Antes do início das atividades deste blog, uma curiosidade sempre me atiçou, faiscando as orelhas. Se o cinema brasileiro é conceito amplo e mal formulado, o que dizer das mulheres que nele trafegaram? Para piorar, a dúvida aumenta quando tocamos na Boca do Lixo paulistana, o suposto antro de obscurantismo e de falta de talento generalizada.
Reflito sobre o assunto até mesmo por um exercício direto, indisfarçável, de espelhamento. Apaixonada pela causa desde a púbere idade, ouço um quê de terror a cada vez que subo nas tamancas e defendo o que parece indefensável: a potência dos filmes que muitos se negam a ver.
Decidida a entrevistar uma criatura do belo sexo para o Estranho Encontro, escolhi Patrícia Scalvi. Articulada e doce, deixou o caminho livre para um papo fluido, sem falsos rodeios, inúmeras vezes cômico.
Atriz levada ao sets por uma casualidade do destino, neles se transformou em elemento da atmosfera que nos idos dos 70 e 80 ganhava forma. Walter Hugo Khouri, Jean Garrett, David Cardoso, Carlos Reichenbach, Cláudio Cunha, Luiz Castellini, Ody Fraga, Antonio Polo Galante. Nesta sopa de elementos heterogêneos – e a heterogeneidade é fato que não se pode perder de vista –, Patrícia foi se reformulando a ponto de hoje dar vazão à faceta de dubladora. Fãs de animes, tremei, ei-la aqui.
Sem mais delongas, aqui vai o registro do bate-papo recheado por sonoras risadas e pela certeza, inevitável, de que sempre haverá muito a se detalhar no inventário que vamos reescrevendo de nossa arte.
ESTRANHO ENCONTRO – Patrícia, antes de falarmos sobre você no cinema, seria interessante vermos outros aspectos da sua vida. Quais são as suas primeiras recordações?
PATRÍCIA SCALVI – Nasci em São Paulo, meus pais em Amparo, ambos. Somos 6 irmãos, meu pai se casou 3 vezes. Dois filhos do primeiro casamento, 2 do segundo, 2 do terceiro. Um falecido, meu irmão por parte de pai e mãe. Os outros por parte de pai estão todos vivos, nos damos super bem. Estudei em colégio de freira, o Santa Marcelina, bastante tradicional. Nunca pensei em ser atriz, até os 14 anos. Quando minha adolescência começou, resolvi parar de estudar no colégio de freira, por minha conta. Meu pai “p” da vida comigo, não queria nem saber...
EE – ... Imagino. Família de italianos?
PS – De italianos. “Quero trabalhar, quero o meu dinheiro!” E lá fui trabalhar, larguei o Santa Marcelina. Terminei o 2o. grau no Colégio de Aplicação. Um lugar, vamos dizer assim, totalmente de esquerda. Época de grande repressão, de ditadura mesmo. Aí comecei a me interessar por teatro, porque havia um grupo de adolescentes fazendo teatro, junto com o César Vieira, também conhecido como Edibal Piveta, que montou o “Rei Momo”. Essa foi a primeira peça que eu fiz na vida. Teatro levado pra periferia, pra conscientizar as pessoas. Político, teatro político, mesmo. Depois disso, pulei pra Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, do Iacov Hillel, atualmente um grande diretor de ópera, um portento. Ele tomava conta desse pessoal, dessas crianças, apesar de ele ser criança também, só um pouco mais velho. Quando ele saiu fora, pra fazer outras coisas, quem assumiu foi o Marcos Caruso. Fiz exame para a Escola de Artes Dramáticas, a EAD, não consegui entrar. Mas quando o Antunes Filho começou uma seleção para o “Bonitinha, Mas Ordinária” no Teatro Paiol, eu tentei. Tentei, fui aprovada e por “n” coisas acabei não fazendo a peça. Apesar disso, continuei a fazer teatro, a buscar teatro. O Timol, por exemplo, que era mais amador. Até que surgiu a possibilidade do cinema.
EE – Então o cinema não foi a primeira coisa que você teve em perspectiva. Apareceu no meio disso tudo.
CC – Sim, o cinema foi bem depois. Quando eu completei mais ou menos 21 anos, eu soube de um teste que estavam fazendo na Boca, pra um filme chamado “Presídio de Mulheres Violentadas” [risos]. Assim eu conheci o [Luiz] Castellini, diretor, e o [Antonio Polo] Galante, produtor. O Galante olhou pra mim, o meu tipo, e disse “Ah, você pode fazer uma das presidiárias, uma bailarina.” Realmente, eu praticava balé. “Uma bailarina com mania de ficar fazendo barra dentro da prisão. Fica fazendo barra lá.” Quem seria o papel central desse filme era a Nicole Puzzi. Na época não era nem Nicole Puzzi, esse nome quem deu foi o Walter Hugo Khouri. Era Nicole Salini, nada a ver com Nicole Puzzi. Uns 2 ou 3 dias antes de eu começar, chego em casa e tem um recadinho embaixo da porta: “Venha correndo no escritório do Galante, precisamos falar com você.” E não é que a Nicole havia sumido do mapa? Ela viajou pro Rio, acho que estava namorando alguém [risos], não sei. Eu brinco muito com ela sobre isso. Sumiu, e tinham que começar o filme. “Vamos chamar aquela moça! De teatro, que fez o teste. Como é que é o nome? Patrícia.” Não usava nem sobrenome ainda. O Scalvi é de família, mas eu não usava.
