domingo, agosto 27, 2006

Contos Eróticos


Como em quase toda a filmografia brasileira dos anos 70 e princípio dos 80, que ninguém se engane com o título: o que era “erótico” em 1977 hoje em dia transparece tão delicado e cuidadoso que fica difícil acreditarmos que, de fato, os produtores do filme buscavam vendê-lo com o apelo do sexo.

Dividido em episódios, “Contos Eróticos” (1977) é uma coletânea filmada das quatro histórias vencedoras do Concurso de Contos Eróticos da extinta Revista Status, uma espécie de Playboy – inicialmente, antes mesmo do aparecimento da Playboy brasileira – publicada pela Editora Três e de conteúdo sofisticado, o que permitia anualmente à revista promover um concurso de textos, onde os melhores iam parar em livro.

E de uma das edições do concurso nasceu o filme. São quatro episódios sem qualquer ligação entre si, cada um deles dirigido por um cineasta diferente e com elenco diverso. O primeiro “Arroz com Feijão”, por Roberto Santos; o segundo “As Três Virgens”, por Roberto Palmari; o terceiro “O Arremate”, por Eduardo Escorel e o último “Vereda Tropical”, por Joaquim Pedro de Andrade.

“Arroz com Feijão” traz como maior mérito a utilização da música “A Dona do Primeiro Andar” dos Originais do Samba, em harmonia com a história popularíssima do rapaz pobre (Cássio Martins) que se encanta pela dona da pensão (Joana Fomm) onde almoça diariamente. Sugestionado pelo refrão intrigante (“Estou apaixonado/ apaixonado estou/ Pela dona do primeiro andar/ pela dona do primeiro andar”) o espectador aguarda ansioso as cenas de nudez farta da atriz, que no final são tão discretas que a câmera vira quase apenas observadora do cotidiano na casa de Joana, em um exercício cinematográfico singelo.

A segunda história, “As Três Virgens”, merece maior atenção: três velhinhas (Carmen Silva, Eva Rodrigues e Maria Anita Shut) vivem juntas em um casarão rememorando o passado, até que recebem a visita da sobrinha adolescente, Beta (Paula Ribeiro). Ela perdeu a virgindade com um namorado motoqueiro e precisa ser protegida dos perigos da vida. O roteiro é afiado e quando as senhoras maldizem o presente turbulento, o fazem com tanta precisão que nos perguntamos o que elas achariam do mundo de hoje, três décadas depois do convescote.

Quando se convencem de que não há motivos para impedir Beta de ver o namorado proporcionam uma noite de amor para o casal, a quem oferecem licor e bolinhos. A colocação final da história: “Tia Biloca, Tia Tunica e Tia Cotinha não existem mais” soa lírica no aviso de quanto o tempo é efêmero e tudo leva.

Quando pulamos para a terceira história, “O Arremate”, a mais fraca do filme, ficamos com saudades da segunda, já que temos aqui apenas a exibição maquinal de um estupro em uma fazenda, onde o senhorio (Lima Duarte) vai cobrar uma dívida do seu empregado e possui a filha deste (Liza Vieira) como pagamento.

Mas tudo parece o preparo para a quarta história, a incrível “Vereda Tropical”, dirigida por Joaquim Pedro de Andrade e que fez para sempre a fama do filme, constando nas melhores (e piores) antologias do cinema popular brasileiro. “Vereda Tropical” é a história de um estranho professor universitário (Cláudio Cavalcanti), morador da Ilha de Paquetá, que mantém relações sexuais apenas com frutas, sendo a preferida uma rechonchuda melancia.

Mostrada em detalhes, a corte do homem à melancia (que ele lava, acaricia e cobre de talco antes do intercurso) rende inúmeras piadas, tornando-se quase uma lenda entre os cinéfilos. A performance de Cláudio Cavalcanti no papel de tarado é outro espetáculo à parte, valendo-se de uma simulação de volúpia e delícia que colore e humaniza o bizarro.

“Contos Eróticos” teria um contexto diferente sem esse delírio final – e aos curiosos que procuram o filme no barato sensacionalista, vale a pena reavaliá-lo como um mini-panorama de quando, mesmo involuntariamente, se fazia bom cinema no Brasil. É a arte de quatro grandes nomes exercitando em cima de histórias desiguais o prazer de filmar, oferecendo um produto de bom gosto ao público, que ao longo dos anos se desacostumou a ser tratado com tamanha deferência e respeito.

