Filmes como “Love Letters of a Portuguese Nun” de Jess Franco, ou o mexicano “Alucarda”, celebram um estranho gênero cinematográfico: o nun-exploitation, a discutível tentativa de se ganhar dinheiro no cinema com filmes de temas supostamente “religiosos” (no caso dos nuns, a esquematização gira quase sempre em volta da vida secreta nos conventos, repleta de sexo, drogas e no lugar do rock and roll, religião). Outros filmes como “Stigmata”, do final dos anos 90, também trazem o filão da religião à tona, de forma explorativa e polêmica, convertendo em fé aquilo que deveria ser apenas entretenimento.
Mas só no Brasil (ah, o Brasil...!) se criou um gênero exploitation único, original, envolvendo temas religiosos cristãos: o espiritismo exploitation. Maior país espírita kardecista do mundo, o cinema brasileiro pode e deve encontrar no kardecismo temas e variantes sensacionais. É o caso de “Joelma, 23o,. andar” (1979), adaptado por Dulce Santucci a partir de um livro psicografado por Chico Xavier. Narra-se, do além, a desencarnação de vítimas na tragédia do Edifício Joelma, São Paulo, ocorrida em 1o. de fevereiro de 1974.
“Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência”. Contradição em termos, desprezem este aviso porque se fosse desta forma, qual a graça de se rodar e divulgar um filme sobre o evento ressaltando-se a presença de Chico? Vamos ao que de fato interessa.
O incêndio do Joelma entrou para a história – assim como o do Edifício Andraus e o do Andorinha. 184 morreram. As imagens da época não deixam mentir sobre o estardalhaço geral. Milhares de transeuntes acochambrados no viaduto da Praça da Bandeira, ou pela televisão, acompanhavam o drama como se numa mistura de pão e circo, aderindo ao voyeurismo tétrico que sempre se vê em ocasiões do gênero. Resumindo: público havia para “Joelma”, dinheiro foi levantado e o roteiro seguiu um cerimonial kardecista para contar o depoimento de Lucimar (Beth Goulart, aos 15 anos), universitária que trabalhava no vigésimo terceiro andar do prédio.
Os computadores jurássicos, de uns 500 quilos, ocupando paredes inteiras no setor de Lucimar, acentuam o acabamento cuidadoso da produção – até o fogo não é de brinquedo e recria com veracidade os momentos de tensão mais claustrofóbica. Jesse James Costa – assistente na produção – encarna um sobrevivente que escalou as paredes externas do Joelma, andar por andar. Sim, isto aconteceu na vida real, por mais absurdo que pareça.
Quanto a detalhes técnicos do conjunto, percebe-se no branco e preto uma escolha acertada para costurar o tom sério da religião com o estilo documentarista de antigos programas como “Globo Repórter” e “Amaral Neto”. Passo a passo, a história de Lucimar é desvendada.
Menina doce, que “pressentia a brevidade da vida” e auxiliava os próximos, esquecendo de si mesma. Não namorava, só estudava e trabalhava, boa filha, irmã, amiga. Do tipo que come empadinhas feitas pela mãe e vibra quando saem para fazer compras juntas.
Tem visões, sonhos, e em um deles sente labaredas enormes – maiores do que as que quase avançam sobre ela, ao ligar um simples fogão. Espiritualizada, quando passa em frente a livros de Chico Xavier inicia um transe no qual, assustadísimos, vemos o rosto congelado de Chico, produto da montagem pra lá de espectral.
A direção de Clery Cunha – atuou no adolescente “A Virgem” (1973), ao lado de Kadu Moliterno e Nadia Lippi – faz pouco para atenuar a verdade maior de “Joelma”: o culto à personalidade de Xavier, um profeta emblemático para dar sentido à catequese do filme. Ouvimos lições de esperança para aqueles que ficaram na Terra e choram os entes queridos. Provavelmente aumentou a romaria à cidade de Uberaba, onde o médium dava consultas, distribuía comida aos pobres e fazias preleções à sombra de uma árvore.
Inegável que os arquétipos convencionais esgotam a paciência de quem quiser ser um pouco mais cético. Estão no filme todos os clichês possíveis, semelhantes às dos folhetins-padrão. Vejamos: a menina pura, a mãe sofredora, o irmão boa-praça, o comerciante gordo, rico e prepotente que fuma charutos, a valorização do trabalho árduo acima do prazer e do dinheiro.
