Grande momento do cinema brasileiro, "Menino do Rio" (1982) representou epítome da geração nascida em meados dos anos 60, e que a partir de então assumiria de vez o panorama cultural do país. Não à toa foi estrelado por André De Biase, Evandro Mesquita e Sérgio Mallandro -- nomes que um futuro distante, repleto de nostalgia oitentista, adoraria como semideuses.
Foi também o filme que jogou o diretor Antônio Calmon a outro patamar de realização, infelizmente afastando-o daquilo que sabia fazer melhor: o cinema policial sem escrúpulos, desvairado, de "Paranóia" (1976) ou do clássico "Eu Matei Lúcio Flávio" (1979).
Produção da família Barreto, "Menino do Rio" anunciava novos tempos. Os anos 60 e 70 da psicanálise, de Marx, Marcuse e dos roqueiros "com cara de bandido" -- nas palavras de Rita Lee -- ficavam para trás. Nascia uma juventude saudável, ideologicamente neutra, que começaria a puxar ré ao neoconservadorismo que vivemos hoje.
Adepto deste ar bom-moço, o protagonista Valente (André De Biase) mora em local ignorado, próximo da Barra, conserta pranchas de surfe e se alimenta basicamente de peixe, vinho em garrafão e vitaminas de frutas. Seus amigos seguem o mesmo estilo: Zeca (Sérgio Mallandro), o casal zen-surfista Aninha (Cissa Guimarães) e Paulinho (Evandro Mesquita); além do agregado Pepeu (Ricardo Graça Mello).
Voam de asa-delta, fazem luau em Saquarema e até arriscam um baseado. Quem não conhecesse as noites "brilhantes" do Rio na época -- fielmente retratadas em "Rio Babilônia" -- poderia achar que a cidade mergulhara no jardim de infância. Ou que a moçada barra-pesada do Leblon, que o próprio Calmon alimentara a pires de leite em "Terror e Êxtase", tinha se mudado para Belo Horizonte.
Tanta ingenuidade cria armadilha maniqueísta, onde jovens bons se contrapõem a uma sociedade intrusa, essencialmente má, habitada pelos adultos e outros jovens "por fora". Caso de Patrícia (Claudia Magno), noiva de Adolfinho (Ricardo Zambelli), e amante de Braga (Adriano Reys). Quando namora Valente, filho de Braga, Patrícia termina cooptada pelo mundo "bom". Sua fisionomia muda. Deslumbra-se com a revelação -- em cores cítricas -- da verdade balneária.
Detalhe atraente, os nativos falam o lindo dialeto carioca, captado pouco antes de doses maçiças do Xou da Xuxa transformarem a prosódia da cidade em uma espécie de submiguxês. Também a trilha sonora interpretada por Ricardo Graça Mello e o marketing obsessivo da Energia, loja de "moda surf" em Ipanema, encantam os corações ouriçados.
Aos puristas fica o aviso de que faltou a Company -- marca onipresente na zona sul -- e a Rádio Cidade, para que o instantâneo adquirisse completa verossimilhança. Misturar praia e esportes afins com gestuais e acessórios do cotidiano começava a ganhar tintas de holocausto, marginalizando ao longo da década qualquer jovem que se recusasse a ter aparência de havaiano.
No mundo adulto, Adriano Reys bem que tenta segurar a onda, não compra vestuário em Bali e termina perdendo Cláudia Magno -- precocemente falecida aos 35 anos, em 1994 -- para o chalé do filho. Exagero da produção, o príncipe valente André de Biase surge várias vezes com o cabelo imóvel, provavelmente com boas doses de laquê Aspa.
Tamanha cafonice devolveria qualquer heroína às mãos felpudas do pai, mas Patrícia e uma amiga, interpretada por Nina de Pádua, também abusam de ombreiras e peruagem surreal. Cissa Guimarães e Cláudia Ohana, gatinhas de praia, já não caem nessas armadilhas e, de biquíni e cara lavada, atravessaram as décadas tão naturalmente apetitosas quanto deviam parecer em 1982.
Na estréia do filme, em janeiro daquele ano, à eterna má vontade da crítica somou-se certa tentativa de desmerecê-lo como reles escapismo. Salvyano Cavalcanti de Paiva, no Globo, chegou a falar em "anestésico". O tempo demonstraria que apesar da fórmula feita, do medo de errar, Calmon e Bruno Barreto -- o produtor -- geraram otimismo imenso, recompensado pelo sucesso nas bilheterias -- propiciando até uma continuação fraquíssima: "Garota Dourada" (1984).
De fato a epifania do mar, do sol e da vida coletiva era ótima de se querer na saída do cinema. De se curtir dirigindo um bugre cheio de amigos até o Pontal. E é assim que devemos nos impressionar por "Menino do Rio": idealização do que aqueles jovens gostariam de viver, de ser. Espécie de nova utopia, sobrepondo a paisagem e o bronzeado ao humanismo e à racionalidade.