13 comentários:

Domingos Junior disse...

Colocar talco na melancia antes do "intercurso" é demais! Tô me matando de tanto rir...
A Carmen Silva que aparece na segunda história é a mesma Carmen Silva cantora?
Um beijo, Andréa.

Anônimo disse...

Sempre quis ver esse filme doentiamente... Nunca o achei...

Anônimo disse...

Andréa, se você é portadora dessa maravilha de filme, por favor informe-me. Não encontro essa obra-prima em lugar algum e o episódio dirigido pelo Joaquim Pedro entra para os anais da história do cinema brasileiro. Você é uma rainha por ter trazido à luz essa maravilha da sétima arte tupiniquim. Abraço.

Anônimo disse...

Eu não vi "Contos Eróticos", mas já vi a fita de vídeo na 2001 e logo mais devo ver. Te digo: a primeira versão da "Bonitona do Segundo Andar" é do grande sambista paulista Germano Mathias, um gênio. A "Status" era concorrente da "Playboy", mais para "Sexy" que para a dominante, que era a revista da Abril. Na época, ainda se chamava "Revista do Homem", depois mudaria para "Playboy" como a americana. Como você bem disse, a "Status" era realmente uma revista sofisticada, escreviam nela Paulo Francis, Ignácio de Loyola Brandão,Maurício Krubusly, Cláudio Bojunga, entre outros.
Agora Andréa, é preciso fazer um levantamento: onde anda o CLÁUDIO CAVALCANTI ??? Ele anda muito sumido da TV nos últimos tempos, sou fã de carteirinha dele. Quem sabe uma entrevista dele ao Estranho Encontro, seria demais hein !

Anônimo disse...

Andréia: mais uma vez, que bela crítica essa hein ! Dá vontade da gente correr atrás e ver o filme agorinha mesmo !

Anônimo disse...

Lembrei do episódio do Joaquim Pedro de Andrade quando assisti no Festival do Rio do ano passado o filme "O Sabor da Melancia" do Tsai Ming Liang.

Andrea Ormond disse...

Oi Domingos, a Carmem Silva do filme não é a cantora de "Adeus Solidão", é a veterana atriz gaúcha. Um beijo.

Adriana, foi lançado em video e passa no Canal Brasil, não é tão dificil de ser encontrado :)

Fernando, sou portadora de uma cópia sim :) O Matheus disse que encontrou em Sp na 2001. Mas caso não consiga, me mande um email que tento ajudar. Abraços!

Matheus, não conheço a versão da "Dona do primeiro andar" do Germano Mathias, conheço só a do Originais do Samba. O Claudio Cavalcanti está na ativa, é vereador aqui no Rio. Vale muito a pena ver o filme, tenho certeza de que vc vai adorar :)

André, não vi "O Sabor da Melancia", mas a utilização da fruta como símbolo de erotismo é muito engraçada e interessante.

Luiz Claudio Eudes disse...

Eu vi o da melancia na TVE Brasil (Canal 2 - RJ).
me lembro até hoje, como eu ri daquele filme, que coisa bizarra "comer" a melancia

Anônimo disse...

Fernando, tenho esse filme em DVD, convertido, com excelente qualidade de áudio e vídeo. Entre em contato comigo pelo e-mail behindthemask@ig.com.br

Jaymr disse...

Tenho o 3º episódio, " As Três Virgens", em super 8. Não hé nada de erótico na fita, para os dias de hoje, 2011, até uma adolescente riria do que era considerado "Conto Erótico".

Anônimo disse...

Realmente é um dos filmes mais bizarros que já vi , ver na primeira história o jovem ser assediado pela Tia e depois no trabalho lembrava da Tia quando chegava na hora de lixar os manequins na parte dos seios. Já no episódio da Melancia só vendo para crer, ele faz um balé com a melancia após tomar banho e passar talco e chega a passar o movimento que a melancia quer abusar dele e ele não quer.
Mas após o coito o Acesso de Raiva surge e ele esquarteja a Melancia e bebe seu "sangue" com leite condensado natural é claro.
Alias o Canal Brasil esta exibindo uma versão remasterizada com uma qualidade excelente.

Anônimo disse...

Gosto deste filme,o elenco é muito bom:Lima Duarte,Carmen Silva,Liza Vieira e o cantor Carlos Galhardo.Recomendo.

Anônimo disse...

A participação do Carlos Galhardo neste filme,é o máximo.Nota 10.