EE – Era Patrícia, só?
PS – Era Pat Pietro. Patrícia nem é o meu nome verdadeiro, é o nome que eu viria a dar à minha filha, não é o meu. Me chamo Vera Lúcia. No início foi Pat e de Pat virou Patrícia, pra não ficar americanizado, parecendo ser “pét”. Ninguém me conhecia como Vera, claro. O José Júlio Spiewak, super amigo do Biáfora, e o Khouri ajudaram a compor esse nome artístico. Eles perguntaram: “Qual é o seu sobrenome?” “Scalvi.” “Decidido: Patrícia Scalvi! É lindo!” Ficou.
EE – E assim a Patrícia Scalvi estrelou o filme.
PS – Pois é, e o que que aconteceu? Entraram em contato comigo, disseram na bucha: “Olha, nós vamos lançar você.” Bonito, né? Que, como, onde, por quê? Cinema, eu? “É, vamos te lançar. Porque você tem o tipo que a gente quer, você vai fazer a Tininha.” Fui fazer o filme sem conhecer absolutamente nada. Não sabia da linguagem cinematográfica, como trabalhar com câmera, como me portar, o que a câmera pega, o que a câmera não pega, a distância, a lente. Enfim, não sabia nada. Mas como eu não sou idiota nem nada, o que eu fazia? Ficava do lado do diretor de fotografia nas horas em que eu não estava filmando. “O que é isso?” Ah, lente 50, tal, numa distância dessa está pegando até ali. No início eu exagerava tudo, todas as expressões. E em cinema você trabalha com o olhar, com a alma. Em teatro você abre, é tudo maior.
EE – Depende até do corte que vão colocar na montagem...
PS – Exatamente. Coisa assim que eu não [risos]... eu não sabia nada.
EE – Esse ambiente da Boca é um ponto-chave. Queria saber como foi pra você, uma moça de classe média, que estudou em colégios sofisticados. Você teve que vencer algum preconceito seu ou foi no embalo de garota? Nós sempre vemos os homens falando sobre a Boca, mas as mulheres falando sobre esse assunto é um tanto difícil.
PS – Olha, eu fui no embalo, porque achei muito interessante experimentar cinema. O tipo de cinema que se fazia então era esse, e pra mim era muito louco ver de perto. Quando eu resolvi parar de estudar em colégio de freira, e partir, a cabeça foi abrindo. Uma virada, 180 graus. Eu pensei “Meu Deus, o mundo não é aquilo, é muito maior.” Apesar disso, era complicado. Um local perto de rodoviária, não muito bem freqüentado, até hoje não é. Local de prostituição à noite, de dia fervilhava, era uma festa. Na realidade, aquele trecho, a rua do Triunfo, apesar de todos os senões, era uma grande festa porque ali desfilavam atores consagradíssimos hoje em dia. Gente que estava começando a carreira, diretores muito importantes e não-importantes, atrizes que eram atrizes com formação e atrizes que não eram atrizes. Moças que buscavam uma vitrine pra poderem vender “outras” coisas. Pra poderem subir na vida, gente que nunca estudou, nunca fez nada. Um monte delas, que acabou-se peneirando e sumindo. Sobrou o pessoal que tinha embasamento, um certo estudo. Mas, nossa, era um lugar barra pesada. Não vou dizer pra você que eu não me assustei [risos]. A gente se assusta, sim, mas depois você vai convivendo. Eu acabei me casando com um cineasta, o Castellini, e eu convivi pelo menos durante 10 anos, indo à Boca praticamente todos os dias. Porque eu não fui só atriz. Eu dirigi, eu fiz assistência de direção, continuidade, cenário, produzi. Tudo o que você pode imaginar em cinema.
EE – Você testemunhou fases e grupos diferentes, de lá.
PS – Ah, sim, sim. Os grupos eu acho que iam muito pelo cinema que as pessoas faziam, sabe? Eu trabalhei com praticamente todos os diretores de São Paulo. No Rio, pouco. Só com o Cláudio Cunha, que também era de São Paulo e depois foi pro Rio. Não trabalhei com o Tony Vieira, uma gracinha de pessoa, uma alma maravilhosa. Lembro que ele falou pra mim: “não, você não é atriz pra trabalhar nos meus filmes. Você é uma atriz muito...” Eles falavam que eu era uma atriz “muito boa pra trabalhar em filmeco”. Ele próprio considerava, já tinha essa coisa. O engraçado é que eu pegava o roteiro, às vezes nem gostava muito da história, mas topava porque virei muito amiga das pessoas. O que é um erro [risos]. Eu nunca cobrei certo pelos trabalhos que eu fiz. Você acorda, vai pra rua do Triunfo, encontra com um e com outro. Senta, almoça junto, vai, toma um café, bate papo. Está produzindo, tem um elenco ali, tem um elenco aqui, tem uma turma ali. O Khouri e o Massaini, o Galante, os produtores da época que eram considerando melhorzinhos aqui em São Paulo, eram uma tchurma. O Candeias, que era absolutamente à parte. Fazia direção de fotografia de muitos filmes, também dirigia, não trabalhava com atores, trabalhava com pessoas comuns. A divisão existiu, sim. Mesmo o Enzo Barone, que tinha uma produtora nos Jardins, acho, vira e mexe também se associava. O Fauzi Mansur, essa gente toda.
