quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Os Imorais


Até onde chega a morbidez das falsas convicções humanas? Esta parece ser a questão pertinente de “Os Imorais” (1979), filme obscuro e interessantíssimo, dirigido por Geraldo Vietri, homem que a história do audiovisual brasileiro normalmente associa às novelas, sendo praticamente sinônimo da velha Tupi de São Paulo. Mas com a competência que empregava na tela pequena, Vietri fez uma curta e bela filmografia, onde “Os Imorais” talvez seja a jóia esquecida.

Geraldo Vietri era um paulistano apaixonado, mas, paradoxo, a São Paulo de “Os Imorais” – dirigido, roteirizado e montado por ele – é uma cidade terrível de se viver, muito próxima à realidade da verdadeira São Paulo dos anos 70, sem licenças poéticas ou saudosismos da província opulenta.

A história gira em torno de Gustavo (Paulo Castelli), jovem e pobre cabeleireiro que mora em um edifício de quitinetes, onde a única paisagem possível é o Minhocão, que dia e noite, produz um barulho ensurdecedor. Gustavo se apaixona por Mário (João Francisco Garcia) e este por sua vez está interessado em dar o golpe do baú na rica Glória (Sandra Bréa). O que poderia ser uma comédia de costumes, no entanto, é um sinistro, denso e teatral estudo da natureza humana.

Gustavo se humilha, armando no dia do próprio aniversário a situação ideal para que Mário visite o moquifo a que chama de apartamento. Finge que Glória virá visitá-lo, mas na verdade ele nem a conhece direito. Tenta de todas as formas fazer com que Mário compartilhe a mesa posta (para ninguém) cheia de doces e bolo, mas Mário rechaça as comidas e a comemoração, ansiando por Glória, que obviamente não aparece. Quando nota a armadilha, Mário simplesmente vai embora, deixando o aniversariante sozinho, em uma seqüência melancólica que causa mal-estar no espectador.

Pouco a pouco, Gustavo dobra Mário. Na verdade, precisa dobrar primeiro o seu machismo, o que consegue com ar fraternal de companheiro e confidente. Existe certa sexualidade perversa explicitada no desencadeamento mental de Gustavo, que ao mesmo tempo sofre e fantasia os interlúdios entre Mário e Glória, nos quais atuaria como voyeur .

Sendo antes de tudo um ingênuo, um ignorante, o brutalizado Mário transpira certezas e convicções. O roteiro é perfeito em nos enganar, pois parece claro que a trama gira em torno da tortura de um homossexual infeliz pelo amigo mau-caráter. Fica a impressão de que o jovem Gustavo dará sua vida por Mário – e que Mário tomará de Gustavo aquilo que lhe parecer interessante.

Mas a história sofre uma reviravolta e Mário se encanta por Gustavo. Enquanto isso, este conhece uma moça e começa a namorá-la. Faz planos de casamento e de morar com ela em outro lugar, longe do Minhocão. Então, é a vez de Mário se desesperar – e pouco a pouco sua máscara vai desmoronando, até o êxtase final, de culpa, dor e amor gay.

Vietri é brilhante em construir na trama a relativização da moral, pois superficialmente parece dizer, a princípio, que o homossexualismo é um poço de desgraça e solidão. Retirada a hipocrisia, por trás dela está a incapacidade do ser humano em controlar seus instintos e desejos – por mais absurdos que sejam ou possam parecer.

Se você é alguma coisa, apenas esconde, nunca deixa de ser – resta de mensagem, neste filme digno de figurar entre as melhores coisas que o cinema paulista produziu. Uma pena que não seja encontrado em lugar algum, tendo sido lançado em vídeo no início dos anos 80, para nunca mais.

41 comentários:

Anônimo disse...

Vi na tv um tempão atrás,muito bom
esse filme...uma pena que obras assim fiquem esquecidas...

Anônimo disse...

Cara Andréia, graças a seu belo comentário fiquei bem curioso a esse filme, que coisa interessante, nosso cinema é muito rico mesmo. Nunca vi nada do Vietri, mas parece um verdadeiro "estudo humano", embora o título nos lembre sempre de pornochanchada e sacanagem, que coisa espantosa foi o nosso cinema nesses anos.