É preciso juntarmos, porém, dois fatores de “Joelma” para refletirmos sobre a sua originalidade. Primeiro: o filme é realmente primitivo ao falar sobre bondade como um atributo estanque. Lucimar é boa, mas tão boa que dói, e só alguns conseguiriam ser fora das câmeras ou dos livros da “Biblioteca das Moças”. Segundo fator – e este sim a ser lembrado –: o filme sai fortalecido de uma análise mais cuidadosa.
“Joelma, 23o. andar” capricha nos tons bombásticos, na falta de tato, vai direto ao caos. Devemos nos aproximar dele com lupas de aumento, deixando ainda mais claro o quanto a linguagem é pitoresca. Apesar de não ser entronizado nos cânones mais “respeitáveis”, faz vibrar a sensibilidade dos pesquisadores e cinéfilos de plantão, conseguindo resultados surpreendentes, que marcam um impacto que nem todo blockbuster – carregado das campanhas midiáticas – consegue atingir. É um autêntico produto da singularidade nacional.
Mas só no Brasil (ah, o Brasil...!) se criou um gênero exploitation único, original, envolvendo temas religiosos cristãos: o espiritismo exploitation. Maior país espírita kardecista do mundo, o cinema brasileiro pode e deve encontrar no kardecismo temas e variantes sensacionais. É o caso de “Joelma, 23o,. andar” (1979), adaptado por Dulce Santucci a partir de um livro psicografado por Chico Xavier. Narra-se, do além, a desencarnação de vítimas na tragédia do Edifício Joelma, São Paulo, ocorrida em 1o. de fevereiro de 1974.
“Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência”. Contradição em termos, desprezem este aviso porque se fosse desta forma, qual a graça de se rodar e divulgar um filme sobre o evento ressaltando-se a presença de Chico? Vamos ao que de fato interessa.
O incêndio do Joelma entrou para a história – assim como o do Edifício Andraus e o do Andorinha. 184 morreram. As imagens da época não deixam mentir sobre o estardalhaço geral. Milhares de transeuntes acochambrados no viaduto da Praça da Bandeira, ou pela televisão, acompanhavam o drama como se numa mistura de pão e circo, aderindo ao voyeurismo tétrico que sempre se vê em ocasiões do gênero. Resumindo: público havia para “Joelma”, dinheiro foi levantado e o roteiro seguiu um cerimonial kardecista para contar o depoimento de Lucimar (Beth Goulart, aos 15 anos), universitária que trabalhava no vigésimo terceiro andar do prédio.
Os computadores jurássicos, de uns 500 quilos, ocupando paredes inteiras no setor de Lucimar, acentuam o acabamento cuidadoso da produção – até o fogo não é de brinquedo e recria com veracidade os momentos de tensão mais claustrofóbica. Jesse James Costa – assistente na produção – encarna um sobrevivente que escalou as paredes externas do Joelma, andar por andar. Sim, isto aconteceu na vida real, por mais absurdo que pareça.
Quanto a detalhes técnicos do conjunto, percebe-se no branco e preto uma escolha acertada para costurar o tom sério da religião com o estilo documentarista de antigos programas como “Globo Repórter” e “Amaral Neto”. Passo a passo, a história de Lucimar é desvendada.
Menina doce, que “pressentia a brevidade da vida” e auxiliava os próximos, esquecendo de si mesma. Não namorava, só estudava e trabalhava, boa filha, irmã, amiga. Do tipo que come empadinhas feitas pela mãe e vibra quando saem para fazer compras juntas.
Tem visões, sonhos, e em um deles sente labaredas enormes – maiores do que as que quase avançam sobre ela, ao ligar um simples fogão. Espiritualizada, quando passa em frente a livros de Chico Xavier inicia um transe no qual, assustadísimos, vemos o rosto congelado de Chico, produto da montagem pra lá de espectral.
A direção de Clery Cunha – atuou no adolescente “A Virgem” (1973), ao lado de Kadu Moliterno e Nadia Lippi – faz pouco para atenuar a verdade maior de “Joelma”: o culto à personalidade de Xavier, um profeta emblemático para dar sentido à catequese do filme. Ouvimos lições de esperança para aqueles que ficaram na Terra e choram os entes queridos. Provavelmente aumentou a romaria à cidade de Uberaba, onde o médium dava consultas, distribuía comida aos pobres e fazias preleções à sombra de uma árvore.