EE – Era uma sucessão de projetos, de lançamentos, muito grande.
PS – A rua do Triunfo da década de 70 ao final de 80, nossa! Tinha ano em que se produziam 80, 100 filmes. Uma indústria, e tudo com iniciativa própria. Não havia Embrafilme, que ajudava mais o Rio, inclusive. Além de o pessoal do Rio ser considerado mais engajado, entre aspas. Ao passo que os paulistas, mais comerciais, como se dizia. Mas o fato é que os atores, na realidade, trabalhavam tanto lá quanto aqui. A Sandra [Bréa], a Sônia [Braga], a Vera [Fischer], essa gente toda estava em São Paulo e no Rio.
EE – Alguns diretores são mais presentes na sua carreira, outros menos. Com o Carlos Reichenbach você fez “Paraíso Proibido” e depois “Amor, Palavra Prostituta”. O que você lembra do processo de filmagem do Carlão?
PS – O Carlão é um anarquista, graças a Deus [risos]. É gozado, com o tempo cada um foi pra um lado. No set era sempre muito divertido, não havia tensão. Muito relaxado, deixando todo mundo muito à vontade, e assim o trabalho flui. Flui bastante. Era exigente, claro, e com ele a gente tinha condições de “filmar 3 por 1”. Fazer 3 vezes a mesma tomada. O negativo era muito caro, mas em algumas produções havia possibilidade de se trabalhar um pouco melhor. Trocávamos idéias, mas cinema é a arte da direção, não tem por onde. Ator é importante, óbvio, porque se você não tem um bom ator também, não ajuda muito. Mas o produto final está na mão da direção e do montador. O diretor é o único ali que tem o filme na cabeça, inteirinho. Então ele dava os caminhos corretos e tal, era um prazer.
EE – O “Amor, Palavra Prostituta”, aliás, sofreu na mão da censura, não foi?
PS – A cena do aborto com a personagem da Alvamar Taddei foi cortada. Tiraram, parece, quase meia hora de filme, o Carlão ficou louco. Um absurdo. Por quê? Não era nada de mau gosto, nem explícito. Estava-se falando de um aborto que a mulher fazia, por questões que aconteceram com a personagem. Ela passava mal, ia ficar na minha casa, enfim. Cortaram muita coisa, o filme ficou mutilado. Acho que a cópia que existe em Rotterdam, aonde ele foi premiado, está na íntegra, é a total. Que coisa absurda. Em teatro eu também passei esses apuros, porque eles iam lá e quebravam tudo mesmo. Não havia o menor respeito.
EE – E com o Castellini, como é que foi a parceria que ultrapassou as fronteiras do cinema? [risos]
PS – [risos] O Castellini me ensinou muita coisa. Um homem simples, autodidata total. Barretense, chegando em São Paulo foi ser projecionista. Aprendeu inglês assim, pra você ter uma idéia. Fala fluentemente, traduz até hoje. E foi uma pessoa mais velha, por quem eu me apaixonei, vivi 8 anos com ele. Foram anos legais, bons e maus momentos. Me lembro que quando fizemos o “Presídio de Mulheres Violentadas” tive uma discussão séria com o Galante. Ele me tirou do filme, eu não terminei, o Castellini brigou também. Saímos os dois. A Zilda Mayo, se não me engano, posou para a minha morte, de costas. O Galante vociferou: “Você nunca mais vai fazer cinema, quero ser mico de circo!” Respondi: “Vou te comprar uma fantasia de mico” [risos].
EE – [risos]
PS – Depois eu voltei a trabalhar com ele. Mas nos letreiros do “Presídio” meu nome não aparece, estava no meio da figuração. Nada de “apresentando Patrícia Scalvi”, nada. Nem me dublei! Quem me dublou foi a Rosinha Quinto, atriz, de uma voz muito parecida comigo, não dá pra sentir a diferença. Só fui me dublar pela primeira vez no “Dezenove Mulheres e Um Homem” com o David Cardoso. Tive uma facilidade imensa, tanto é que atualmente eu trabalho com isso. Enfim... E essa discussão, por quê? Por conta de uma questão que nem era minha. Esse é o grande problema, em relações humanas. Você é casada com uma pessoa e acaba comprando a briga do outro. As pessoas mesmas juntam o casal e acham que não podem ser amigas individualmente. Faz parte, é assim que o mundo funciona. Mas aí, o Biáfora assistindo ao filme disse: “Quem é aquela moça que faz a Tininha? Maravilhosa, não tem nem o nome dela lá, e faz o central.” Ele descobriu e colocou: Patrícia Scalvi. A partir daí, não adiantou, fugiu ao controle do Galante. Eu não conhecia o Biáfora, mas ele me deu muita força. Depois eu o conheci, pessoalmente.
EE – Durante a parceria com o Castellini foram quantos filmes, no total?