Recebi e-mail do Josué e mandei um de volta a você Andréa, não sei se você recebeu. Se recebeu me diga, sençao te mando outro. Abraços !!
Matheus

Andrea Ormond disse...

Oi Dr. Lorax, "Os Imorais" é difícil de encontrar, tenho em vhs. Vc viu em qual emissora?

Oi Matheus, o título lembra esse clima meio erótico um pouco mais diluído, sem palavras "fortes". O Vietri conseguiu o tom certo, dispensando aquelas hipocrisias de sempre. Não recebi o email, mas enviei outro depois de ler o comment.

Anônimo disse...

Andréia...
Assisti a este filme já me preparando antes de qq coisa como sendo mais um filme da Sandra Bréa, pois na capa da fita VHS ela aparece semi-nua. Mas ledo engano: "O que poderia ser uma comédia de costumes, no entanto, é um sinistro, denso e teatral estudo da natureza humana" como vc menciona de forma certeira!!! Parabéns por esta soberba análise!!!!
Cassiano

Andrea Ormond disse...

Oi Cassiano, é verdade, a capa do Vhs engana muito, com a Sandra e o João Francisco deitados na cama, parece uma comédia italiana :)

Anônimo disse...

Quase trinta anos após ter visto esse filme (na época de seu lançamento), encontrei por acaso nessa página, uma análise que traduz exatamente tudo o que, com certeza, não foi notado naquela época. Assim como foi mencionado por alguns com relação à cópia em VHS, esse filme foi recebido pelo grande público como “um filme de Sandra Brea”. Ainda me lembro de o quanto a interpretação do então iniciante Paulo Castelli me impressionou. O "mal estar" causado pela seqüência mencionada, é na verdade resultante de uma profundidade e vigor que raramente se via naquela época, quanto era abordado o tema do homosexualismo. Parabéns, Andréa, pela sensibilidade ao comentar essa pequena jóia esquecida no tempo.

Anônimo disse...

oi Andreia Parabens pela, analise tao precisa deste filme eu senti essa reacao e mau estar ao qual vc descreveu tao bem, por isso nunca esqueci deste filme, e ja se vao 27 anos. gostaria de conseguir copia nao so deste filme mas de outros que tambem marcaram uma epoca bonita do cinema brasileiro

Anônimo disse...

Vi esse filme no cinema e simplesmente o adorei. Cheguei até a levar minha mãe no filme pra ver o que ela ia dizer sobre a história. No fundo queria ver a reação dela diante de uma história que abordava um tema tão difícil de ser abordado naquele tempo (o homosexualismo) Corro atrás desse filme e de informações sobre o João Francisco Garcia, o cara que fazia o papel do 'hétero' que acaba se envolvendo com o personagem do Paulo Casteli. Não consigo informações sobre esse filme. Vi que alguém aqui viu esse filme na Tv. Se foi co Canal Brasil eu agora tenho tv a cabo e corro atrás desse filme pra gravar. Muito bom e tb o seu autor Geraldo Vietri . Gostei de relembrar esse filme nesse site. valeu!!!

Julio Marinho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
J B Margalho disse...

Eu vi este filme quando era bem jovem e nunca mais o revi,mas nunca esqueci a história.Lindo e comovente,principalmente pela atuação do ator Paulo Castelli.Gostaria muito de reve-lo,quem soube onde posso encontrar pelo menos video.Ainda trazia no elenco Sandra Brea que é uma estrela lindissima e injustamente esquecida.

Eddie disse...

Assisti os Imorais no cinema, e com certeza tambem senti esse mesmo mal estar,que ja foi tao citado,aqui no blog fiquei impresionado com a abordagem do tema, a atuacao dos atores e ao desfecho inesperado da historia. encontrei esse filme e muitos outros em um site de um cara que vende filmes antigos.

Anônimo disse...

Vi esse filme ontem, no Canal Brasil, e é surpreendentemente bem feito e cheio de excelentes atuações: Paulo Castelli, João Francisco Garcia, Sandra Bréa, Elizabeth Hartman, Denis Derkian, Aldine Muller...Vale a pena!

Papai Urso do Interior disse...

