nei vs. Ted), uma diva (Laura vs. Jane), um melhor amigo (Cabelinho vs. Boca) e uma melhor amiga (Carminha vs. Lia). Brigas, pílulas de embalo, amassos, tudo corre dentro do previsto, somados porém a alguns dados interessantes: participações de Wilson Grey (Nelsinho, dono da sorveteria), Paulo Villaça (Dr. Pacheco, diretor de um clube) e Paulo César Peréio (Bem-Te-Vi, o aloprado do lugar, que balbucia frases desconexas).
Além disso temos ainda a co-produção entre Roberto Bakker e um empresário do jogo do bicho, Aniz Abrahão David; e a inesperada assistência de direção da promoter Liége Monteiro de Carvalho. Faltou mesmo a colaboração de Carlos Imperial, que ainda vivo em 1987, poderia ter prestado uma consultoria valiosa na base das “Memórias de Um Cafajeste” – livro auto-biográfico/ficcional, no qual narra a adolescência conturbada em Copacabana ao longo dos anos 50.
“Banana Split” alcança a intenção de um passatempo direto e eficaz, sem muitas invenções. Hoje, possivelmente a volta seria aos 80, ao Rock In Rio, aos fiscais do Sarney, à recessão. E olhando em “Banana Split” o exemplo bem acabado de versão anterior do mesmo fenômeno, é bom começarmos a temer: será que em 2026 os ataques do PCC serão lembrados com nostalgia? O Lula e o Bush? As CPIs? Tudo isso regado ao som de Franz Ferdinand e mentiras idealizadas para os nossos filhos imberbes, seja o que Deus quiser.
Nos EUA, estas chamadas “ondas de nostalgia” tem até um divisor de águas: o filme “American Graffiti” de 1973, que ao abordar uma visão idílica do final da década de 50 – a era pré-Beatles, em uma nação entupida de dinheiro e poder – espalhou feito doença pelo mundo a ilusão dos “anos dourados” regados a Elvis Presley, The Platters e modismos adjacentes.
No Brasil o fenômeno encontrou ressonância menos de dois ou três anos depois, principalmente nas novelas da Globo: “Escalada” de 75 e “Estúpido Cupido” de 76 são os melhores exemplos.
E como os anos 60 – da psicodelia, dos hippies e das manifestações de 1968 – ainda pareciam muito próximos em meados dos 80, a adoração sobre o final dos 50 durou um bom tempo – e, com certo atraso, chegou às telas grandes. Foi o caso não apenas de “Banana Split” (1987), mas também de “Os Bons Tempos Voltaram: Vamos Gozar Outra Vez” (1985). Nas novelas oitentistas, tivemos ainda “Bambolê” e a minissérie “Anos Dourados”, esta transformada em marco importante da teledramaturgia brasileira, por conta do inexperiente e talentoso elenco posto à prova.
O problema é que em “Banana Split” percebe-se uma divisão afetiva. De um lado, o diretor Paulo Sergio de Almeida (nascido em 1945) e os roteiristas Mário Prata (1946) – autor de “Estúpido Cúpido” – e Flávio Moreira da Costa (1942). Os três falavam do que viram ou compreenderam in loco da juventude e que no filme deveria atender a um período que se estende entre novembro de 1963 (ouvimos um dos protagonistas dizer: “Você viu? Mataram o Kennedy”) a abril de 64 (o professor subversivo arruma as malas e foge do golpe).
De outro lado, porém, estavam os atores e o público – então maciçamente nascidos nos 60 –, sonhando com carinho o mundo que associavam aos 50, pouco antes de nascerem. Assim, o passado de “Banana Split” engloba os 50’s com os 60’s e é embrulhado para presente com o exotismo típico dos 80’s – quando os teclados Yamaha da trilha de Sergio Saraceni vêm à tona fica difícil não nos lembrarmos da época em que o filme foi produzido.
Da mesma forma, personas cinqüentistas como Chubby Checker, James Dean, a turma da Miguel Lemos e a menção à curra de Aida Cury convivem com o medo dos “comunistas” e das greves – situações que deixam claro o 1o. abril de 1964, na década seguinte. Tudo é “passado”, portanto. “Memorabilia” simplificada para ser consumida em um filme de verão, leve e descompromissado.
A trama se passa em Petrópolis, terra natal do diretor. A turma de Nei (André Felippe), Cabelinho (Felipe Martins), Bambolê (Anderson Muller), Laura (Mariana de Moraes) e Carminha (Tássia Camargo) se eriça com a chegada dos cariocas, que simbolizam o supra-sumo da modernidade.
Jane (Myrian Rios), Ted (Marcos Frota, também ator em “Os Bons Tempos...”), Boca (Roberto Bomtempo) e Lia (Alexandra Marzo) debutam numa cortina de fumaça, com a trupe de carros rabo-de peixe subindo a serra para a agradável cidade de veraneio. Os pneus cantam e soltam as frases de efeito: “Petrópolis, este verão promete!”, ou “Meu perfume favorito é a gasolina!”.
Claro está que para cada gangue existe um galã (Nei vs. Ted), uma diva (Laura vs. Jane), um melhor amigo (Cabelinho vs. Boca) e uma melhor amiga (Carminha vs. Lia). Brigas, pílulas de embalo, amassos, tudo corre dentro do previsto, somados porém a alguns dados interessantes: participações de Wilson Grey (Nelsinho, dono da sorveteria), Paulo Villaça (Dr. Pacheco, diretor de um clube) e Paulo César Peréio (Bem-Te-Vi, o aloprado do lugar, que balbucia frases desconexas).