PS – Uns 10, 12. “Instinto Devasso”, por exemplo. Essa coisa dos títulos era engraçada. Porque “Tara, Amores Proibidos” não tinha nada de tara. Mas de repente pensavam “tara é legal, vai chamar público”. E realmente chamou, ficou 4 semanas no Marabá. Ficando 2 semanas no Marabá e no Ipiranga, era sucesso no Brasil inteiro. Vários filmes que eu fiz ficaram muitas semanas. O “Instinto Devasso” foi o último que ele dirigiu, acho que nem entrou em circuito comercial. Éramos 2 atores, praticamente, o filme todo. Eu e o Ênio Gonçalves. Tudo muito falado, verborrágico mesmo, não era popular. Nunca mais o vi, não consigo cópia. Participei de 48, 49 filmes e é dificílimo. Pouquíssimos filmes chegaram a ser telecinados. Os poucos que foram, o Canal Brasil reprisa.
EE – Uma personalidade da Boca que me intriga bastante é o Jean Garrett. Não só pela vida, pelas circunstâncias de ter falecido da forma que foi, mas também pela abordagem dele nos filmes. “A Mulher Que Inventou O Amor” é qualquer coisa de transcendental...
PS – O Jean... Uma pessoa tão divertida, tão bacana, peculiar. Pra você ter uma idéia, eu sabia que ele era casado, mas não conheci a mulher dele. Em 89, estava o Collor pra entrar no poder, eu fui a Portugal, gravar meu último filme. Na volta, ele me convidou pra fazer “Rapunzel” no teatro. A bruxa, ao lado da Luciana Vendramini, numa adaptação do Walcyr Carrasco. Nessa época eu percebi que ele estava muito amargo. Não sei o que que rolou, qual foi o mecanismo, em que momento se partiu. Me tratava muito bem, gostava muito de mim, me dei super bem com ele, mas eu não sabia dos meandros da vida pessoal dele. Muito talentoso. Aliás, todo mundo que fazia cinema na Boca tinha, na sua maior parte, muito talento. Porque com pouco dinheiro, com poucas condições, com roteiros às vezes ruins, mal escritos, se fazia cinema.
EE – O “Noite em Chamas”, na linha catástrofe, deixa clara essa falta de recursos.
PS – O “Noite em Chamas”, especialmente, tinha muito figurante. E a figuração, se você não tomar cuidado, eles passam por cima de você. O Jean ficava louco. Tínhamos uma câmera para rodar tudo. Nem 2, nem 3. Acho que só no dia do incêndio ele conseguiu ter 2 câmeras. Eu o via muito irritado, nervoso. Já no “O Fotógrafo”, também do Jean, eu atuei ao lado do Roberto Miranda. Que, aliás, incorporou o personagem. Enquanto ele estava filmando, vivia 24 horas por dia o fotógrafo. Quando acabou o filme, ele continuou a viver também [risos]. Demorou um pouco pra voltar. Eram muito amigos, os dois, inclusive.
EE – Pobres homens, não sabiam que nos filmes do Garrett eles sempre perdiam [risos]. No próprio “O Fotógrafo”, vocês é que deglutiam o “protagonista” totalmente....
PS – [risos] Acho que nem o Jean tinha consciência disto, será? Mas é verdade... No final a minha personagem dá um chega pra lá no fotógrafo, um egocêntrico do caramba. Dava um pontapé mesmo, como ele fazia antes com todas. O Jean escolhia os roteiros, não escrevia, mas dava os argumentos. Todos bem favoráveis à raça feminina, mesmo [risos]...
EE – E enquanto isso, você também gravava com o David Cardoso, proprietário-fundador da Dacar.
PS – Que, por sinal, funcionava em Campos Elíseos, alameda Dino Bueno, numa casa aonde ele morava. Longe da rua do Triunfo, mas o David estava sempre por lá, apesar de se reunir mais nessa casa. Normalmente as pessoas trabalhavam com as suas equipes. Sempre tinha um ou outro que trabalhava em todas. Os maquiadores eram os mesmos, pulavam de produtora em produtora. E o David tem muita história pra contar, é fantástico.
EE – Interessante, Patrícia, é que em muitos filmes produzidos pelo David havia personagens do mundo gls. Você mesma contracenou em vários episódios deste tipo.
PS – Eu, Patrícia, sou hetero. Mas é engraçado, porque em cinema a gente pode viver muitas coisas, e até experimentar muitas coisas, eu diria. Porque no cinema, quer queira, quer não queira, você vai fazer mesmo o sexo simulado. Se você vai beijar, em cinema não dá pra enganar, você tem que beijar. Você encosta, não tem como. É lógico que é tudo simulado, mas você encosta. Eu beijei a Nicole [Puzzi], numa cena no meio de um bar, em “Tessa, A Gata”. Então eu tive a oportunidade de beijar e saber que não é muito a minha, mas não tenho preconceito nenhum. Nunca tive. A primeira vez que eu tirei a roupa num set, por exemplo, eu estava tão temerosa, e depois que fiz a cena, pensei “nossa, mas é tão tranqüilo”. Porque as pessoas tem uma imagem outra, acham que não há respeito. Não, era uma equipe que super respeitava. Só ficou no campo de filmagem, no set, as pessoas que interessavam ficar e que eram necessárias. E sempre foi assim comigo.
EE – No “Profissão Mulher”, dirigido pelo Cláudio Cunha, roteiro da escritora Márcia Denser, essa questão da homossexualidade fica ainda mais acentuada.
