Ontem à noite, em
alguma esquina, ouviram-se gritos de todas as cores e formatos.
Diziam que Carlos Reichenbach era chapa do “cinema marginal”,
ligado a Rogério Sganzerla. Acontece
que em “As Safadas”
(1982), o gaúcho paulistano fez exatamente o contrário. Dirigiu um
dos três episódios do filme, sem qualquer vassourada de
ideologismo. Sexo quase ginecológico não estava na cartilha de
Sganzerla – nem do rival, Glauber Rocha.
O cult curta-metragem
(“A Rainha do Fliper”) aproveita o lado potranca da deliciosa
Zilda Mayo e revela uma batelada de obsessões do diretor. Reginéia
(Zilda Mayo) é a liberdade, o lúmpen – vejam os ecos de Valério
Zurlini e dos subúrbios, que aparecem a toda hora na obra de
Reichenbach. A garota é a oposição ao tédio de Tenório, o
mocinho engravatado, broxa e que prefere considerar que a moça é
uma perdida. Tenório gostaria de regenerá-la. Mas regenerá-la de
quê? O melhor é deixá-la livre, nos braços do cafifa (Giba). Um
grandão brega e, porém, ouvinte do reverendo Al Green. A distância
dos dois universos acaba sendo cantada pela própria voz de Carlos,
que recita “O Guardador de Rebanhos”. Aqui Fernando Pessoa pulula
no território sensorial da literatura. Em outros filmes, estará a
cargo de Mário Faustino, Murilo Mendes, Aristóteles, Kierkegaard,
surgindo no breu, como fantasmas.
Reginéia, Tenório e
Giba passeiam de carro, comentam sobre os cinemas em ruínas,
divertem a platéia ao citarem nomes clássicos (Fritz Lang,
Mizoguchi). É o passado de Reichenbach, que se une ao ficcional. Os
três também retomam a questão da (a)moralidade (esmiuçada em “O
Império do Desejo”, 1981) e das firulas sociais. A mãe rejeita
Reginéia. Não há redenção, a velha não a quer de volta.
Acontece que o amor materno também pode ser desamor. E a mãe (ou o
substituto dela) pode estar no ambiente fétido dos flipers
– que, aliás, eram mania internacional: vide Carlos Hugo
Cristensen em “A Morte Transparente” (1978) e a esfuziante
Brigitte Lahaie, sempre disposta ao bom entretenimento.
“Uma Aula de
Sanfona”, episódio seguinte, traz o crítico Inácio Araújo na
versão diretor. Acostumado às mesas de montagem desde os anos
70, Inácio repete a solidão do lúmpen, tão característica
de “A Rainha do Fliper” – na qual colaborou como argumentista.
“Uma Aula de Sanfona” conta o amor entre a mocinha volúvel (mas
que estuda para concurso) e o homem gordo, inesperado, tocador de
sanfona. Claro que existe uma cizânia nos papéis: a relação
estapafúrdia entre os dois. Acontece que a mulher delira, esconde o
desejo pelo gordo, tenta manipulá-lo e fazê-lo refém da sua
beleza. O olhar voyeur acaba revelando uma inversão bastante
hábil para o desfecho final.
Atualmente em cartaz,
“Gonzaga – De Pai Pra Filho” também fala sobre sanfoneiros
cheios de graça, mas cairia do cavalo com a doença do namoro de
Nancy (Sandra Graffi)
e Durval (Cláudio Mamberti). Tudo gira em torno de Nancy, até mesmo
a relação entre os coadjuvantes (sua amiga e seu ex-enrosco), atrás
da porta, alheios ao que ocorre na cama do obtuso casal. Reza a lenda
que Sandra Graffi
quase foi limada do episódio por Antonio Galante, o venerando
produtor de “As Safadas”. Galante queria gente pelada e dinheiro
a rodo, mas a perspectiva de ver a namorada do filho nuinha
em pêlo
não o deixou nem um pouco maravilhado.
“As Safadas” mostra
closes nas partes baixas das atrizes, típicos de 1982, ano
cada vez mais próximo da guinada pornográfica na Boca do Lixo.
Neste sentido, o terceiro e último conto (“Belinha a Virgem”)
proporciona os maiores delírios à platéia masculina. Àquela hora,
já aguardavam finalizar os trabalhos e sair da sala escura com o
espírito renovado.
Dirigido por Antonio
Meliande, “Belinha a Virgem” tem um quê do Marcelo chefão,
abatedor de estagiárias em “Eros, O Deus do Amor” (1981).
Fotógrafo e parceiro de Walter Hugo Khouri, Meliande aprendeu algo
com o mestre e diluiu de propósito na superfície. A intenção era
ser o alívio no underground de Reichenbach e Araújo.
Meliande usa a fixação de mais outro diretor, José Mojica Marins:
o título de “Comendador” para homens ricos. Comendador
Passaralho tenta de todas as maneiras pegar Belinha, a garota que faz
de tudo, menos entregar aos homens o precioso hímen. A piada-base do
roteiro lembra as brincadeiras de José Miziara em “Pecado
Horizontal” (1982).
“As Safadas” é
aquele caso que confunde os espectadores que escolhem o filme pelo
título. Prontinho para as taras psico-epidérmicas do público, é
na verdade um sururu de tendências. Todas elas reunidas pela mão
louca de Antonio Polo Galante, mestre em dar vida a projetos
inusitados. Na fúria autodidata, Galante conseguiu fazer da trilogia
um acerto. O comboio de “As Safadas” alcança a posteridade com
adjetivos todos próprios: erudito, trash e debochado.
3 comentários:
Vejo sempre esse, Andrea. O episódio do Carlão é mesmo o mais sofisticado. Mas gosto sobretudo de “Uma Aula de Sanfona”, pelo que tem de inusitado, provocador. Que filmaço em episódios teríamos se uníssemos este ao "Gafanhoto" do Doo e àquele do violino em "A Noite das Taras II"...
Pensando bem, já que estou com insônia, vou rever a sanfona agora.
Diga para você mesmo o nome do único rapaz ou moça com quem você gostaria de estar (três vezes)… Pense em algo que queira realizar na próxima semana e repita para você mesmo (seis vezes). Se você tem um desejo, repita-o para você mesmo (Venha cá ANJO DE LUZ eu te INVOCO para que Desenterre LSAP de onde estiver ou com quem estiver e faça ele ME telefonar ainda hoje, Apaixonado e Arrependido, desenterre tudo que esta impedindo que LSAP venha para MIM , afaste todas aquelas que tem contribuído para o nosso afastamento e que ele LSAP não pense mais nas outras… mas somente em MIM. Que ele ME telefone e ME AME. Agradeço por este seu misterioso poder que sempre dá certo. Amém…). Publique esta simpatia por três vezes , basta copiar e colar por três vezes em forum diferente esta simpatia abaixo e logo em 48hs você terá uma linda surpresa, beijos Ainda esta noite de madrugada o TEU amor dará conta de que TE ama, algo assim acontecerá entre 1 e 4 horas da manhã esteja preparada para o maior choque de sua vida!
Fofão, também "O Pasteleiro" de "Aqui, Tarados!", para encerrar esta bela coletânea com chave de ouro.
Anônimo, saravá! Êpa rei!
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