Terceiro longa de Alfredo Sternheim, “Pureza Proibida” (1974) não guarda muitas semelhanças com os anteriores “Paixão na Praia” (1971) – resenhado neste site – e “Anjo Loiro” (1973).
Uma das poucas formas de aproximação entre este conjunto de filmes surgiria com a presença de personagens femininas destacando-se como o fio condutor da narrativa: Norma Bengell (em “Paixão...”), Vera Fischer (em “Anjo...”) e Rossana Ghessa (em “Pureza...”).
Ainda assim, as três protagonistas desempenham funções diferentes, em ambientes e motivações diferentes. A irmã Lúcia (Rossana) – baseada na peça “A Branca e o Negro”, de Monah Delacy (intérprete da Madre Superiora e co-autora do roteiro, ao lado de Sternheim) – influencia uma locação rural por excelência, em contraposição às metrópoles de “Paixão...” e “Anjo...”.
O sexo depressivo de Norma, a fúria de Fischer também não podem ser associados à sensualidade represada e inacessível da pequena Lúcia, noviça que chega a um vilarejo e transforma a vida das crianças, dos pacientes do hospital, das colegas de convento e sobretudo da colônia de pescadores – para o bem, ao aproximar-se de Chico (Zózimo Bulbul); para o mal, ao causar o ciúme da psicopática Anésia, ex- namorada do rapaz.
Bulbul aos 37 anos rivaliza em carisma com Rossana e Carlo Mossy (no papel de Padre) – casal de “Lucíola, o Anjo Pecador” (1975), também dirigido por Sternheim, mas que em “Pureza Proibida” fica afastado tanto pela barreira religiosa quanto pelos cortes que a participação de Mossy sofreu após um grave acidente de carro durante as filmagens, que quase lhe custou a vida.
Percebe-se da parte de Sternheim a delicadeza na composição dos quadros que somada à fotografia de Ruy Santos transforma as praias em algo pictórico, como se construído à mão, ora cinza-chumbo – em especial a cena em que Anésia caminha em direção à câmera –, ora solar – tonalidade esperada em se tratando do lugar paradisíaco.
“Stromboli” de Rosselini surge como identificação mais direta, numa postura algo neo-realista. Entretanto, a identificação é assimilada pessoalmente, no total das características do diretor – aqui obcecado em uma falsa simplicidade no filme, que engana apenas aos mais desavisados, pois em “Pureza...” há um mundo de referenciais intricados por detrás da superfície.
A começar pela brasilidade do roteiro – Lúcia visita terreiros de candomblé, festas pagãs –, passando pela trilha sonora de Edino Krueger e pela montagem de Ismar Porto – roteirista, montador e diretor prolífico no cinema brasileiro –, o filme é ponto altíssimo da RG Produções (vulgo Rossana Ghessa Produções) e transpõe o esquema clássico da “moça ingênua que apaixona-se, alegra pessoas e quebra preconceitos”.
Há, por exemplo, o pessimismo do final – a morte trágica de Chico, que não é punição pelo seu namoro inter-racial com Lúcia, mas a chave para que o roteiro expresse o fato de que até em lugares minúsculos a suposta “pureza” deixa de existir, e é antes disso uma idealização injustificável. Lúcia também é apedrejada pelos meninos que brincavam e davam risadas com a garota que, dentre outros percalços, fôra violentada por um médico bastião da moralidade.
Ruth de Souza encarna a Mãe Cotinha, dona do terreiro de candomblé, matriarca que atende pelo lado folclórico do enredo, sem se transformar em pastiche. A roda comandada em determinado momento por Mãe Cotinha parece ter sido deixada rolar a frame solto pelo diretor, ciente que assistia a uma cena original, in loco, ao invés daquilo que em certos filmes é vendido como “macumba pra turista”. Os atores captam a mesma sensação, o resultado fica acima da média.
Além disso, um detalhe interessante está na relação entre Chico e Lúcia. O estereótipo do negro viril acaba sendo quebrado pelo tom senhorial da freira, comandando – e sendo correspondida nesta iniciativa – as atitudes do pescador, evitando-o, chamando-o, abraçando-o.