PS – É, exato, eu fazia a própria. Recentemente eu vi fotos do “Profissão Mulher”, de uma cena minha com o Otávio Augusto. No hotel, quando a personagem está bêbada. Me puseram de peruca [risos], uma editora de moda, homossexual, apaixonada por uma menina, que é apaixonada por outro. Aquela velha história. Gravamos no Rio e tive a oportunidade de trabalhar com alguns atores que não vinham muito a São Paulo. Cláudio Marzo, Lady Francisco, Marlene, a cantora. Imagina, Marlene.
EE – Marlene que saiu como uma revelação, na cena com outra garota. Uma diva dos anos 40, com esse ato de coragem, sem falso puritanismo...
PS – Vou te dizer uma coisa, não foi fácil, não. Ela teve muita dificuldade, demorou um dia inteiro. Lembro que em um momento eu achei que ela fosse desistir. Ela parou, falou “Ai, eu não vou fazer. Não vou conseguir fazer isso, não vou conseguir”. Mesmo tendo lido o roteiro, sabendo que teria que fazer. Ela topou, assinou o contrato e tudo, mas eu sei que é difícil. Uma outra geração, uma outra cabeça. O humano da coisa é fantástico, ela teve que romper bareiras e mais barreiras, mas fez. E ficou lindo, lindo.
EE – Voltando pra São Paulo, o Alfredo Sternheim. Vocês rodaram “Corpo Devasso”, também bastante corajoso, ousado, por abordar a homossexualidade entre rapazes.
PS – Eu queria ter feito outros filmes com o Alfredinho. Até hoje a gente se encontra, moramos no mesmo bairro, praticamente. É um gentleman, um doce de criatura, cultíssimo. Trabalhar com ele foi um raro prazer também. Eu guardo a imagem dele fazendo assim [encaixa o polegar e o indicador de cada mão, formando um quadrado]. Ele ia enquadrando, olhando, refletindo. No “Corpo Devasso” tive uma pequena participação, atuei com o David, o filme é do David. O tema era sempre comentado, e o nu masculino já estava frontal, antes era meio camuflado. Já se estava abrindo um pouco mais, se falando mais abertamente sobre esse tabu. Problema pra fazer, não havia. Os atores topavam. Ator é ator. Ator que não é ator é que fica cheio de dedos com as coisas. É que foi tão rotulado o nosso cinema. Foi tão rotulado como “porno” isso, “porno” aquilo. Hoje em dia, às vezes eu estou batendo papo na internet e logo vem: “você transava nos filmes?!” As pessoas confundem. Tinha cena de sexo, não era explícito, porque vendia. Fiz coisas muito ruins e coisas muito boas também, era a opção que a gente tinha de trabalho. E esse tipo de cinema, quer queira, quer gostem, quer não gostem, trouxe o público de volta às salas. Com o advento do sexo explícito, nos anos 80, a gente achou que ia ser dividido, que ia ter espaço para os dois públicos. Não. Isso tudo acabou.
EE – Chegando no Walter Hugo Khouri, “Eros” e “Convite ao Prazer”. No “Eros”, qual a marcação utilizada, já que vocês atuavam de frente para a câmera?
PS – O Khouri era impressionante. Mesmo o figurante que entrasse para servir o café, naquele momento era a estrela do filme. Ia lá o Khouri, penteava, arrumava, conversava. “Olha, é assim que você tem que andar, colocar a bandeja.” Marcava até a maneira de andar pra pessoa, quando ele percebia que era um pouco sem técnica. Em relação aos atores, foi a mesma coisa. Sempre muito atento, indicando o que ele queria. Com o Khouri eu tive não só o prazer de atuar na frente das câmeras, ele também me chamava pra dirigir a dublagem. Não a interpretação. Interpretação, ele dirigia. Eu só olhava o sincronismo. Paciência para ver a interpretação ele tinha, mas na hora do sincronismo, ia embora. Ia fumar um cigarro [risos].
EE – E o “Convite ao Prazer”?
PS – “Convite ao Prazer”, com Serafim González. Nesse e no “Eros” eu fiz pontas, o Khouri trabalhava com muitas mulheres, muitas histórias entrelaçando com uma só. Mas o interessante do “Convite ao Prazer” é que pela primeira vez na vida eu trabalhei em estúdio, você acredita? Construíram a garçonnière do Marcelo em estúdio. Todos os filmes que eu tinha feito eram em locação. A gente fica tão à vontade, porque ali não é a casa de ninguém. Normalmente você tem que tomar cuidado com tudo, não pode mexer. E se some alguma coisa é um caos. “Esse pessoal da Boca”...
EE – A forma de produção era no improviso.
PS – Eu lembro que no “Dezenove Mulheres e Um Homem” nós saímos de São Paulo já fazendo o filme no ônibus. O David dirigindo o ônibus. Tinha eu, a Zélia Diniz, a Helena Ramos, várias outras. Atrizes, poucas. O resto eram garotas que o David tinha chamado, ele é louco. Dirigindo, filmando, parando, dormindo. “Ah, vamos fazer a cena aqui, a freira ali, a não sei o quê ali.” Pára, segue. Pára no hotel, vamos dormir. Dorme todo mundo, aí volta [risos]...
EE – [risos] Uma coisa meio “Priscilla, a Rainha do Deserto”!