Simplesmente ESSENCIAL, ñ é clichê apesar d ser feito no final dos 70... Tem uma poética e uma densidade psicológica do c*** Assisti tod d um trago só sem piscar numa madrugada d insônia no CanalBrasil. Valeu cada minuto d sono da noite perdida. Só ñ gosto nos filmes d temática glbt é q tudo sempre acaba numa tragédia, como se para o espectador entender a homossexualidade dos personagens eles tivessem sempre d morrer sem direito a happy end, ñ concordo! É injusto e cruel.

Unknown disse...

Que filme espetacular, eu simplismente ia ver um pouco e dormir mas não consegui até o filme acabar. Parecia aqueles filmes apelativos brasileiros em que você fica pensando como aquele ator ou atriz topou fazer, por ser muito baixo nível com palavrões em exceso e sexo para compensar a falta de uma história coerente. Valeu e parabéns Andrea por esse texto tão bem escrito.

Unknown disse...

Ví, este filme ontem no Canal Brasil! O Vietri é mestre absoluto. Os atores estão ótimos, o Paulinho Castelli dá um banho de interpretação, fiquei impressionadocom ele, que ator sensível!!!! Aliás, fiquei tão impressionado com o filme que procurei na internet tudo sobre o filme e achei esse blog.

Papai Urso do Interior disse...

Andréa, eu d novo... Como faço p/ adquirir essa obra de arte do cinema nacional, sabe dizer se alguém, alguma distribuidora possui os direitos para DVD? VHS quase todos q consultei tem, mas metade a gente já sabe q tá mofado pelo tempo! É uma vergonha o Brasil não ter distribuidoras para títulos antigos como esse, né não? Me revolto horrores... Se fosse uma pornochanchada qualquer ñ dava a mínima, mas esse filme tem conteúdo, ñ é só sexo gratuito ou comédia classe Z... Teu blog foi o único que fez uma resenha digna do filme, ele é realmente inesquecível... Me ajude se souber algo, ok?

Unknown disse...

Vi esse filme há muitos anos no cinema e achei super interessante. geraldo Vietri foi um grande autor de textos da Tupi e realizou esse filme que devería ser mais bem visto. Gostei muito da interpretação dos atores e procurei muito sobre o João Francisco Garcia que infelizmente não continuou a carreira e nem vejo outras indicações sobre ele. Depois de muita luta e procura consegui de um cara da Net a cópia de um cd do filme. Muito legal rever o filme. Cacá

Unknown disse...

Assisti o filme nos Anos 80 e no final quando acontece o acidente com Gustavo (Paulo Castelli), tocava uma música muito bonita, alguém sabe o nome da Música?

Helena disse...

Está passando agor no canal brasil, 5 de maio 2011, pode ser que reprise no fim de semana, tentarei gravar,

Anônimo disse...

O filme é surpreendente, denso, impressionante mesmo. Eu o assisti no Canal Brasil. Jamais imaginava que nosso cinema dos anos 70 houvesse produzido uma obra tão intensa e marcante como esta. Um show de interpretação e muita originalidade. Parabéns ao autor, aos autores e ao Canal Brasil.

Anônimo disse...

esse filme foi, antes de tudo, um retrato do próprio homossexualismo conflitante de Vietri

Anônimo disse...

Me interessei pelo filme, mas não o encontro em lugar algum, gostaria que me enviassem um o endereço de um lugar para baixa-lo, por gentileza, ou indicação de uma distribuidora que ainda possua cópias de 1979, não me interessei pelo remake de 1990, o nacional vi num trailer antigo. Deixo a disposição meu e-mail caso alguém possa me ajudar mario_3875@hotmail.com , agradeço desde já.

Hebert disse...

Muito bom o filme! Alguém sabe o nome do grupo que toca as musicas instrumental no filme? podem me responder no email hebert.alyson@oi.com.br

Anônimo disse...

Parabéns ao canal brasil por ter me dado a chance de poder conhecer essa obra maravilhosa.....mas nunca tinha visto esse ator joão francisco garcia (mauro)Alguém sabe pq ele naun atuou mais??? Ou a que se dedica atualmente???

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu vi esse filme no começo dos anos 80 na record numa sessão chamada sala especial.

Ele disse...

