quarta-feira, agosto 27, 2008

O Fechamento do Paissandu


Hoje recebi a triste notícia de que o Cinema Paissandu, aqui no Rio, está prestes a fechar suas portas. Para qualquer cinéfilo, mesmo de outros estados, a trajetória do Paissandu tem um significado especial.

Inaugurado em 1960, a partir de 64 a Cinemateca do MAM tornou-se responsável pela programação da sala, distribuindo lá os títulos -- principalmente franceses -- que os cinemas comerciais recusavam.

Em pouco tempo tornou-se ponto de encontro para a intelligentsia brasileira da década. A Nouvelle Vague, o Cinema Novo, quase tudo foi visto e aprovado primeiro pela "Geração Paissandu". Grandes idéias para o cinema brasileiro também foram gestadas e debatidas naquele saguão ou no vizinho Bar Oklahoma, palco de intermináveis conversas entre as sessões.

Os anos dourados vão de 64 a 72. Em 1973 mudou até de nome, virando Studio Paissandu. Em 1984 voltou a ser somente Paissandu, e, em certa época -- essa me lembro bem, era criança e passava sempre por lá --, "Paissandu Nostalgia".

Uma necessária sobrevida aconteceu quando passou a fazer parte do Grupo Estação, no alvorecer dos anos 90. Inaugurou-se um complexo de locadora de vhs, bombonière e clube de livros, onde muita gente -- eu inclusive -- leu seu primeiro Fitzgerald.

Nos últimos anos o Paissandu virou cinema de bairro, um pouco desconfortável, mas datado, bonito e atmosférico, com suas poltronas vermelhas e sofás para ver o filme em grupo de amigos. Lembro de ter assistido lá várias vezes "O Filho da Noiva" e outros filmes argentinos que amo. Não sei por que, mas gostava de ver filme argentino no Paissandu.

Como é um cinema de rua à moda antiga, com uma única sala, parece que deixou de dar lucro, e, a exemplo do Odeon, na Cinelândia, necessita de um patrocinador para se manter vivo.

Recebi email do Fábio Coutinho, que organiza um abaixo-assinado, na intenção de sensibilizar alguma empresa a não deixar mais uma parte da história cultural do país virar drogaria ou igreja evangélica. O documento pode ser lido em http://www.petitiononline.com/15121960/petition.html

Peço aos leitores -- de todo o Brasil, não só do Rio -- que dêem uma força e assinem. Não custa nada. Ainda dá tempo de reverter o fechamento e, quem sabe, nossos filhos e netos nos agradecerem um dia.

Beijos e um eterno chopp gelado na Senador Vergueiro, depois da sessão da meia-noite no Paissandu.

10 comentários:

Anônimo disse...

Acho que a destruicao do Paissandu representa a falta de iniciativa dos governantes. Por isto nos é que temos que nos unir e isto ja esta sendo feito. Parabens pelo blog e por este belo texto. Abs Rodrigo Souza-RJ

Anônimo disse...

Já dei minha contribuição :)
Ótima iniciativa essa. Seria bom que fosse tomada cada vez que houver a ameaça de fechamento de um cinema. Beijo!

Anônimo disse...

Lindo. :)

Agente X9 disse...

Cines Marrocos, Metro & Ouro em São Paulo: templos do cinema de São Paulo, que, por falta de iniciativas como esta, acabaram virando templos de outra natureza... e, TEJE ASSINADO. Abs. Gilmar

André Setaro disse...

Tive a sorte, embora morando em Salvador, de fazer parte da chamada Geração Paissandú, porque nos anos 60 passava grandes temporadas no Rio de Janeiro (cidade na qual nasci e de onde só vim a sair já na adolescência mas sempre a retornar). Era uma época de ouro. Vi, neste cinema, muitos godards, bressons, truffauts, resnais, etc, e, na saída, costumava me sentar num daqueles bares a beber chopps, a conversar sobre os filmes. A visão destes e a troca de idéias depois proporcionavam um entendimento maior do filme apresentado. O cinema Paissandú, dessa forma, além da informação filmográfica, proporcionava também uma formação de platéias.