PS – É, bem isso! Chegamos no Mato Grosso pra filmar, era pra ficarmos hospedados na fazenda de um amigo dele. Quando a esposa do homem viu aquela mulherada, surtou: “Vocês não vão ficar aqui!” Botaram a gente nas cabanas de colono, que não estavam sendo usadas, de terra batida...
EE – [risos]
PS – ... Não, você não acredita... Como não tinha aonde dormir, buscaram rápido umas camas de campanha, aquelas camas de campanha do exército. Beliche. Pra tomar banho, a gente tinha que bombear água! Aí a mulherada começava a o quê? A dar piti na vida. O que que acontecia?
EE – [risos]
PS – ... Começava a dar problema. O David e o Ody Fraga, que estava junto: “Mata fulana. Manda embora.” Então o Ody escrevia: “Vai pro pau.” Morria. Eu fiquei, eu fui a última! Peguei o avião na volta. Fui ficando, porque eu não reclamava, toda ali, calma. A esposa do fazendeiro ainda foi com a minha cara, eu tinha acabado de me casar, era novinha. Tinha gente que se estapeava. Imagina, uma mulher não ia com a cara da outra, ia lá e metia a mão. Uma coisa, coisa fina mesmo! Fina, bem fina. Pra piorar, eu tinha saído de uma caxumba, me deu caxumba dos 2 lados. Sarou a caxumba, fui fazer o filme. Quando voltei, o Castellini estava trabalhando com o Mazzaropi, em Taubaté, aonde ele tinha estúdio, hoje museu. Depois, dentre muitos outros, veio o episódio em “Noite das Taras”, comigo e com o Arlindo Barreto. Gosto muito desse episódio. Gravamos num apartamento na avenida Angélica, outra locação. Ganhei também o prêmio APCA por “Duas Estranhas Mulheres”. Muito engraçado esse APCA, porque empatamos eu, a Tania Alves e a Carla Camuratti. A Carla com “O Olho Mágico do Amor”. Já nos anos 80, é que começou a mudar.
EE – O seu último filme você gravou em Portugal?
PS – Chama-se “A Eternidade”, uma co-produção Brasil/Portugal, da Haway. A maioria dos atores eram brasileiros, a equipe técnica era toda de Portugal, com exceção do diretor de fotografia e do assistente dele. Participamos eu, o Dionísio Azevedo, que já é falecido, o Denis Derkian, a Ana Maria Nascimento e Silva, e alguns atores portugueses também. O filme não veio pro Brasil, não foi sucesso lá também. Isso em 1989. Como já era a época do cinema de sexo explícito, eu parei. Não era mais o cinema simulado. Fiz uma novela no Sbt, o “Meus Filhos, Minha Vida”, grande sucesso. No teatro, “O Alquimista”, um furo n’água, adaptação do Walcyr Carrasco. “O Alquimista” pode ser cinematográfico, mas não tem carpintaria teatral, não é uma coisa pra teatro. E não foi bem. Aí eu continuei dublando e dublo até hoje. Atualmente eu dirijo dublagem.
EE – Uma área a que você sempre se dedicou.
PS – Eu acordava cinema, dormia cinema, comia cinema, respirava cinema. Mas eu me dublava. As pessoas da área de dublagem, nos estúdios aonde eu ia, diziam “Ah, você dubla tão bem”. Quando o cinema acabou, quando o teatro ficou escasso... porque no Brasil, você sabe, teatro atualmente só se forem grandes musicais, grandes produções, ou então atores muito famosos que chamam público. Teatro pelo teatro não é como era. Quando eu fazia cinema e teatro, nós viajávamos. Lotava a casa, as pessoas nos reconheciam nem tanto pela televisão, mais pelo cinema. Então o que que acontece? Como eu tive sempre essa facilidade de dublagem, eu aproveitei. O que eu sei fazer é interpretar. Eu sou atriz. Óbvio que eu prefiro estar de frente pra câmera, em cima de um palco, criando um personagem, porque dublagem não é uma arte criativa, dublagem é uma reprodução. Você reproduz o que já está feito, você tem que fazer dentro do que já está feito. Bem feito dentro do que está feito. Daqueles tempos pra cá eu tenho dublado e dirigido dublagem. Já dirigi nos estúdios da Álamo, na BKS, atualmente no Gabia. Ontem mesmo eu fiz uma Diane Keaton, num filme maluco, eu dublando, botando a voz. Dublo muito essas mulheres todas. A Anjelica Huston, Kathleen Turner…
EE – E o público dos animes? Tem um lado meio show de rock, quando acontecem as reuniões com os dubladores.
PS – Anime, mangá, eles têm um público muito grande e são fãs dos dubladores. Existe até uma premiação, o Oscar da dublagem, com votação na Internet: o melhor filme, a melhor série etc. A gente é super querido. Vira e mexe damos palestras, em vários lugares no Brasil. Quando chegamos nos auditórios, não dá pra acreditar. Parece show de rock mesmo, é lotado de gente. Você dá um grito de guerra de qualquer personagem, os caras enlouquecem. Vem, inclusive, pessoal do Japão. Em um evento, em Porto Alegre, estava o Akira Kushida, que canta as músicas dos animes. A gente sai do palco querem arrancar, pegar a gente. Gente, nem quando eu fazia cinema era isso! Eu me sinto global! [risos] Ator que fala que não gosta de aparecer, é mentira. Se não, não seria ator. Dirigi recentemente toda a redublagem do Chaves para dvd. Ganhei prêmio como melhor direção, e não é nem pela direção, é porque eles gostam do Chaves. Então dá prêmio pra todo mundo que trabalhou em alguma coisa do Chaves. Naqueles eventos que eu estava contando, as pessoas vão e pagam pra falar com você, pra saber como é a dublagem. Tem um público muito, muito grande mesmo, que eu nem fazia idéia. Fiquei sabendo...