Além disso temos ainda a co-produção entre Roberto Bakker e um empresário do jogo do bicho, Aniz Abrahão David; e a inesperada assistência de direção da promoter Liége Monteiro de Carvalho. Faltou mesmo a colaboração de Carlos Imperial, que ainda vivo em 1987, poderia ter prestado uma consultoria valiosa na base das “Memórias de Um Cafajeste” – livro auto-biográfico/ficcional, no qual narra a adolescência conturbada em Copacabana ao longo dos anos 50.
“Banana Split” alcança a intenção de um passatempo direto e eficaz, sem muitas invenções. Hoje, possivelmente a volta seria aos 80, ao Rock In Rio, aos fiscais do Sarney, à recessão. E olhando em “Banana Split” o exemplo bem acabado de versão anterior do mesmo fenômeno, é bom começarmos a temer: será que em 2026 os ataques do PCC serão lembrados com nostalgia? O Lula e o Bush? As CPIs? Tudo isso regado ao som de Franz Ferdinand e mentiras idealizadas para os nossos filhos imberbes, seja o que Deus quiser.
9 comentários:
ANDRÉA vc é um bebê ainda e tenho certeza de que não viu Estúpido Cupido na TV. Eu me lembro muito bem, tinha as trilhas nacional e internacional e me lembro de que toda novela era em Preto e Branco e no ultimo capítulo era em cores com citação do Dona Flor e seus Dois Maridos que duas personagens muito conservadoras vão ver no cinema. Dessa onda de filmes acho o bagaceira Os Bons Tempos Voltaram-Vamos Gozar Outra Vez com a Carla Camurati um luxo...
Andréa, concordo com o Carrard, vc não tem idade para lembrar de Escalada e Estúpido Cupido. Mas eu tb não lembrava desse final da novela :)
E também gosto do Bons Tempos Voltaram. Agora me deu vontade de ver esse Banana Split.
Esse post está um saudosismo só! :)
Beijos!
Pra mim, 'Banana Split' passa de um simples passatempo, à uma reflexão do futuro. Em pensar que nos próximos anos, o que vemos, consumimos, ouvimos e vivemos, será lembrado em alguma seção nostálgica. Talvez essa 'nostalgia' nos traga uma consciência não só humanizada (para mudarmos o nosso país, cheio de corrupções), mas também faça com que a gente 'curta' mais a vida, porque cada segundo que passa é um milagre que não se repete.
Bem, não vi ESTÚPIDO CUPIDO na TV, o que parece óbvio. Mas defendo os Bons Tempos, é a melhor coisa que o Ivan Cardoso fez em cinema. É uma das últimas participações do genial Carlos Imperial. Tem Tião Macalé também. O segundo episódio é muito engraçado, o personagem feito pelo Dionísio Azevedo é genial. Nossa Andréia eu gostaria muito de achar esse livro do Imperial num sebo, nunca achei infelizmente. Deve ser como o livro do David Cardoso (o novo) "Autobiografia do Rei da Pornochanchada" já viu ???
Curiosidade: quem diria, o Marcos Frota, estudou com o meu pai há muitos anos atrás acho que somento no colegio genisial sei lá. Mas meu pai sempre fala bem mal dele, ele era meio metido a besta.
A minha geração é das CPIs, PCC, essas coisas. Também não acho grande coisa pra relembrar, mas fazer o que né ?
Marcelo, não vi mesmo rs Mas lembro dos meus primos mais velhos ficarem meio enciumados com a trilha internacional em lp (lp!). "Os Bons Tempos Voltaram" é outro bem anos 80. Em 85 já tinha 9 anos, pedi para ver "Os Bons Tempos" no cinema e não me deixaram rs
Sergio, o Marcelo fez a nossa alegria relembrando o último capítulo de uma novela que, aliás, poderia ser reprisada. Até hoje não saiu o canal de novelas na tv a cabo, prometido há anos. Quem sabe um dia? Beijos!
Anônimo, como havia falado, acho que os filmes são lançados com um propósito e alcançam outro, mesmo porque os públicos vão se modificando com o tempo. Tomara que ao menos a nostalgia sirva de referencial :)
Matheus, comprei o "Memórias de um cafajeste" numa feira de livros na universidade. De lá pra cá, nunca mais vi. Se achar outro, te dou um toque. Olha, não se parece com a Autobiografia do David Cardoso. O do David tem a pretensão de ser completo, com dados, datas, fotos. O do Imperial fica entre a ficção e a realidade, um livro curto, incomparável. Ou seja, o mercado editorial está devendo uma bio mais detalhada do Impera.
Andrea, seu texto é uma delicadeza só. Adorável. Nem acho Banana Split um filme interessante, mas ele traz á tona esse estranho fenômeno que vc colocou: o nosso saudosismo meio atrasado. Os anos 50 foram cultuados lé pela metade dos anos 80!!! Gostei muito do adjetivo que vc colocou referente a essa década (80): exótico (na verdade foi exotismo, mas vc entende, né?). Eu nunca tinha pensado nisso! Beijão!
*seu blog já está nos meus favoritos
Alô, galera, não querendo fazer propaganda de site, mas já fazendo, ambos os livros estão à venda na Estante Virtual.
(cara Andréa Ormond, se essa informação não tiver nada a ver com o propósito dos comentários, sugiro avisar ao amigo Matheus Trunk em "off"...). Valeu!
Alguém sabe onde posso ver banana split com imagem boa?
No YouTube tem mas a imagem está muito escura.pena.
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