Quem se acostumou ao xaxado de Galeão Cumbica e ao cavernoso “Calma, Cocada” dos anos 80, descobrirá as maravilhas da diversidade com “Os Paspalhões e Pinóquio 2000” (1982).
Vestido para matar, o ator Rony Cócegas aparece em outro personagem, fazendo um cover de Zacarias, o amigo da garotada. Rony divide a tela com Olney Cazarré (o corintiano da “Escolinha do Professor Raimundo”) e um outro jovem que, curiosamente, também lembra o heróico companheiro de Zacarias, o Mussum.
Aliás, teria vindo de Mussum – o xamã que se auto-receitava longas ampolas de cerveja –, uma confidência que chocou Carlo Mossy, o dono da Vidya, produtora do filme. Durante encontro no bairro de Madureira, zona norte do Rio, Mussum teria dado a entender que as semelhanças com a turma do Didi acabariam azedando as empadas da Vidya.
Lenda urbana ou realidade, o fato é que “Os Paspalhões e Pinóquio 2000” permanece inédito nos cinemas. Não conseguiu ser comercializado e enfrentou a resistência até de distribuidores amigos, como Luiz Severiano Ribeiro.
Não que esta ausência seja uma crueldade terrível para a história do cinema brasileiro, mas não deixa de ser curiosa a falta de sorte do filme. Ele que é a verdadeira caveira de burro, o boitatá que arruinou as finanças da Vidya, até então feliz qual gato banhado em leite de cabra, aproveitando o sucesso de “Giselle” (1981).
“Os Paspalhões e Pinóquio 2000” sofre de uma megalomania que chega a ser difícil de acreditar. O filme apela para aventura infantil, história da carochinha e delírio tecnológico. Está cheio dos efeitos especiais que dominavam a época, rodados em Los Angeles, como “Os Saltimbancos Trapalhões” (1981).
Rios de dinheiro foram queimados, um trailer fantasma anunciou o filme que não estreou, casos de agressão acometeram a equipe técnica. O cineasta Afrânio Vital, então continuísta, recebeu uns safanões de uma criatura mais exaltada e foi indenizado pela produtora. O diretor Victor Lima inventou de falecer repentinamente nos Estados Unidos, o que obrigou Mossy a viajar às pressas para a remoção do corpo. Teve que se virar na finalização do filme.
Talvez a solução estivesse em um banho de descarrego, folhas de arruda espalhadas pelo set, algum ritual bárbaro de tribos polinésias. Na prática, Victor Lima – tão veterano da Atlântida quanto J. B. Tanko, ídolo de Renato Aragão –, não deu a liga entre o infantil e a pornochanchada. Até porque, voilá, são gêneros que não conversam muito bem.
Confuso que só, “Os Paspalhões e Pinóquio 2000” – batizado por Victor di Mello (diretor de “Giselle”) – poderia ser mais criativo. Poderia aproveitar a estrela maior, a protagonista máxima: Alba Valéria. No entanto, prefere o glacê das grandes explosões, das naves espaciais, do corre-corre entre vilão e polícia.
Alba – a endiabrada “Giselle” – vive uma pobre órfã (Gracinha). Lutadora de kung fu, Gracinha está sempre rodeada por uma mucama boazuda. As duas usam saias curtas e mostram cavidades que chocariam as crianças, ao entregar as reais intenções deste fiel exemplar do Beco da Fome.
Gracinha se apaixona e entra em ação Dudu França, o compositor do hit disco “Grilo na Cuca”. Dudu vira uma espécie de Mário Cardoso, o galã dos filmes dos Trapalhões. Já Alba Valéria sacoleja o corpo de um jeito que envergonharia as personagens de Monique Lafond (atriz, aliás, que participa de “Giselle”) ou Lucinha Lins, as paixões de Didi.
Vejam vocês que Gracinha é afilhada do Barão von Karko, grande chefão caucasiano que dá festas para empregados loiros (entre eles, Ted Boy Marino) e comanda Milton Moraes com mão de ferro. O castelo de Von Karko coleciona clichês de espionagem e da Segunda Guerra Mundial – que, muito provavelmente, representavam a encarnação do mal para Victor Lima.
“Todos nós somos bonecos, nossos cordéis são acionados pelos poderosos.” Older Cazarré, irmão de Oldey (dupla antológica na dublagem nacional) tenta segurar as pontas. O cientista sábio que ama crianças e perdeu mulher e filha em acidente de carro. Agora ele impede o plano macabro do Barão, que busca enriquecer vendendo papéis higiênicos e poluindo os reservatórios de água da cidade. Reparem que entre as vítimas encontramos Carlo Mossy, esposa e filha, em aparição relâmpago.