EE – ... Fazendo.
PS – Fazendo. “Perdidos no Espaço” está na dublagem original até hoje, e ninguém quer que mude. É assim com vários outros filmes, séries. Também fiz muita radionovela, dirigi 5 curtas, um deles sobre a EAD. Aprendi na prática.
EE – Os curtas foram nos anos 70?
PS – Final de 70, mais para começo de 80, junto com aquela lei da obrigatoriedade de um produto nacional quando exibido qualquer filme estrangeiro. Precisava fazer um monte, eu fiz 5. No curta sobre a EAD, a turma que ilustrou tinha a Lília Cabral no elenco. Na época ela era aluna. Não sei aonde foi parar isso, infelizmente. Fiz outro sobre a Escola de Circo, aqui de São Paulo. Outro sobre os casarões da avenida Paulista que estavam sendo demolidos, falando mais sobre a arquitetura. Um sobre balé clássico e um sobre viotismo, que é a confecção de violinos, artesanal. Obviamente, eu não era uma grande diretora, mas tive sempre a colaboração dos colegas, tipo o Cláudio Portioli, que já faleceu também. Grande Cláudio, me ajudou muito na fotografia. Eu enquadrava e ele me dava todas as dicas. Da mesma forma, toda a equipe que trabalhava comigo. Havia muito trabalho sobrando e, como eu gostava de fazer, quis testar. E também para me integrar, aprender, ver como é que é direção. Foi muito bom, não fiquei porque não é a minha, eu sou atriz mesmo. Mas adorei fazer.
EE – Patrícia, nessa retrospectiva da sua carreira, quais são as suas características que se eternizam, em termos de cinema brasileiro?
PS – Fica o prazer que eu tive, e tenho ainda, de trabalhar, de ter trabalhado com pessoas muito legais. Ter feito bons trabalhos, ter ganho até prêmios com a famosa pornochanchada, que o pessoal rotulava. Perguntam “Ah, mas você não tem alguma frustração?” Nenhuma. Fui fazer cinema, estrelei. Fui fazer teatro, fiz bons papéis. Fui fazer televisão, tive bons papéis. Estou dublando, estou no alto posto de dublagem. Então, dentro da minha carreira de atriz, não tenho do que reclamar, só tenho a agradecer a tudo e a todos. Não renego nenhum filme. Tem muito ator que fala: “Não, não fiz”. Fiz, tenho muito orgulho de ter participado dessa fase do cinema, frutífera. Adorei ter feito e faria tudo de novo, sem o menor problema. E continuo. Se amanhã ou depois pintar de novo um trabalho, alguém chamar, vou fazer, vou atuar. Não tenho grandes planos, a minha vida é essa. Continuo trabalhando dentro do que eu gosto, dentro da minha área ainda, de interpretação, e muito feliz. Não virei uma burocrata. Todos os trabalhos que eu fiz, sejam quais forem, se bons, se ruins, não importa. Todos dignamente feitos, e com muito respeito. Foi tudo de bom, foi muito gostoso. E se eu pudesse escolher, na minha vida, entre as linguagens, não há dúvida de que eu escolheria o cinema como a preferida.
14 comentários:
Querida,
Adorei a entrevista e um dia ainda quero entrevistá-la para o Mulheres.
Bjs
E, curiosamente, falei dela e publiquei foto hoje no Insensatez.
bjs
Mais uma entrevista - necessária -conduzida muito bem por você, Andrea. Patrícia Scalvi é adorável. Grande atriz!
Que belíssima entrevista, Andrea!
Triste ver a Patrícia relegada às dublagens. Por outro lado é bom saber que está trabalhando em algo que gosta e não abandonou totalmente a profissão de atriz, como aconteceu com muitas musas da Boca.
E quem sabe agora, lendo a entrevista, algum diretor inteligente (embora esse artigo esteja cada vez mais raro) a chame de volta para o cinema ou mesmo televisão, não é mesmo?
Bjs
ma-ra-vi-lha
Bela entrevista Andrea. Patrícia é uma grande atriz e ela merece este registro. Te vi na sessão do "Ninfas Diabólicas", mas não deu pra gente conversar. Continue atualizando o blog sempre.
Matheus Trunk
www.violaosardinhaepao.blogspot.com
Bela sugestão para o Mulheres, querido. E, aliás, ela está bonitona na foto, não? Bjs
Márcio, o bate-papo foi nessa linha entre a seriedade do trabalho de atriz e a leveza pessoal. A Patricia é uma graça.
Sergio, obrigada. É chato mesmo, ver que enquanto atriz ela não está sendo tão aproveitado quanto é na faceta de dubladora. Mas leitores atentos sempre estão por aí, tenho certeza disto. Bjs
Obrigada, Murillo.
