O cinema brasileiro foi tão pródigo em tratar sobre a mulher e a condição feminina no país que seria impossível esgotarmos o tema. Assim, a intenção é redescobrir filmes, por mais diferentes que possam parecer.
Alberto Salvá, diretor de “Inquietações...”, não contou com mesma estrutura de produção que encontramos em “Lição de Amor” (1976), de Eduardo Escorel. Com o apoio da L.C. Barreto Produções e da Embrafilme – além do próprio Escorel – “Lição de Amor” navega com calma na reconstrução dos costumes e das modas da década de 20 do século passado.
É bom que se diga que essa estabilidade financeira não deve ser usada contra a obra, na medida em que direção e roteiro têm talento de sobra. O requinte da produção apenas facilita a vida do espectador, que submerge no cenário principal com maior tranqüilidade.
Quase todo rodado em interiores, “Lição de Amor” lembra o clássico da antropologia nacional, “História da Vida Privada no Brasil”. Ao invés das fotos em preto-e-branco, estampadas em papel offset, vemos fotos tridimensionais que falam, emocionam-se e permanecem em movimento.
Escorel – formado em Ciências Sociais pela PUC do Rio de Janeiro – deixa bastante clara a abordagem referida acima quando literalmente induz os personagens a posarem para a câmera.
Há portanto um jogo entre ficção – pois o roteiro adapta “Amor Verbo Intransitivo”, romance de Mário de Andrade – e realidade – pois a direção capta a atmosfera de um período histórico através daquelas “fotografias”: cenas congeladas em que observamos cada detalhe do quadro tal como se fosse a chapa de um daguerreótipo.
Por sua vez, a história contada em “Lição...” não é tão simples quanto parece. Senhorita Helga (Lilian Lemmertz) – alemã que vive no Brasil sonhando voltar à Europa – é contratada por um fazendeiro, Souza Costa (Rogério Fróes), pai zeloso de Carlos (Marcos Taquechel), rapaz de 15 anos de idade. Ao saber que muitos dos amigos perderam os filhos em casas de prostituição, jogatinas e drogas, Souza Costa chega à “Fraulein”.
Carlos não fica sabendo do plano, mas Souza Costa e Helga combinam que ela iniciará sexualmente o menino, além de ensinar alemão a ele e à irmã, recebendo em troca a bagatela de oito contos de réis, parte da quantia acalentada para deixar de vez os trópicos. Souza pensa ter dado ao filho uma prostituta de luxo; Helga tem outra profissão de fé:
― Eu vim ensinar o amor como deve ser. Amor sincero, elevado. [...] Hoje isto está se tornando uma necessidade, desde que a filosofia invadiu o terreno do amor. É isso o que eu vim ensinar ao seu filho.
O amor – criação do verbo intransitivo, que tem por complemento o mundo – toma Carlos completamente. Não apenas por Fraulein, mas até pelas irmãzinhas. O garoto fica mais calmo, desprezando a técnica irritante dos (pré-adolescentes) de agredir a todos para chamar atenção a si mesmo.
Helga vive a contradição entre querer os oito contos e entregar-se de corpo e alma para o garoto. A tensão acompanhará a trama até o final quando, claro, o pragmatismo vence e a empregada sai da propriedade dos patrões a bordo de um Ford bigode.
Lillian Lemmertz entende de maneira tão rica a densidade do caráter de Helga que torna-o praticamente impossível de ser assumido por outra atriz. Linda, seca, servil, intransigente, Helga a fez ganhar o Kikito do Festival de Gramado, compensando em milhões de vezes a atuação apagada de Taquechel.
Laura (Irene Ravache), esposa de Souza, também excede na atuação. De uma singeleza incrível, ela e Fróes contam uma outra história de amor. Matrona de olhar comedido, tímido, Laura abraça Carlos com imenso carinho, o mesmo que o pai sente mas refreia, deixando-o visível apenas nas atenções. Some-se a música de Francis Hime, a fotografia de Murilo Salles e “Lição de Amor” conspira ao espírito, deixa o coração leve, aponta a delicadeza como guia.
Após passar grande parte da vida profissional junto às moviolas, Eduardo Escorel deu uma escapada para direção de curtas e documentários – “Lição de Amor” é a sua estréia em longas-metragens.
Montador do Cinema Novo, ora aprendia a sumir – caso do trabalho com Joaquim Pedro de Andrade, em “O Padre E A Moça” –, ora aprendia a gritar, deixar a montagem evidente – “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, de Glauber Rocha.
Fez bem em escolher o caminho poético, co-roteirizando Mário de Andrade ao lado de Eduardo Coutinho. Em arte, ser discreto e singelo muitas vezes funciona melhor do que superstições autorais e badalação fútil. A maior prova disso é que trinta anos depois, “Lição de Amor” ainda conserva o frescor jovem, puro, semelhante ao que um dia houve entre o menino e a mulher.
Alberto Salvá, diretor de “Inquietações...”, não contou com mesma estrutura de produção que encontramos em “Lição de Amor” (1976), de Eduardo Escorel. Com o apoio da L.C. Barreto Produções e da Embrafilme – além do próprio Escorel – “Lição de Amor” navega com calma na reconstrução dos costumes e das modas da década de 20 do século passado.
