“Este filme é dedicado a pessôas que souberam rir e viver: Izaura Miranda Person, Jorge Affonso Bouquet, Sergio Porto, Glauce Rocha, in memoriam”.
A inscrição, vista na tela, representa uma elegia ao que iremos ver. A ambientação, Rio de Janeiro, 1972. Imagina-se a Banda de Ipanema e a turba dos corsos que passassem fora de época e viessem saudar o lendário Luiz Sérgio Person, diretor deste e de “São Paulo S.A”, um dos maiores filmes da cinematografia brasileira. Nos concentremos em “Cassy Jones” e, ao fundo, desenhem o fim da tarde no Arpoador, as mocinhas de biquíni e um nonsense genial, que mataria John Cleese e Eric Idle de inveja.
Produção da “Lauper Films”, os créditos, ironicamente, são escritos em inglês. Person também assina o roteiro, com Joaquim Assis; a música é de Carlos Imperial – o adorável e nojento canalha que faz ponta como o próprio e é citado várias vezes pelos atores. A Eastmancolor presta o auxílio luxuoso e – repetindo os anúncios da época – presenciamos “uma explosão de cores” e uma decoração chiquérrima – com direito a cama d’água com peixinhos dentro – que remetem ao que de mais fervilhante havia naquele alvorecer da década de 70.
Close no quadro de Tom e Vinícuis pendurado num bar, são os pais espirituais do que havia de belo num mundo perdido. Cassy Jones (Paulo José) é o garotão boa-vida, o sedutor magnífico, tremendo cara, “bacanérrimo”, diz a canção hipnotizante de Imperial. Rouboult – pronuncia-se “Rubú” – é interpretado por outro ícone ipanemense, Hugo Bidet. O homem que, em 1977, dispararia um tiro contra o céu da boca, sobreviveria, avisaria o crítico Alex Vianny – seu vizinho – e iriam juntos ao hospital, para morrer nove dias depois. Mas em “Cassy Jones” ele é o impagável Oliver Hardy de Paulo José, o amigo taradão, que aparece vestido de rajá indiano, pianista com peruca marrom, motorista de caminhão e, inexplicavelmente, torna-se de um dia para outro o produtor musical do show de Clara (Sandra Bréa, em sua estréia no cinema).
Percebam então que esse clima de caos é contagiante e vertiginoso. Uma mistura de deboches e referências – uma delas às comédias da Mutual, com direito a bigodão e slapstick de Mack Sennett. Outra, ao teatro de revista, encenado por Clara, dando a deixa para a entrada de Grande Otelo, em rápida aparição como bilheteiro.
Depois de um momento delusional em que pretende largar as mulheres e dar um tempo, Cassy assiste à Clara na tv, em um “quiz show” à moda de “O Céu É O Limite”, apaixona-se e persegue-a até seu palacete em Santa Tereza. No programa ficamos sabendo que a menina é orfã, mora com Dona Frida (Glauce Rocha) e é muito cortês.
Glauce praticamente não fala – este é justamente o gancho de sua personagem, assassinada numa confusa troca de tiros. O tom não é de tristeza, Frida era megera, cai ao chão com uma fisionomia e linguagem corporal hilariantes. Este seria seu último trabalho no cinema. Faleceu em 1971, aos 41 anos de idade.
Contraditório falar de uma comédia e enxergar nela um obituário acoplado. Mas o filme guarda em si estas lembranças, além de ser fruto do trabalho, sempre primoroso, de Person, falecido tragicamente. Herdeiro de uma fábrica criada pelo avô, dedicou-se ao emprego por um tempo, abandonou tudo e foi estudar na Itália.
Deu aulas na célebre Escola Superior de Cinema São Luiz, freqüentada por jovens como Carlos Reichenbach – de quem produziu o primeiro curta, “Esta Rua Tão Augusta” (1966), um exercício para sala de aula. Dirigiu, dentre outros filmes, “São Paulo S.A.” (1964) – obra-prima, conjugando a crítica à industrialização, antevista seminalmente por René Clair em “A Nós A Liberdade”, ao existencialismo sartriano –, e “O Caso dos Irmãos Naves” (1967), cujo roteiro lembra os piores delírios trash, mas baseia-se em eventos reais, ocorridos durante o fascismo psicopático do Estado Novo.
A inscrição, vista na tela, representa uma elegia ao que iremos ver. A ambientação, Rio de Janeiro, 1972. Imagina-se a Banda de Ipanema e a turba dos corsos que passassem fora de época e viessem saudar o lendário Luiz Sérgio Person, diretor deste e de “São Paulo S.A”, um dos maiores filmes da cinematografia brasileira. Nos concentremos em “Cassy Jones” e, ao fundo, desenhem o fim da tarde no Arpoador, as mocinhas de biquíni e um nonsense genial, que mataria John Cleese e Eric Idle de inveja.
Produção da “Lauper Films”, os créditos, ironicamente, são escritos em inglês. Person também assina o roteiro, com Joaquim Assis; a música é de Carlos Imperial – o adorável e nojento canalha que faz ponta como o próprio e é citado várias vezes pelos atores. A Eastmancolor presta o auxílio luxuoso e – repetindo os anúncios da época – presenciamos “uma explosão de cores” e uma decoração chiquérrima – com direito a cama d’água com peixinhos dentro – que remetem ao que de mais fervilhante havia naquele alvorecer da década de 70.