Matheus, a entrevista aborda vários assuntos interessantes e joga luz sobre a presença feminina na Boca -- tema que eu acho fundamental. Obrigada, as atualizações estão chegando.
Patricia é uma grande atriz , a Ingrid Bergman da Boca. Como atatriz sueca, sabe ser suave, sensual e forte nos desempenhos. Tê-la como jornalista politizada em Corpo Devasso foi um privilégio. Parabéns Andréa pela entrevista. Fiquei sabendo de muita coisa que desconhecia a respeito dessa atriz maravilhosa.
Alfredo Sternheim
Muito Bom!!!
Tive a sorte de já ter visto a Patrícia Scalvi em muitos filmes,
e depois do encontro no CCBB e desta entrevista, só aumentou a minha admiração por essa grande atriz.
Obrigada, Alfredo. Essa é uma boa definição para a Patricia. Contida e forte, delicada e séria. Você, por sinal, é parte dessa trajetória, sua presença foi constante na entrevista, sempre tratada com bastante carinho.
Realmente, Rodolfo, o histórico da Patricia, tanto nesta entrevista quanto no encontro no CCBB, deixa claro a desenvoltura da atriz.
Andrea, não sei exatamente a quantos anos foi feita esta entrevista, isto não chega a ser importante assim, uma vez que proporcionou a possibilidade de um reencontro com uma das grandes musas de minha geração. Foi ótimo, sensacional.
Lá no final dos anos 70 éramos jovens reprimidos, e o cinema, mesmo com toda dificuldades impostas pela censura era nosso canal de experiências e obviamente dos sonhos. E, como sonho cumpria seu fiel dever de abstração da vida real. Nossa curiosidade com o sexo, palavra proibida no ambiente familiar, encontrou no cinema as respostas às nossas fantasias e descobertas.
Daí veio a paixão natural e óbvia pelo cinema de forma geral, sua linguagem, sua técnica, seus personagens e realizadores, diretores, atores e atrizes e em especial pela sensacional Patricia Scalvi. Sempre a achei uma tremenda atriz, daquelas que marcam a cena com sua expressão (jamais esqueço aqueles olhares), suavidade, enfim tudo aquilo que diferencia as grandes atriz, aliás esta comparação com a Ingrid Bergman feito pelo Alfredo Sternhein, foi absolutamente exata e necessária.
Mas veja que coisa, tempo que passa, vida que vem, casamento, filhos, trabalho, responsabilidades; e eis que numa madrugada destas insone, dou de cara no Canal Brasil com o "Noite das Taras" naquele sensacional episódio dela com o Arlindo Rodrigues. Ela querendo se matar, eu insone preocupado com trabalho, problemas, rotina. Que bom que ao final todos nos salvamos...
Este estranho episódio me fez relembrar esta grande atriz, de minha paixão pelo cinema, que num destes sonhos da juventude pensei até em seguir, mas que a realidade veio me buscar sem jamais devolver...
Diante do choque de revê-la, a viagem foi inevitável. Movido pela paixão e curiosidade fui buscar nos googles da vida informações sobre "La Scalvi". Olha tô ficando quase um doutor sobre ela.
Fico feliz em vê-la tão bem, linda (não só nesta foto), culta e articulada. Após uma longa história no cinema, hoje com uma sólida carreira na dublagem, enfim uma lutadora na acepção da palavra. Ao mesmo tempo sinto uma imensa falta de vê-la interpretar novamente na telona ou mesmo na TV. Onde estão os produtores, diretores sérios que neste boom do cinema brasileiro atual permitem este reencontro com seus milhares de fans. Seria o máximo, não?
Parabéns pelo Blog (que não conhecia) mas que agora, juro serei fiel...
Quanto a entrevista, agradeço pela viagem fantástica ao mundo do cinema da Boca, tanto preconceito e tão mal entendido, mas que marcou com certeza o cinema brasileiro à partir da coragem e determinação de gente tão talentosa que mesmo nas condições precárias, viveram o imenso prazer de fazer cinema com toda sua realidade de arte e de aventura, mambembe mesmo;
Foi também uma excelente oportunidade para rever e sentir a presença um pouco mais da eterna musa Patricia Scalvi, que talvez nunca saiba deste diálogo, mas que será sempre um ponto de referência nas minhas emoções e sentimentos.
Mundo mágico este do cinema, né...
Vitória/ES-14/11/2010
Um grande abraço para ti, Andrea, pelo excelente trabalho de resgate e crítica do cinema nacional. E um grande beijo para a Patrícia, uma atriz séria, de extrema competência e musa de um cinema que jamais voltará.
Pat
Que pessoa linda você é,que riqueza.Li essa entrevista com gosto,com orgulho de ser sua amiga, com emoção.Como é difícil encontrar pessoas autênticas como você... Parabéns a você e a sua entrevistadora,aliás muito competente.
Lu
Ontem a vi na pizzaria em que jantei.Deu vontade de cumprimentar.Estava acompanhada da mãe.Uma água fria na idealização maldosa dos adolescentes dos anos 80, meu caso, que julgava as atrizes das pornochanchadas mulheres promiscuas.Patricia é uma das atrizes mais talentosas dessa era.Mesmo não sendo das mais belas.Continua na lembrança afetiva resistindo por seu reconhecido talento artístico.
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