Mas as profundas digressões filosóficas do cientista terminam do nada. Quando menos se espera, o robozinho (Pinóquio 2000) canta para uma criança vestida de boneca Emília. A menina está visivelmente incomodada com a situação, o que chega a ser tragicômico. O anão dentro da carcaça não é o Chumbinho mas, acreditem, exprime toda (nenhuma) graciosidade.
Alguém há de se perguntar como “Os Paspalhões e Pinóquio 2000” conseguiu gravar na Vista Chinesa sem o latrocínio de boa parte da equipe, ou no Freeway da inóspita Barra da Tijuca, atrapalhando a classe média que se embrenhava pelo local. Mistérios que engrandecem o mito do filme. Atirando para todos os lados – aventura, espionagem, musical, humorístico – “Os Paspalhões e Pinóquio 2000” sensualiza pouco querendo impressionar demais. Enxugando trechos e mais trechos, poderia escapar da encruzilhada espiritual, que o deixou na eterna contramão da bilheteria.
Vestido para matar, o ator Rony Cócegas aparece em outro personagem, fazendo um cover de Zacarias, o amigo da garotada. Rony divide a tela com Olney Cazarré (o corintiano da “Escolinha do Professor Raimundo”) e um outro jovem que, curiosamente, também lembra o heróico companheiro de Zacarias, o Mussum.
Aliás, teria vindo de Mussum – o xamã que se auto-receitava longas ampolas de cerveja –, uma confidência que chocou Carlo Mossy, o dono da Vidya, produtora do filme. Durante encontro no bairro de Madureira, zona norte do Rio, Mussum teria dado a entender que as semelhanças com a turma do Didi acabariam azedando as empadas da Vidya.
Lenda urbana ou realidade, o fato é que “Os Paspalhões e Pinóquio 2000” permanece inédito nos cinemas. Não conseguiu ser comercializado e enfrentou a resistência até de distribuidores amigos, como Luiz Severiano Ribeiro.
Não que esta ausência seja uma crueldade terrível para a história do cinema brasileiro, mas não deixa de ser curiosa a falta de sorte do filme. Ele que é a verdadeira caveira de burro, o boitatá que arruinou as finanças da Vidya, até então feliz qual gato banhado em leite de cabra, aproveitando o sucesso de “Giselle” (1981).
“Os Paspalhões e Pinóquio 2000” sofre de uma megalomania que chega a ser difícil de acreditar. O filme apela para aventura infantil, história da carochinha e delírio tecnológico. Está cheio dos efeitos especiais que dominavam a época, rodados em Los Angeles, como “Os Saltimbancos Trapalhões” (1981).
Rios de dinheiro foram queimados, um trailer fantasma anunciou o filme que não estreou, casos de agressão acometeram a equipe técnica. O cineasta Afrânio Vital, então continuísta, recebeu uns safanões de uma criatura mais exaltada e foi indenizado pela produtora. O diretor Victor Lima inventou de falecer repentinamente nos Estados Unidos, o que obrigou Mossy a viajar às pressas para a remoção do corpo. Teve que se virar na finalização do filme.
Talvez a solução estivesse em um banho de descarrego, folhas de arruda espalhadas pelo set, algum ritual bárbaro de tribos polinésias. Na prática, Victor Lima – tão veterano da Atlântida quanto J. B. Tanko, ídolo de Renato Aragão –, não deu a liga entre o infantil e a pornochanchada. Até porque, voilá, são gêneros que não conversam muito bem.
Confuso que só, “Os Paspalhões e Pinóquio 2000” – batizado por Victor di Mello (diretor de “Giselle”) – poderia ser mais criativo. Poderia aproveitar a estrela maior, a protagonista máxima: Alba Valéria. No entanto, prefere o glacê das grandes explosões, das naves espaciais, do corre-corre entre vilão e polícia.
Alba – a endiabrada “Giselle” – vive uma pobre órfã (Gracinha). Lutadora de kung fu, Gracinha está sempre rodeada por uma mucama boazuda. As duas usam saias curtas e mostram cavidades que chocariam as crianças, ao entregar as reais intenções deste fiel exemplar do Beco da Fome.