É bom que se diga que essa estabilidade financeira não deve ser usada contra a obra, na medida em que direção e roteiro têm talento de sobra. O requinte da produção apenas facilita a vida do espectador, que submerge no cenário principal com maior tranqüilidade.
Quase todo rodado em interiores, “Lição de Amor” lembra o clássico da antropologia nacional, “História da Vida Privada no Brasil”. Ao invés das fotos em preto-e-branco, estampadas em papel offset, vemos fotos tridimensionais que falam, emocionam-se e permanecem em movimento.
Escorel – formado em Ciências Sociais pela PUC do Rio de Janeiro – deixa bastante clara a abordagem referida acima quando literalmente induz os personagens a posarem para a câmera.
Há portanto um jogo entre ficção – pois o roteiro adapta “Amor Verbo Intransitivo”, romance de Mário de Andrade – e realidade – pois a direção capta a atmosfera de um período histórico através daquelas “fotografias”: cenas congeladas em que observamos cada detalhe do quadro tal como se fosse a chapa de um daguerreótipo.
Por sua vez, a história contada em “Lição...” não é tão simples quanto parece. Senhorita Helga (Lilian Lemmertz) – alemã que vive no Brasil sonhando voltar à Europa – é contratada por um fazendeiro, Souza Costa (Rogério Fróes), pai zeloso de Carlos (Marcos Taquechel), rapaz de 15 anos de idade. Ao saber que muitos dos amigos perderam os filhos em casas de prostituição, jogatinas e drogas, Souza Costa chega à “Fraulein”.
Carlos não fica sabendo do plano, mas Souza Costa e Helga combinam que ela iniciará sexualmente o menino, além de ensinar alemão a ele e à irmã, recebendo em troca a bagatela de oito contos de réis, parte da quantia acalentada para deixar de vez os trópicos. Souza pensa ter dado ao filho uma prostituta de luxo; Helga tem outra profissão de fé:
― Eu vim ensinar o amor como deve ser. Amor sincero, elevado. [...] Hoje isto está se tornando uma necessidade, desde que a filosofia invadiu o terreno do amor. É isso o que eu vim ensinar ao seu filho.
O amor – criação do verbo intransitivo, que tem por complemento o mundo – toma Carlos completamente. Não apenas por Fraulein, mas até pelas irmãzinhas. O garoto fica mais calmo, desprezando a técnica irritante dos (pré-adolescentes) de agredir a todos para chamar atenção a si mesmo.
Helga vive a contradição entre querer os oito contos e entregar-se de corpo e alma para o garoto. A tensão acompanhará a trama até o final quando, claro, o pragmatismo vence e a empregada sai da propriedade dos patrões a bordo de um Ford bigode.
Lillian Lemmertz entende de maneira tão rica a densidade do caráter de Helga que torna-o praticamente impossível de ser assumido por outra atriz. Linda, seca, servil, intransigente, Helga a fez ganhar o Kikito do Festival de Gramado, compensando em milhões de vezes a atuação apagada de Taquechel.
Laura (Irene Ravache), esposa de Souza, também excede na atuação. De uma singeleza incrível, ela e Fróes contam uma outra história de amor. Matrona de olhar comedido, tímido, Laura abraça Carlos com imenso carinho, o mesmo que o pai sente mas refreia, deixando-o visível apenas nas atenções. Some-se a música de Francis Hime, a fotografia de Murilo Salles e “Lição de Amor” conspira ao espírito, deixa o coração leve, aponta a delicadeza como guia.
Após passar grande parte da vida profissional junto às moviolas, Eduardo Escorel deu uma escapada para direção de curtas e documentários – “Lição de Amor” é a sua estréia em longas-metragens.
Montador do Cinema Novo, ora aprendia a sumir – caso do trabalho com Joaquim Pedro de Andrade, em “O Padre E A Moça” –, ora aprendia a gritar, deixar a montagem evidente – “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, de Glauber Rocha.
Fez bem em escolher o caminho poético, co-roteirizando Mário de Andrade ao lado de Eduardo Coutinho. Em arte, ser discreto e singelo muitas vezes funciona melhor do que superstições autorais e badalação fútil. A maior prova disso é que trinta anos depois, “Lição de Amor” ainda conserva o frescor jovem, puro, semelhante ao que um dia houve entre o menino e a mulher.
2 comentários:
Oi, Andréa! Belo filme! Lilian era uma senhora atriz, e faz muita falta diante das atrocidades interpretativas que somos obrigados a ver hoje em dia :)
Muito legal essa nova série sobre a condição feminina. "Mar de Rosas" terá espaço? :) Beijo!
Oi Sergio, andei com um problema sério no meu comp, o que me impediu de postar e ver o site. A Lilian era de outro tempo, uma atriz corretissima, delicada e forte ao mesmo tempo, khouriana em ultimo grau :) E Ana Carolina não poderia faltar, "Mar de Rosas" vai entrar semana que vem :) Beijão!
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