Nunca se viu, na história do cinema, uma época tão efervescente em termos de oferta de grandes filmes. Tanto é que, para se fazer a tradicional lista dos melhores do ano, tinha-se trinta, quarenta filmes, para uma triagem que resultasse dez. Nos dias atuais, há um esforço para procurar encher uma dezena.

O cinema Paissandú deveria ser, urgentemente, tombado. Destruí-lo é um crime de lesa-cinema e um golpe na cultura brasileira.

Andrea Ormond disse...

Rodrigo, Sergio, Luiz, Gilmar, André: petição assinada, Paissandu fechado, mas acho que muita novidade vem por aí. Um provável tombamento, quem sabe? Absurdo seria acabar com mais um cinema-símbolo, quando existem exemplos parecidos de reconstrução que deram certo. O ex-caquético cine Odeon no Rio voltou a ser ponto de referência cultural e afetivo na cidade. Falta injetar dinheiro, não apenas no Paissandu mas em outros referenciais urbanos. Se não for pelo lado altruístico da coisa, as leis de incentivo estão aí para isso mesmo... Abraços

Rafael de Luna disse...

Esse drama feito pela imprensa carioca sobre o fechamento do Cinema Paissandu foi uma atitude estratégica marketeira do Grupo Estação em busca de um patrocinador para manter o cinema, que, eles próprios, maltrataram nos últimos anos, mantendo uma programação de reprise e o excluindo do Festival do Rio. Um grupo que tem entre suas diretoras a Secretaria de Cultura do Estado, Adriana Rattes, e que opera sempre no esquema "gasto mínimo, lucro máximo", disfarçando um capitalismo atroz com um verniz cultural. Não importa o filme que passe, um cinema como o Estação Botafogo salas 2 e 3, com ingressos caríssimos, telas minúsculas e som péssimo é um acinte a qualquer espectador. O sonho do Estação é ter o Paissandu como o Odeon BR - um cinema subvensionado, em que o risco é zero e o lucro é alto (ainda mais alugando para pré-estréias mundiais de filmes como 300 ou Blindness). O Estação está em busca do quase toda a classe cinematográfica quer no Brasil: ser sustentada pelo Estado. Produção subvensionada, distribuição subvensionada e até a exibição subvensionada. Eu quero meu ingresso subvensionado também! Se o Estação da Gávea é patrocinado pelo VIVO, porque o preço do ingresso é igual ou mais caro que o do multiplex? Como foi desvendado pelo próprio Globo, os proprietários do Paissandu - os irmãos Valansi, que alugaram o cinema que virou o Arteplex e donos do Paissandu nos áureos anos 60 - nunca pensaram em vender o cinema. Esssa "ameaça" do Paissandu fechar é um terrorismo dos inquilinos do Estação com medo de perderem o espaço que eles próprios largaram às moscas.

Nirton Venancio disse...

Sempre que eu ia ao Rio ia logo ver um filme no Paissandu. Adorava aquele clima de cinema na essência: na tela, nas conversas que se seguiam. É uma pena toda essa memória ameaçada...

Anônimo disse...

cinema é um negócio.

Ninguém é obrigado a assistir a um filme.

Se ninguém quer ver um filme no paissandu, porque o paissandu não pode ser fechado?

Andrea Ormond disse...

Independente do motivo, Rafael, o fato é que o cinema fechou. Entendo o que vc diz, e se o fechamento é aproveitado politicamente ou se ocorreu por motivos pouco elevados, aí é um mérito da questão que deveria ser investigado com calma. De qq forma, a saga do preço do ingresso no Brasil é algo problemático, e se liga a um esquema de distribuição que tirou os nanicos da jogada e burocratizou o acesso aos filmes, que acabam sendo encontrados por valores exorbitantes. Com a palavra, os exibidores.

Pois é, Nirton, tremenda falta de visão. Se não virar drogaria ou lanchonete, pelo menos já é alguma coisa...

Simples: porque o Paissandu agrega valor aos filmes. Porque se o cinema é "negócio", negócio tb envolve bens imateriais que não à toa são protegidos pela própria legislação empresarial. "Comércio" não significa vender um produto, pegar dinheiro e dar o troco ao cliente. Da mesma maneira, a arte e a memória cultural de determinado lugar não podem ser submetidas a uma visão tosca da realidade. Na próxima, assine o comentário.