segunda-feira, outubro 31, 2005

Ação Entre Amigos


Desde os “falantes e cantantes” – representações da era muda – às produções mais recentes, os realizadores brasileiros acostumaram-se a matar hordas de leões por dia. Não porque tenham um espírito absolutamente aventuresco e saiam de espingarda em punho, a conquistar a savana e colonizar os pagãos. Mas sim porque a ausência de estruturas estáveis, centros produtores que absorvam os talentos nacionais e dêem-lhe condições de trabalho, impõe a audácia como a mãe suprema de nosso cinema. Um símbolo, um carimbo que estampa boa parte dos filmes que chegam às telas e que se perpetuam com o tempo.

Em 1991, Carlos Reichenbach e Sara Silveira fundaram a Dezenove Produções Cinematográficas. “Ação entre amigos” (1997), segundo longa-metragem de Beto Brant, foi criado em meio a este geist artístico, concebido por uma equipe que reuniria ainda André Abujamra – encarregado da criação musical – e Marçal Aquino – do argumento e co-roteirista, ao lado de Brant e Renato Ciasca, produtor associado.

A marca d´água da Dezenove está lá, em “Ação entre amigos”. Começando pelos créditos – impressionantes, de Marcello Pallotta e Marcelo Laruccia – e estendendo-se ao término do filme, percebe-se o cuidado na produção de um estado de arte, de um imagístico autoral, que fique bem distante das simplificações comerciais a que o público nativo tristemente se acostumou.

Miguel (Zecarlos Machado), Elói (Cacá Amaral), Paulo (Carlos Meceni) e Osvaldo (Genésio de Barros), ex-membros da guerrilha urbana dos anos 70, buscam – a partir da loucura e do frêmito vingador de Miguel – um acerto de contas com o torturador, Correia (Leonardo Villar) – à exceção de Osvaldo, que decide voltar para casa. Dado como morto, Correia esconde-se no interior de São Paulo, em cidadezinha na qual mantém um aviário para rinha de galos. Assistimos a flashbacks entre presente e passado, à prisão dos amigos e da esposa de Miguel – grávida, torturada até a morte pelo clone do delegado Fleury.

Vejo em “Ação Entre Amigos” muitos pontos pró, alguns contra. A respeito dos últimos, cito o pequeno desdobramento do roteiro – alicerce inicial, mas não total, de uma obra feita para a sala escura. Parece-me pouco crível que em 76 minutos a história, que teria bem mais a render, se fizesse plena aos espectadores. A complexidade e as diferenciações entre os personagens – reforçadas pelo próprio roteiro – depõem contra a facilidade com que os quatro amigos encontram Correia, Miguel executa-o e fica sabendo ali mesmo, instantes antes, que o investigador fôra ajudado por um deles. Dar mais espaço a Leonardo Villar endemonizaria o enredo, alimentaria o duelo entre Correia e Miguel, acrescentando à história as camadas de barbárie que ambos carregam, em lados opostos do que crêem ser a “moral”. “O Invasor” (2002) conserta estas pontas soltas; a tríade Aquino-Brant-Ciasca conduz à perfeição os delírios de Paulo Miklos, Marco Ricca e Alexandre Borges.

Em relação aos aspectos memoráveis, Brant leva a ação com a categoria de sempre – virtuose a se confirmar em “O Invasor”. As performances do elenco também se destacam, em especial a de Zecarlos Machado e Leonardo Villar. O primeiro, pela balbúrdia, pelo horror que guarda sepultado no corpo de cinqüentão; o segundo, pela conhecida economia de gestos e firmeza, confirmando a secura de Correia, monstro deixado quieto, velho, anistiado pelo Poder Público.

Houve um tempo em que o gênero policial se deleitava com maniqueísmos, o vilão perseguia mocinha, o justiceiro defenestrava o bandido, a donzela sentia-se honrada aos olhos de todos. Claro está que em certos casos não paira nenhuma pejoração sobre este circuito ficcional previsível – William S. Hart não seria William S. Hart, Wilson Grey não seria Wilson Grey, Lewgoy não seria mau e leniente. Mas despido do culturalismo dos anos 60, das exploitations dos 70, do neon-realismo dos 80, o cinema de Brant – iniciado com o curta “Aurora” (1987) – é exemplo de que a vida urbana pode ser claustrofóbica e brutal, com caminhos perdidos, perigosos, leves – estes últimos, para quem atinar o lirismo subjacente. Estamos no início do caminho, muito mais há de surgir por aí. A cinematografia aguarda novas incursões do diretor de “Crime Delicado” (2005). Com o tempo, iremos cotejá-las em relação a outras, de sua particularíssima obra.

5 comentários:

Anônimo disse...

nossa,agora você acertou:sou muito fã do Beto Brant,acho o melhor diretor brasileiro atual.O Invasor
é o melhor de todos,mas Os Matadores também é muito bom,além de engraçado.

Anônimo disse...

Essa foi 'punk'!! Estava nesse começo de tarde debatendo com uma amiga paranaense exatamente esse filme, ela é muito mais fã de Brant do q. eu, mas eu respeito o talento desse jovem diretor, no entanto, o filme dele q. menos gosto é esse, e exatamente por que não se explora o personagem de Leonardo Villar, e por conta disso, surge um perigoso discurso q. beira o fascismo ao mostrar um dos ex-guerrilheiros como um algoz tão similar aos q. os torturaram. Não, q. isso seja improvável, mas ao situar uma trama de vingança com esse pano de fundo da história brasileira, se acaba embaralhando as cartas e empalidecendo uma discussão bem mais complexa.

Anônimo disse...

Já eu acho esse o melhor filme dele até o momento (ainda não vi Crime Delicado). Só não gostei da trilha de André Abujamra, que fez um pastiche de trilhas de filmes de suspense americanos,o que não era o caso.

Andrea Ormond disse...

Oi Dr. Lorax! "O Invasor" vale a pena ser conferido realmente. Direção, roteiro e atuações bem costuradas :) Um abraço!

Fala Eduardo! Pois é, "Ação entre amigos" tem problemas, o mais gritante é a pequena aproximação do filme com o personagem de Villar. Poderia ter rendido melhor, elevando o filme. Abraços!

Oi Sérgio, está sumido! Acho que o Brant está melhor em "O Invasor", tenho alguns pés atrás com "Ação entre amigos". Um grande abraço!

Anônimo disse...

Pois é, tambem concordo com os que disseram que "Ação Entre Amigos" é o filme mais fraco de Brant. Como ponto positivo, destaco a criação de uma atmosfera que vai ficando cada vez mais insuportável para os personagens até o trágico desfecho, e que prende a atenção dos espectadores; como pontos negativos, destaco o sub-aproveitamento de alguns personagens, algumas atuações fracas e o mal aproveitamento do curto tempo pelo roteiro, que se perde em algumas cenas excessivamente longas como o diálogo entre Miguel e a mulher grávida. O final excessivamente trágico também é uma escolha discutível.