Foi também o filme que jogou o diretor Antônio Calmon a outro patamar de realização, infelizmente afastando-o daquilo que sabia fazer melhor: o cinema policial sem escrúpulos, desvairado, de "Paranóia" (1976) ou do clássico "Eu Matei Lúcio Flávio" (1979).
Produção da família Barreto, "Menino do Rio" anunciava novos tempos. Os anos 60 e 70 da psicanálise, de Marx, Marcuse e dos roqueiros "com cara de bandido" -- nas palavras de Rita Lee -- ficavam para trás. Nascia uma juventude saudável, ideologicamente neutra, que começaria a puxar ré ao neoconservadorismo que vivemos hoje.
Adepto deste ar bom-moço, o protagonista Valente (André De Biase) mora em local ignorado, próximo da Barra, conserta pranchas de surfe e se alimenta basicamente de peixe, vinho em garrafão e vitaminas de frutas. Seus amigos seguem o mesmo estilo: Zeca (Sérgio Mallandro), o casal zen-surfista Aninha (Cissa Guimarães) e Paulinho (Evandro Mesquita); além do agregado Pepeu (Ricardo Graça Mello).
Voam de asa-delta, fazem luau em Saquarema e até arriscam um baseado. Quem não conhecesse as noites "brilhantes" do Rio na época -- fielmente retratadas em "Rio Babilônia" -- poderia achar que a cidade mergulhara no jardim de infância. Ou que a moçada barra-pesada do Leblon, que o próprio Calmon alimentara a pires de leite em "Terror e Êxtase", tinha se mudado para Belo Horizonte.
Tanta ingenuidade cria armadilha maniqueísta, onde jovens bons se contrapõem a uma sociedade intrusa, essencialmente má, habitada pelos adultos e outros jovens "por fora". Caso de Patrícia (Claudia Magno), noiva de Adolfinho (Ricardo Zambelli), e amante de Braga (Adriano Reys). Quando namora Valente, filho de Braga, Patrícia termina cooptada pelo mundo "bom". Sua fisionomia muda. Deslumbra-se com a revelação -- em cores cítricas -- da verdade balneária.
Detalhe atraente, os nativos falam o lindo dialeto carioca, captado pouco antes de doses maçiças do Xou da Xuxa transformarem a prosódia da cidade em uma espécie de submiguxês. Também a trilha sonora interpretada por Ricardo Graça Mello e o marketing obsessivo da Energia, loja de "moda surf" em Ipanema, encantam os corações ouriçados.
Aos puristas fica o aviso de que faltou a Company -- marca onipresente na zona sul -- e a Rádio Cidade, para que o instantâneo adquirisse completa verossimilhança. Misturar praia e esportes afins com gestuais e acessórios do cotidiano começava a ganhar tintas de holocausto, marginalizando ao longo da década qualquer jovem que se recusasse a ter aparência de havaiano.
No mundo adulto, Adriano Reys bem que tenta segurar a onda, não compra vestuário em Bali e termina perdendo Cláudia Magno -- precocemente falecida aos 35 anos, em 1994 -- para o chalé do filho. Exagero da produção, o príncipe valente André de Biase surge várias vezes com o cabelo imóvel, provavelmente com boas doses de laquê Aspa.
Tamanha cafonice devolveria qualquer heroína às mãos felpudas do pai, mas Patrícia e uma amiga, interpretada por Nina de Pádua, também abusam de ombreiras e peruagem surreal. Cissa Guimarães e Cláudia Ohana, gatinhas de praia, já não caem nessas armadilhas e, de biquíni e cara lavada, atravessaram as décadas tão naturalmente apetitosas quanto deviam parecer em 1982.
Na estréia do filme, em janeiro daquele ano, à eterna má vontade da crítica somou-se certa tentativa de desmerecê-lo como reles escapismo. Salvyano Cavalcanti de Paiva, no Globo, chegou a falar em "anestésico". O tempo demonstraria que apesar da fórmula feita, do medo de errar, Calmon e Bruno Barreto -- o produtor -- geraram otimismo imenso, recompensado pelo sucesso nas bilheterias -- propiciando até uma continuação fraquíssima: "Garota Dourada" (1984).
De fato a epifania do mar, do sol e da vida coletiva era ótima de se querer na saída do cinema. De se curtir dirigindo um bugre cheio de amigos até o Pontal. E é assim que devemos nos impressionar por "Menino do Rio": idealização do que aqueles jovens gostariam de viver, de ser. Espécie de nova utopia, sobrepondo a paisagem e o bronzeado ao humanismo e à racionalidade.