Gracinha se apaixona e entra em ação Dudu França, o compositor do hit disco “Grilo na Cuca”. Dudu vira uma espécie de Mário Cardoso, o galã dos filmes dos Trapalhões. Já Alba Valéria sacoleja o corpo de um jeito que envergonharia as personagens de Monique Lafond (atriz, aliás, que participa de “Giselle”) ou Lucinha Lins, as paixões de Didi.
Vejam vocês que Gracinha é afilhada do Barão von Karko, grande chefão caucasiano que dá festas para empregados loiros (entre eles, Ted Boy Marino) e comanda Milton Moraes com mão de ferro. O castelo de Von Karko coleciona clichês de espionagem e da Segunda Guerra Mundial – que, muito provavelmente, representavam a encarnação do mal para Victor Lima.
“Todos nós somos bonecos, nossos cordéis são acionados pelos poderosos.” Older Cazarré, irmão de Oldey (dupla antológica na dublagem nacional) tenta segurar as pontas. O cientista sábio que ama crianças e perdeu mulher e filha em acidente de carro. Agora ele impede o plano macabro do Barão, que busca enriquecer vendendo papéis higiênicos e poluindo os reservatórios de água da cidade. Reparem que entre as vítimas encontramos Carlo Mossy, esposa e filha, em aparição relâmpago.
Mas as profundas digressões filosóficas do cientista terminam do nada. Quando menos se espera, o robozinho (Pinóquio 2000) canta para uma criança vestida de boneca Emília. A menina está visivelmente incomodada com a situação, o que chega a ser tragicômico. O anão dentro da carcaça não é o Chumbinho mas, acreditem, exprime toda (nenhuma) graciosidade.
Alguém há de se perguntar como “Os Paspalhões e Pinóquio 2000” conseguiu gravar na Vista Chinesa sem o latrocínio de boa parte da equipe, ou no Freeway da inóspita Barra da Tijuca, atrapalhando a classe média que se embrenhava pelo local. Mistérios que engrandecem o mito do filme. Atirando para todos os lados – aventura, espionagem, musical, humorístico – “Os Paspalhões e Pinóquio 2000” sensualiza pouco querendo impressionar demais. Enxugando trechos e mais trechos, poderia escapar da encruzilhada espiritual, que o deixou na eterna contramão da bilheteria.
11 comentários:
Oi, Andrea. Curioso esse filme. Mas olha só: Victor Lima não é apenas "egresso da Atlântida" como J.B. Tanko. Ele também fez parte da equipe cinematográfica dos Trapalhões no início de carreira do grupo. São dele os roteiros de O TRAPALHÃO NA ILHA DO TESOURO, ALADIM E A LÂMPADA MARAVILHOSA, ALI BABÁ E OS 40 LADRÕES e BONGA, O VAGABUNDO TRAPALHÃO - sendo ele também o diretor desses últimos dois. Aliás, o Renato tem um carinho todo especial pelo BONGA, e sempre lamenta o fracasso do filme (sem perceber, talvez, que o segredo do sucesso nesta fase pré-TV estava nas paródias de histórias infantis clássicas). Vale lembrar ainda que o Victor já havia tentado imitar a "onda" dos TRAPALHÕES num filme que marcou a volta do Ankito às telas nos anos 1970, intitulado O LADRÃO DE BAGDÁ. Mais: Roni Cócegas já havia imitado os Trapalhões na TV e no cinema com um trio chamado OS PANKEKAS (também paródia de OS TRÊS PATETAS), com o genial Mario Alimari entre seus integrantes. Toda essa patota tinha sido figurante dos filmes de MALOCA E BONITÃO (Dedé e Dino Santanna) produzidos na Boca do Lixo na fase pré-Trapalhões.
Assim, o caso Victor Lima lembra bastante o caso Ary Fernandes, que após ter dirigido Mazzaropi em UMA PISTOLA PARA DJECA, foi dirigir filmes do imitador Chico Fumaça. Mas o que eu queria mesmo comentar é o seguinte: o Mossy já repetiu a vários entrevistadores que investiu fortuna nesse filme, que custou caríssimo, que teve efeitos especiais sofisticados... Só que nada disso aparece no filme. O robô é uma caixa de papelão, há luzinhas de natal piscando... Não há um efeito especial minimamente decente, mesmo para a época. O que me leva a perguntar se essa versão de que "a produtora quebrou por causa do investimento sem retorno nessa superprodução" nã é uma visão romântica do Mossy sobre si mesmo. Parece-me que o não-lançamento se deveu mesmo à falta de potencial do filme. Essa "conspiração" de Renato Aragão também me parece meio fantasiosa - não porque ele fosse ou não capaz disso, e sim porque um filme como OS PASPALHÕES, estrelado por um grupo que não tinha existência fora do filme, não representava ameaça alguma ao reinado trapalhônico, bem ancorado no programa de TV. Sinceramente, imaginar Renato Aragão ligando para Severiano Ribeiro e tentando prejudicar a carreira de PASPALHÕES me parece... surreal - até porque muitas imitações do estilo Trapalhões chegaram ao público, como o já citado LADRÃO DE BAGDÁ com Ankito e o ROBINSON CRUSOÉ com Costinha e Grande Otelo. O que lhe parece?