Antes de qualquer coisa, parabéns ao Canal Brasil. Como trabalho, só disponho dos finais de semana é que acompanho a programação do canal. E descobri uma coisa - como o nosso cinema brasileiro produziu verdadeiras jóias, naqueles anos de chumbo. Outra coisa que descobri - como eu era anta. Foi preciso quase quatro décadas para que eu pudesse apreender a beleza e a sutileza daqueles filmes. Para os fãs do Paulo Casteli - o mesmo Canal Brasil passou um filme onde ele faz o papel de um travesti, pelo qual a Regina Duarte se apaixona. Eu acho que isso foi no começo da década de 1980. Sei que atualmente ele mora em Alfaville e ganha a vida como psicólogo. Se eu me lembrar o nome do filme, voltarei aqui para registrá-lo. Uma dica - filmes brasileiros dessa época costumam constar do catálogo da "2001" uma locadora com loja na Avenida Paulista, próximo à esquina da Brigadeiro Luiz Antônio.

Ele disse...

...Só pra finalizar - não nos iludamos - apesar do computador, da internet neste mundo ainda existem milhões de pessoas, homossexuais ou não, que pelo amor fazem coisas como a personagem do Paulo Castelli fez. A problemática que o diretor põem na mesa - esconder-se de si mesmo - não é privilégio dos homossexuais. É uma problemática dos humanos.

Fernando Silva disse...

Gente, queria ter assistido ao filme ontem mas não consegui ficar acordado. Era muito tarde! Será que passa de novo? Será que tem como achar na internet?

Unknown disse...

Passou hoje 13-03-14 no canal brasil, as 00:10!bom filme!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Adoro esse filme!! Ótimo comentário!!Fiquei tão fã desse filme que hoje o Mário(joão francisco Garcia) é meu amigo de face..rsrs.Gostei do comentário mas discordei de um ponto como aquele que vc disse que o Mário queria dar um golpe do baú na Gloria,Mário tb era rico e não tinha menor interesse financeiro na Glória pelo menos foi assim que entendi.De resto o comentário tá impecável!

Unknown disse...

Outros filmes do joão francisco Garcia:Brisas do amor(o insaciavel desejo da carne)1982,A noite das depravadas 1981,loucuras sexuais 1982.Procure Brisas do amor no youtube postei o filme completo e tambem é muito bom.

Anônimo disse...

Bom... assisti o filme quando passou na Record nos anos 80 e naquela época o filme mexeu comigo, na questão homossexual. Na época eu não tinha me assumido como tal; e me identifiquei com os dois personagens (Mario e Gustavo), e isto me mudou. Gostei do fime e todas as vezes que reprisam , eu assisto.

Harley disse...

Esse filme passa toda hora no Canal Brasil, eu estou assistindo nesse exato momento 03:45 de 18/02/2016

E realmente é muito bom.

Mauricio Trindade disse...

Passando para deixar meu comentário e dizer que esse fie é simplesmente demais, uma jóia do cinema nacional, não devidamente reconhecida.

Unknown disse...

Assisti nesta madrugada. Canal Brasil. 08/06/2017. Que emoção ver o sofrer desses dois, de acordo com cada cabeca e situação. Que atores e personagens lindos. O tempo passou, mas suas imagens se congelaram pra eternidade em nossas retinas. Torci pra um final feliz. Mas nessa época era difícil. Mário e Gustavo. Eternamente em meus sonhos.

Unknown disse...

Gente, olhem isso. Pauli Castelli nunca perdeu a beleza, aos 60...
http://gshow.globo.com/tv/noticia/2016/06/paulo-castelli-conta-que-e-pouco-reconhecido-e-afirma-toda-relacao-com-o-publico-da-saudade.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_content=tv&utm_campaign=gshow+-+video+show+

ADEMAR AMANCIO disse...

Encontrei uma cópia,vou rever o ótimo filme e com galãs bonitos,coisa rara no cinema nacional,rs.E tem Sandra Bréa,estrelíssima de cima em baixo.

ADEMAR AMANCIO disse...

Uma pessoa disse que não gostou do ''remake'' de 1990,nada a ver.No mais,eu queria elogiar a resenha,sempre perfeita.

ADEMAR AMANCIO disse...

Ia me esquecendo,estou lendo uma dissertação onde o acadêmico disseca esse e mais três filmes desse período.

ADEMAR AMANCIO disse...

A editora do blog é citada na dissertação de mestrado que estou lendo,''Masculinidades excessivas e ambivalentes na pornochanchada dos anos 1980''.