14 comentários:
Eu sou dos que assistiram no lançamento. E adorei.
Sai do cinema cantarolando as canções.
Me lembro que foi um sucesso estrondoso, mas, é curioso, não voltei para assistir a continuação, o Garota Dourada.
Esse só fui ver já depois de marmanjo, e é impressionante como é ruinzinho.
Bom, pelo menos tem Marina Lima.
Bjs
Olá Andrea! Este eu vi no cinema, mas nunca fui um fã do filme. Já Armação Ilimitada, um produto similar que fez sucesso na Globo, me cativara mais. Garota Dourada, que também assisti em seu lançamento nos cinemas, achei mesmo constrangedor de ruim. Nunca mais consegui fazer uma revisão, apesar de gostar, em geral, do trabalho da Bianca Byington. Acho que Calmon acertou mais em Nos Embalos de Ipanema, que continha uma veia política e de crítica social mais interessante, que você discutiu muito bem em post mais antigo. Mas fico pensando no fato de como um certo padrão de comportamento da juventude brasileira ou não, que passa a ser ditado a partir dos 80, vai sendo cada vez mais conservador, como você bem aponta. Hoje predomina uma rebeldia fake que é lamentável.
Márcio/MG
Se a galera do Leblon mudou para BH deve ter frequentado a célebre boate Jambalaya, onde a capital da província conheceu suas primeiras "noites brilhantes", mais ou menos naquela época...
Quer dizer, isso me contaram, eu ainda tomava Toddy na mamadeira então.
Caramba, Andrea, você viu de tudo, mesmo! "Solidão"? Eu achava que esse filme só tinha vendido um ingresso: o meu. E ele é ruim, mesmo, com força. Acho que foi o último da hoje pastora Simone Carvalho...
Adilson, tenho impressão de que "Garota Dourada" é o maior fracasso da carreira do Calmon, uma bomba. Só salvam a Marina e o Carlos Wilson. Bjs
Oi, Márcio! "Nos Embalos de Ipanema" me parece um Calmon com outro ânimo, mais cínico, e claro muito melhor :) Um filme curioso com a Bianca Byington é "Tormenta", qualquer dia falo sobre ele.
Fofão, o brilho em princípio dos 80, contam, estava a mil no país inteiro. Claro que no Rio e em Sp as coisas deviam ser mais fortes. Alguém poderia escrever um belo livro sobre isso, já que eu nasci em 77 e tb morro de curiosidade antropológica. Sobre "Solidão" em breve vou contar a incrível história desta pérola :)
Acho estranho ponderaçoes de quem nao vivenciou o início dos anos 80!
O filme foi um sucesso na época apenas por representar uma nova e incerta guinada de comportamento em tempos de nao-identidade dos jovens em tempos de transiçao da ditadura,a abertura, com a campanha das diretas-já, neo-liberalismo, new wave, AIDS, e etc...
Além de que o cinema brasileiro em anos sempre dependeu, inclusive na época, de financiamento governamental(EMBRAFILME),e mesmo com censura só se produzia pornochanchadas com relativo sucesso. E o mais engraçado: com atrizes globais como Vera Fisher, Sandra Bréa,e sério, até a Regina Casé!E contando com galas como Tarcísio Meira, Luís Gustavo...e até Xuxa!
A sacada foi muito simples: um filme "comercial"- Como hoje é SE EU FOSSE VOCE(e lógico com continuidades...)!
O filme representa estereótipos de uma nova geraçao supostamente "ligada" em novos "valores" importados de ícones da década de 60 de retorno recente ao Brasil(anistia), como a rebeldia do Fernando Gabeira de maiozinho de crochê em Ipanema, a musiquinha da Rita Lee(comercial?) "Lança-Perfume", a rebeldia da Neuzinha Brizola( já ouviu falar?)sabotando a campanha de seu pai, Leonel Brizola ao governo do Rio, o topless, o Lula, este mesmo, aproveitando as oportunidades... mas essa é outra discussao...
O filme foi endossado por Caetano Veloso, uma das melhores referencias da época! Comia todas... e nao era qualquer uma... Vera Zimmerman, a "Vera Gata", música de sucesso na época, "casando" tempos depois com a Paula Lavigne, expoente social do Rio , e hoje sua agente...
e ninguém sabia pra quem dava...
Explicando: o título do filme "Menino do Rio" pagou royalts ao Caetano por sua música homonima inspirada em Pepe, o verdadeiro "Menino do Rio" e uma de suas paixoes.., famoso na época como praticante de esportes radicais, como voos com asa delta, escaladas, etc..., além de manter um quiosque natureba na Barra, que na época frequentado em sua maioria por surfistas e pessoas descoladas e com muita grana. Pois cocaína, era loucura de "bacana"!