Close no quadro de Tom e Vinícuis pendurado num bar, são os pais espirituais do que havia de belo num mundo perdido. Cassy Jones (Paulo José) é o garotão boa-vida, o sedutor magnífico, tremendo cara, “bacanérrimo”, diz a canção hipnotizante de Imperial. Rouboult – pronuncia-se “Rubú” – é interpretado por outro ícone ipanemense, Hugo Bidet. O homem que, em 1977, dispararia um tiro contra o céu da boca, sobreviveria, avisaria o crítico Alex Vianny – seu vizinho – e iriam juntos ao hospital, para morrer nove dias depois. Mas em “Cassy Jones” ele é o impagável Oliver Hardy de Paulo José, o amigo taradão, que aparece vestido de rajá indiano, pianista com peruca marrom, motorista de caminhão e, inexplicavelmente, torna-se de um dia para outro o produtor musical do show de Clara (Sandra Bréa, em sua estréia no cinema).
Percebam então que esse clima de caos é contagiante e vertiginoso. Uma mistura de deboches e referências – uma delas às comédias da Mutual, com direito a bigodão e slapstick de Mack Sennett. Outra, ao teatro de revista, encenado por Clara, dando a deixa para a entrada de Grande Otelo, em rápida aparição como bilheteiro.
Depois de um momento delusional em que pretende largar as mulheres e dar um tempo, Cassy assiste à Clara na tv, em um “quiz show” à moda de “O Céu É O Limite”, apaixona-se e persegue-a até seu palacete em Santa Tereza. No programa ficamos sabendo que a menina é orfã, mora com Dona Frida (Glauce Rocha) e é muito cortês.
Glauce praticamente não fala – este é justamente o gancho de sua personagem, assassinada numa confusa troca de tiros. O tom não é de tristeza, Frida era megera, cai ao chão com uma fisionomia e linguagem corporal hilariantes. Este seria seu último trabalho no cinema. Faleceu em 1971, aos 41 anos de idade.
Contraditório falar de uma comédia e enxergar nela um obituário acoplado. Mas o filme guarda em si estas lembranças, além de ser fruto do trabalho, sempre primoroso, de Person, falecido tragicamente. Herdeiro de uma fábrica criada pelo avô, dedicou-se ao emprego por um tempo, abandonou tudo e foi estudar na Itália.
Deu aulas na célebre Escola Superior de Cinema São Luiz, freqüentada por jovens como Carlos Reichenbach – de quem produziu o primeiro curta, “Esta Rua Tão Augusta” (1966), um exercício para sala de aula. Dirigiu, dentre outros filmes, “São Paulo S.A.” (1964) – obra-prima, conjugando a crítica à industrialização, antevista seminalmente por René Clair em “A Nós A Liberdade”, ao existencialismo sartriano –, e “O Caso dos Irmãos Naves” (1967), cujo roteiro lembra os piores delírios trash, mas baseia-se em eventos reais, ocorridos durante o fascismo psicopático do Estado Novo.
Não vejo em “Cassy Jones” o que parte da crítica acostumou-se a denominar “pornô-chique”. Novamente encontro dubiedade nestas classificações. “Cassy Jones” é, sim, um happening, calcado no melhor do bom humor e no porto seguro que representava a batuta de L. S. Person por detrás das câmeras. Instados pela pergunta, assim responderiam os gaiatos, amigos de Bidet, do canto qualquer de um bar hoje fechado e esquecido no tempo: “Cassy Jones? Cassy Jones é um desbunde, puro desbunde”.
6 comentários:
Putz,que texto maravilhoso,dá vontade de ver o filme...nunca vi esse do Person...
dr. lorax, uma pena o Person ter morrido tão jovem, se ele tivesse vivo nos ultimos trinta anos com certeza a história do cinema nacional seria outra...
Este filme eu adoro! Realmente super colorido e retrato de uma época, sou apaixonada pela cama com água e peixinhos! Uma pena mesmo que quase todos já tenham morrido :-( Adoro os filmes de Person, realmente a história do cinema brasileiro seria outra se ele ainda estivesse vivo. Foi um dos primeiros filmes que vi no Canal Brasil e achei curioso a Sandra Bréa loura pois só me lembrava até então dela morena, nas novelas. Gosto da parte na qual ela dança ballet! Já ouvi dizer que este filme iniciou a chamada pornochanchada e foi mesmo no Canal Brasil que ouvi, não me lembro em qual programa. É realmente um desbunde!
Parabéns, Andrea, pelo ótimo comentário. Infelizmente muita coisa interessante da cinematografia 60´s patropi, cine marginal, Tonacci, Reichenbach, Sgarzela não saíram em mídias de consumo como DVD. Imperdoável não termos nada do Person lançado por aqui; Até mesmo Alberto Cavalcanti, nosso cineasta (acadêmico) mais internacionalista, aqui, no Brasil, é um ilustre desconhecido.
carol, o colchão dágua com os peixinhos é um luxo mesmo rs
walner, é verdade, muita coisa não saiu nem deve sair, acho q no caso do person, "são paulo s.a." não saiu sequer em vídeo esses anos todos. linkei teu blog nos meus favoritos, gosto muito dele, um abraço :)
Muito bem lembrado. Parabéns pela resenha.
Quando comecei a assistir o filme senti que havia uma influência da época pelo espirito ainda vivo da Jovem Guarda haja visto que alguns filmes daquela época com o Tremendão "Mundo Cão", embora mais ingênuo, tem a caracteristica ja juventude que agora ja havia despertado para o fim dos Beatles e da era Woodstock.
Cassi Jones é um Macunaima de seu tempo e tem influencias de Oscarito e o antigo cinema da Atlantida tambem alem de abrir as portas para a pornochanchada muito embora creio que esse termo veio a jogar agua na sopa do cinema novo de Glauber e seus sucessores.
Abs
Marco Lima
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