Inegável que os arquétipos convencionais esgotam a paciência de quem quiser ser um pouco mais cético. Estão no filme todos os clichês possíveis, semelhantes às dos folhetins-padrão. Vejamos: a menina pura, a mãe sofredora, o irmão boa-praça, o comerciante gordo, rico e prepotente que fuma charutos, a valorização do trabalho árduo acima do prazer e do dinheiro.
É preciso juntarmos, porém, dois fatores de “Joelma” para refletirmos sobre a sua originalidade. Primeiro: o filme é realmente primitivo ao falar sobre bondade como um atributo estanque. Lucimar é boa, mas tão boa que dói, e só alguns conseguiriam ser fora das câmeras ou dos livros da “Biblioteca das Moças”. Segundo fator – e este sim a ser lembrado –: o filme sai fortalecido de uma análise mais cuidadosa.
“Joelma, 23o. andar” capricha nos tons bombásticos, na falta de tato, vai direto ao caos. Devemos nos aproximar dele com lupas de aumento, deixando ainda mais claro o quanto a linguagem é pitoresca. Apesar de não ser entronizado nos cânones mais “respeitáveis”, faz vibrar a sensibilidade dos pesquisadores e cinéfilos de plantão, conseguindo resultados surpreendentes, que marcam um impacto que nem todo blockbuster – carregado das campanhas midiáticas – consegue atingir. É um autêntico produto da singularidade nacional.
23 comentários:
Continuo ávido leitor de seu blog, mas com menos tempo p/ colocar algum 'coment', no entanto, observei q. de uns tempos p/ cá, as escolhas tem sido muito originais. É um primor de trabalho esse seu resgate do cinema nacional, e principalmente pela mais absoluta falta de preconceitos. Um dia, certamente merecerá um livro, enquanto isso não acontece, espero em breve q. vc. fale de "O Rei da Bôca", na minha opinião, o melhor filme de Clery. Ah, e afinal, vc. viu o "Jogos" no mundo mix??
Cara Andréia,
Já vi um filme do Clery, que é OS DESCLASSIFICADOS, muito bom, muito bom mesmo, o melhor da última mostra do Remier. Era um filme policial. Gostaria muito de ver este JOELMA, que parece ser o melhor dele e o mais marcante. Se passar no Canal Brasil, devo ver. Bjos, Matheus. Vê se pass ano meu, já postei algo sobre o Imperial
oi Edu, na última hora acabei não indo sequer dar uma olhada no Mundo Mix, estou correndo muito aqui esse final de ano com um documentário pela metade e uma faculdade de direito idem ;) A partir de janeiro vou dedicar mais tempo aqui ao site, talvez aí realmente comece a merecer virar livro, com as novidades e entrevistas que planejo :) Beijão e sucesso!!
Oi Matheus, atendendo ao Edu, estou escrevendo a resenha do "Rei da Boca", que tb é do Clery. Não vi ainda "Os Desclassificados", acho que nenhum dos filmes dele está no acervo do Canal Brasil, pois nunca passaram. O "Rei da Boca" é tb um dos melhores policiais brasileiros, vou iniciar uma série longa sobre o cinema policial a partir do próximo post. Beijão!!
Só gostaria de fazer uma correção: o nome da jovem morta no Ed Joelma é VOLQUIMAR CARVALHO DOS SANTOS e não LUCIMAR.
Abraços
Anônimo, a personagem no filme chama-se Lucimar, daí eu ter citado desta forma. Deram um outro nome à jovem. Abraços.
Esse filme saiu em DVD. Vi pra vender na Fnac dia desses...
Esse filme saiu em DVD. Vi pra vender na Fnac dia desses...
Saiu há pouco tempo sim, Domingos, pela Versátil. Parece que em edição caprichada :)
Assisti esse filme há 25 anos atrás. Eu tinha dez anos, as cenas são bem pesadas. Nunca mais havia escutado falar a respeito. Muito detalhado o seu comentário.