Oi, Rodrigo. Toda a história de um filme intitulado "Os Paspalhões" na época em que um grupo "Trapalhões" era referência de entretenimento leva a uma aproximação clara entre os dois. Ainda mais pelo fato de uma produtora (a Vidya) usar um diretor que tem a mesma aura de J.B.Tanko, este sim o maior referencial nos filmes de Renato Aragão, como já comentei no texto sobre "As Borboletas Também Amam". Victor e Tanko são ambos "egressos da Atlântida", pois enquanto Tanko se consolidava na indústria brasileira, Victor era um amuleto, participando de momento históricos, como o "Carnaval na Atlântida". Somando-se a tudo isso o fato de "Os Paspalhões e Pinóquio 2000" ser um produto da Boca da Fome, o importante está nessa contextualização, que envolve as mitificações típicas de uma produção daquela época e daquele local. Essas lendas urbanas estão incluídas no pacote, a gente ouve e pondera, para separar o que é real e o que não é. O Mossy contou algumas histórias de "Os Paspalhões e Pinóquio 2000" originalmente na entrevista que me concedeu, em novembro de 2005. Porém, a pesquisa para este texto não se baseia exclusivamente na versão dele. Outras fontes envolvidas no filme corroboram o mesmo, inclusive o gasto excessivo e desnecessário.
Tentei comentar alguns dias depois que você, Andrea, escreveu sobre "As aventuras de Sérgio Mallandro", mas minha mensagem apagou-se quando a enviei. Não faz mal, eu comentarei aqui!
Estou perplexo que você tenha - ainda que de forma involuntária, rs - atendido meu pedido, Andrea.
Agora aguardo por "Fofão...".
Bjs.
João Cavalheiro
Olá Andreia, gostaria que vc postasse, em algum outro post, em breve, sobre alguns filmes que marcaram a década de 80 no rock nacional tipo: a trilogia do Joel Barcelos que teve Rock Estrela, Rádio Pirata e bete Balanço(já escrito por você), Areias Escaldantes (para mim um dos melhores), Johnny Love, As sete vampiras e Menino do Rio. Até mais. Parabéns pelas resenhas.
Corrigindo:Olá Andreia, gostaria que vc postasse, em algum outro post, em breve, sobre alguns filmes que marcaram a década de 80 no rock nacional tipo: a trilogia do Joel Barcelos que teve Rock Estrela, Rádio Pirata e bete Balanço(já escrito por você), Areias Escaldantes (para mim um dos melhores), Johnny Love, As sete vampiras e Garota Dourada. Até mais. Parabéns pelas resenhas.
Olá, João, também achei engraçado o timing da coisa, mas entrou o "Super Xuxa" no meio rs Estou preparando outras séries de filmes.
Olá, Renan, obrigada. "Menino do Rio" já está publicado há algum tempo. É um grupo interessante de filmes. Por sinal, o Lael Rodrigues (diretor de "Rock Estrela", "Rádio Pirata" e "Bete Balanço") participou do "Super Xuxa", que acabei de analisar no último post.
Lembro de ver o poster desse filme pregado num cinema-hj tranformado em templo do pastor Macedo ou estacionamento de carros-com os dizeres EM BREVE, na cidade de Esteio, próxima a Porto Alegre.
Há certeza que esse longa não foi exibido, pelo menos por poucos dias, em meia dúzia de telonas obscuras do Brazil?
Marco Antonio, pelo que eu sei, ficou só no trailer e nos cartazes. Não chegou a estrear no cinema.
Ok, valeu.
Acabei de assistir este filme... sinceramente, é uma peça lamentável.
Estou na ressaca de um especial de Natal com Sérgio Mallandro que, mesmo sendo meu ídolo, só me deixou lamentos.
Tá difícil, mas quando que irão fazer comédia infantil que não seja chanchada descerebrada?
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