Pois bem, quando eu curti assistir a esse filme, já havia assistido Star Trek; Alien, a estranha, Superman, Jaws....
Antropogicamente falando, sem culpa nenhuma, eu curti o maior barato.
É uma pena que quaisquer análises deste tempo, pra quem nao viveu e curtiu se fudeu!!!!
Fazer o que! Nao tem como começar de novo...
Nós somos cafonas...
Cuidado com o aquecimento global!!
A gente peidava muito na época!!...sem culpa...
Anônimo,
Enche o saco responder a alguém que não consegue ler um texto e compreendê-lo direito. Pratico esse exercício masoquista por puro didatismo e respeito aos leitores.
A sua tosca idéia de que só deve exercer ponderações sobre uma época quem a viveu, anularia o valor dos livros de história. Afinal, como pode ter a ousadia de escrever sobre a Revolução Francesa quem não esteve, in loco, na queda da Bastilha?
Se você acha que por ter "vivido" os anos 80 guarda prerrogativa de comentar o período histórico, lamento. A esse tipo de ingenuidade onipotente dá-se o nome de solipsismo.
No mais, bravatas do tipo "É uma pena que quaisquer análises deste tempo, pra quem nao viveu e curtiu se fudeu!!!!" (sic) ilustram bem o que eu disse sobre a escalada da alienação imbecil no país.
O Tema do surf no cinema foi objeto de estudo de uma tese em Historia da UFRJ - O surfe no cinema e a sociedade brasileira na transição dos anos 70/80. Nao sei se pode botar um link da para encontrar. Me chamou atencao no filme que assisti recentemente a ausencia do trafico e das favelas no RJ, os negros tambem. Achei legal a desocontrucao do personagem nos depoimentos de quem viveu com ele e queria se defazer quanto cinismo (ja nos anos 70)
Muito boa a crítica. Ótimo site, parabéns. Agora podemos gravar esses filmes no HD da tv digital, já que passam todos no canal Brasil. Eu vi esse filme no lançamento, fez muito sucesso. Claro que não se trata de nenhuma obra-prima, sobrevivendo apenas como documento da época. O cineasta pegou a subcultura dos esportistas radicais, que já tinha crescido e aparecido desde a introdução do surf no Brasil nos anos 60, formatou, empacotou e vendeu um produto bonitinho e atraente. A música do Caetano foi inspirada no surfista Petit, não no Pepê. Petit era o tal menino do rio com dragão tatuado no braço. Pedro Mayall
Olha, na época do filme eu tinha em torno de 9/10 anos. Já o tinha visto e voltei a revê-lo hoje. Gostei do blog e vou colocá-lo nos meus favoritos.
Assisti ao filme entre 13 a 16 vezes nas telonas...o público, completamente manipulado-estou usando essa expressão de forma postiva, juro-, balançava a cabeça já nos priemiros segundos ao som de Lulu Santos e batiaos os pés no ritmo do hit csntado pelo bom ator Ricardo Graça Mellho..uma identificação palpável com aplate´ria jovem, uma trilha maravilhosa, personagens paar lá de carismáticos e no momento dó (SPOILER ALERT!!!) afogamento do ´Pixote´-apelido dado ao ´Pepeu´ pelo personagem do S. Mallandro-soluços eram ouvidos dentro do finado Cinema Ritz de Porto Alegre.
Tudo isso e nudez frontal dos protagonistas(!!!) para uma público a partir dos 14 anos!!!
AMO esse longa, mas temo revê-lo e ficar muito triste-desde que a talentosa C. Magno nos deixou.
Filmaço! Fez a transição dos jovens dos anos setenta p/ os oitenta. Trilha sonora bacana, roupas da moda e atores em plena acensão (dividindo a cena c/ outros já consagrados). Cláudia Magno de camiseta Fiorucci virou a queridinha da meninada, o mesmo se aplicado ao Biasi. Enfim, inesquecível e sempre atual! E quem nunca se pegou cantarolando: 'Garota eu vou p/ Califórnia, viver a vida sobre as ondas...".
Por um lado, um filme "água com açúcar"; por outro, mensagem de uma utopia: aquilo que todo mundo queria ter vivido. Mas um filme muito inocente e romântico, no sentido utópico: aquilo que poderia ter sido, mas não foi! Aquilo de que temos saudade, sem, no entanto, nunca termos vivido, mas que achamos que vivemos! "Viver é padecer"!
Inocência que a realidade dos próprios anos 1980 sepultaram, como no caso da personagem angelical, do sexo livre na praia, cuja atriz Claudia Magno, na realidade dos anos 1980, foi atingida pelo mal da época: a Aids: o sexo não era mais tão puro como foi!
No filme Menino do Rio a Música Menino do Rio toca no Filme Garota Dourada e no Filme Garota Dourada toca a Música Menino do Rio....
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