Pena que o exploitation tupiniquim teve somente alguns títulos meritórios tal foi "Joelma 23º Andar". Um detalhe do diretor do filme é que ele filmou as duas tragédias retratadas no filme. O incêndio no Andraus e que aparece no "Joelma..." foi filmado pela Produções Cinematográficas Souza Lima, já que ele, na época dos dois incêndios, trabalhava como cinegrafista da TV Excelsior, e filmara os dois eventos. Talimagens foram vendidas pelo diretor e rodaram o mundo como forma de prevenção a incêndios. Por último, no filme "Joelma 23 andar", o diretor quis descrever algumas mortes ocorridas na hora em que o prédio ardia em chamas, visto que toda a descrição feita por ele no filme também foi captada pela sua câmera naquele dia fatídico de 01 de fevereiro de 74. Links com as cenas captadas pelo diretor nos dias de cada incêndio: http://www.youtube.com/watch?v=bGQ6D9hl8E4&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=1xS6Wa0efk4 (docimentário estadunidense com imagens do diretor.)
Abraços, Valentin (SP).
Sim, o filme Joelma 23° andar foi lançado em DVD em 2006. Eu consegui comprá-lo na Saraiva Mega Store. Eram pouquíssimos os locais para a venda. Depois tenntei comprar um para presentear uma amiga e não consegui.
O filme realmente é muito bom e as cenas reais do incêndio comovem e desperta ao telespectador uma cobrança de justiça.
É doloroso ver a cena do topo do Edifício em que as pessoas correm desesperadamente de um lado para o outro, fugindo das chamas, da fumaça, da morte! O pior é saber que a maioria que estava ali não sobreviveu.
As partes em que Chico aparece também são muito emocionantes, ele pasa paz, serenidade e muito amor.
Para a época o filme Joelma, foi sensacional.
Só acho que a edição do DVD pecou pois não aproveitou muitos recursos que deveriam ser usados em extras. Um monte de asunto poderia ser questionado e não foi!
Para quem gosta do assunto como eu, uma dica é ter além do DVD JOELMA 23°, o dvd Linha Direta Justiça - A maldição do Edifício Joelma da Ed. Globo.
Um abraço, Wania (RJ)
GOSTARIA DE SABER SE ALGUEM SABE O NOME DOS INTEGRANTES DA 1º VTR DA PM A CHEGAR NO LOCAL QUANDO DO INCENDIO.... OBRIGADO
onde comprar esse dvd?
Acha-se o filme no http://megaupload.com/?d=3NY7VZN6
Meu tio Sebastião de Souza Lima foi o produtor desse filme, foi o primeiro filme espírita produzido no Brasil.
Destaques no elenco,a atriz Liana Duval e o cantor da jovem guarda Ed Carlos.
Vi esse filme quando era bem jovem e fiquei chocado com o realismo das cenas.
Cara Andrea, o que historias de visões noturnas em incursões á cozinha ou ao banheiro ,ou sonhos densos de avisos poderiam render de filmes? O imaginario brasileiro é pródigo destas narrativas, contos de visões no espelho ou as lendas sobre os quadros dos "meninos que choram"de Bragolin.
Penso no que os mestres do explotation fariam com todo este material,e das criações de Helio de Soveral.
Abraços do Fernando Pawlow
O Computador que aparece no filme é um IBM System/370 Model 148, engraçado que esse computador é de 1976. Tenho curiosidade em saber aonde foi filmado essas cenas. Alguem sabe ?
cara Andréa, seu blog é maravilhoso e viciante! Parabéns!
Quanto ao Joelma, fiz um esforço grande para vê-lo só por causa da atriz Beth Goulart que está incrivelmente linda neste filme! Gatíssima!
Abraços, michel
Algumas observações: Beth Goulard (melhor atriz depois de Liana Duval(que fez papel de mãe dela no filme), não tinha apenas 15 anos na época das filmagens. Outra coisa, não acho que Lucimar era boa de 'doer' porque considero o comportamento dela normal. Todo mundo deveria ser daquele jeito: Bom. Entender que a vida é breve e mesmo que existe a doutrina espírita, ninguém sabe o que realmente acontece após a morte, então, sejamos bons e não tolos. Todo computador que você encontrar em um filme antigo será ultrapassado, claro, mas nunca jurássico como você coloca em todos os seus textos.
Rosangela, acho que você não entende ironia.
E Pra quê ironia nesse texto ? Desculpe se não entendi mesmo. Será que todo mundo que é bom e normal é digno de ser ironizado ?
Desculpe.
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