segunda-feira, julho 31, 2006

Eu


Walter Hugo Khouri em meados dos anos 80, em Dolby Stereo, sem uma peça-chave da equipe dos 70 (sai Rogério Duprat da direção musical, entra Júlio Medaglia) e a continuação da temática de Marcelo (Tarcísio Meira), desta vez focada no relacionamento pai/filha.

“Introduzindo Monique Evans” e um marketing agressivo na figura de Tarcísio – sucesso na época, galã da novela “Roda de Fogo” –, “Eu” (1986) deixa a desejar no sentido da densidade do personagem-chave (Marcelo), visto aqui como um maratonista sexual sem o mesmo esmero ou os subterfúgios de um “Eros, O Deus do Amor” (1981) ou de um “O Último Êxtase” (1973), para citarmos dois exemplos clássicos.

Aliás, ainda sobre “O Último Êxtase” vale a pena citá-lo até para se corrigir o erro comum de se classificar “Eu” como primeiro e único filme de Khouri rodado quase todo em externas. Ocorre que as externas são apenas mais “alegres”, ou menos pessimistas, do que as de “O Último Êxtase” – 13 anos mais velho –, que possui a mesma integração crucial com o cenário.

Em “Eu”, Marcelo deixa a garçonnière em São Paulo, herdada do pai – e que pode ser a mesma de “Eros”, já que em ambos os filmes o personagem regula a mesma idade – para passar o réveillon na casa de praia, acompanhado das gazelas Renata (Monique Lafond) e Liana (Nicole Puzzi). Duas scorts que circulam pelas rodas de senhores mais velhos, como o próprio Marcelo e Jeremias (Walter Forster, que também apareceu ao lado de Tarcísio em “Amor Estranho Amor”).

Para o azar de Marcelo, quando menos se espera aparecem a filha, Berenice (Bia Seidl), e a amiga da filha (Cristiane Torloni), separando-se os dois núcleos femininos que passam a competir entre si: Renata e Liana, vistas como forasteiras, alvo de vergonha particular; Berenice e Beatriz, encarnações da família respeitável, que inclui ainda a criadagem da mansão, que o acompanha há séculos.

As posturas opostas desses dois núcleos vão articulando a tensão que desagüará no final. Berenice fingindo naturalidade com as conquistas do pai; Renata defendendo seu métier e dominando Liana; Beatriz virando caça aos olhos de um Marcelo que avança sobre o território da filha – já que Beatriz e Berenice parecem ter uma amizade pra lá de carinhosa.

Cinqüentão, procurando engolir o feminino – closes das nucas das personagens são simbólicos neste sentido –, o empresário trafega naquela fase da vida que vai do crepúsculo da maturidade ao medo da morte. Tentando cobrir esse gap com hiper-atividade sexual, “Eu” revela sobretudo o desejo carnal por Berenice, encarada como uma promessa de amor duradouro, feliz.

Correndo por fora, como uma fuga para a impossibilidade desse desejo, está Liana, que procura um substituto para o pai morto. Lembrando uma das melhores fixações de Khouri, em alto estilo, o diretor-roteirista coloca-a falando sobre os preparativos do enterro – “eu que tive que lavar e limpar meu pai” – enquanto Marcelo tenta atinar o sentido da confissão – “por que ela está me contando isso?” –, antes de sonhar que a penetra como um simulacro da filha.

Por outro lado, também existe em “Eu” – a começar pelo título – outra frente de batalha do roteiro: a busca pelo individualismo profundo, que passa longe da superficialidade de pensar em Marcelo como um “egoísta” bobo, “que só pensa em si mesmo”.

O fato é que o estado de entranhamento do personagem vem do conflito central de precisar escolher entre ser um pai bom ou o conquistador que agarra todas que vê pela frente. “O que que eu vim fazer aqui?” se pergunta, abraçado a Renata e Liana.

E num desespero que não vai embora, que se aproxima da velhice e do ceticismo diante de tudo, surge o individualismo como escolha consciente, criteriosa: “Eu só acredito em pessoas, em gente que faz as coisas. Indivíduos. O mundo se tornou um horror [...].” Completando a seguir, com o sorriso canastra: “mas não é culpa minha”, como se quisesse dizer “ as coisas são assim, mas carpe diem!”, investindo novamente sobre a interlocutora (Beatriz), num ciclo interminável.

A chegada felliniana de Diana (Monique Evans) – em um helicóptero – degringola a situação após um faniquito da garota, que leva consigo Renata e Liana. Beatriz – que há pouco encarnava uma espécie de Geneviève Graad, olhando pensativa para um navio semelhante ao de “Palácio dos Anjos” (1970) – sai no mesmo dia, para rever o ex-namorado. Sozinhos os dois, Berenice e Marcelo concretizam o improvável. Mais adiante, deixa-se implícita a separação – a voracidade vence qualquer promessa de estabilidade.

Antonio Meliande assina a direção de fotografia, “Rupert” Khouri na câmera e Aníbal Massaini na produção executiva deste 22º. filme do diretor. Um pouco aquém do esperado, um pouco além das expectativas do público à cata de mulheres e delírios maliciosos. “Eu” pode não atingir a ascese propriamente dita, mas destaca-se como o capítulo de algo muito maior, conseguido antes e depois, em mais de uma dezena de filmes.

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá, Andréa! Esse não é um dos melhores do Khouri, mas o elenco feminino...Que mulheres!

Andréa, queria te fazer um pedido:
Dá pra fazer uma resenha sobre "Quando o Carnaval Chegar"? :)
Beijos!

Anônimo disse...

Oi Andréa,
Não sou grande fã de "Eu", mas sua crítica foi um arraso. No mais, acho importante um dia você fazer uma crítica do MARGINAL do Carlos Manga, também com o Tarcísio Meira, mais aqui de uma maneira muito mais feliz. Abraços,
Matheus.

Andrea Ormond disse...

Sergio, o "EU" não é o meu preferido mas como sempre ele acertou na escalação do elenco feminino. Pedido atendido! :) Beijos

Matheus, gosto muito do "O Marginal", além desse o "Máscara da Traição", tb com o Tarcísio no elenco. Em "Eu" a dupla Khouri-Tarcísio não rendeu tanto quanto em "Amor Estranho Amor", por exemplo. Abraços

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu não entendi o penúltimo parágrafo,pai e filha chegam às vias de fato?