Como conclusão, resta que o triângulo Lúcia-Chico-Anésia, costurado por cada ponto técnico e criativo da obra, faz de “Pureza Proibida” a junção de utopia e realidade, poético e cerebral ao mesmo tempo, numa investigação do que seja a sexualidade em guerra. Guerrilha psicológica, sem a promessa do amor livre, e cheia das maldades a que cada ser humano mal intencionado tem direito.
Uma das poucas formas de aproximação entre este conjunto de filmes surgiria com a presença de personagens femininas destacando-se como o fio condutor da narrativa: Norma Bengell (em “Paixão...”), Vera Fischer (em “Anjo...”) e Rossana Ghessa (em “Pureza...”).
Ainda assim, as três protagonistas desempenham funções diferentes, em ambientes e motivações diferentes. A irmã Lúcia (Rossana) – baseada na peça “A Branca e o Negro”, de Monah Delacy (intérprete da Madre Superiora e co-autora do roteiro, ao lado de Sternheim) – influencia uma locação rural por excelência, em contraposição às metrópoles de “Paixão...” e “Anjo...”.
O sexo depressivo de Norma, a fúria de Fischer também não podem ser associados à sensualidade represada e inacessível da pequena Lúcia, noviça que chega a um vilarejo e transforma a vida das crianças, dos pacientes do hospital, das colegas de convento e sobretudo da colônia de pescadores – para o bem, ao aproximar-se de Chico (Zózimo Bulbul); para o mal, ao causar o ciúme da psicopática Anésia, ex- namorada do rapaz.
Bulbul aos 37 anos rivaliza em carisma com Rossana e Carlo Mossy (no papel de Padre) – casal de “Lucíola, o Anjo Pecador” (1975), também dirigido por Sternheim, mas que em “Pureza Proibida” fica afastado tanto pela barreira religiosa quanto pelos cortes que a participação de Mossy sofreu após um grave acidente de carro durante as filmagens, que quase lhe custou a vida.
Percebe-se da parte de Sternheim a delicadeza na composição dos quadros que somada à fotografia de Ruy Santos transforma as praias em algo pictórico, como se construído à mão, ora cinza-chumbo – em especial a cena em que Anésia caminha em direção à câmera –, ora solar – tonalidade esperada em se tratando do lugar paradisíaco.
“Stromboli” de Rosselini surge como identificação mais direta, numa postura algo neo-realista. Entretanto, a identificação é assimilada pessoalmente, no total das características do diretor – aqui obcecado em uma falsa simplicidade no filme, que engana apenas aos mais desavisados, pois em “Pureza...” há um mundo de referenciais intricados por detrás da superfície.
A começar pela brasilidade do roteiro – Lúcia visita terreiros de candomblé, festas pagãs –, passando pela trilha sonora de Edino Krueger e pela montagem de Ismar Porto – roteirista, montador e diretor prolífico no cinema brasileiro –, o filme é ponto altíssimo da RG Produções (vulgo Rossana Ghessa Produções) e transpõe o esquema clássico da “moça ingênua que apaixona-se, alegra pessoas e quebra preconceitos”.
Há, por exemplo, o pessimismo do final – a morte trágica de Chico, que não é punição pelo seu namoro inter-racial com Lúcia, mas a chave para que o roteiro expresse o fato de que até em lugares minúsculos a suposta “pureza” deixa de existir, e é antes disso uma idealização injustificável. Lúcia também é apedrejada pelos meninos que brincavam e davam risadas com a garota que, dentre outros percalços, fôra violentada por um médico bastião da moralidade.
Ruth de Souza encarna a Mãe Cotinha, dona do terreiro de candomblé, matriarca que atende pelo lado folclórico do enredo, sem se transformar em pastiche. A roda comandada em determinado momento por Mãe Cotinha parece ter sido deixada rolar a frame solto pelo diretor, ciente que assistia a uma cena original, in loco, ao invés daquilo que em certos filmes é vendido como “macumba pra turista”. Os atores captam a mesma sensação, o resultado fica acima da média.
Além disso, um detalhe interessante está na relação entre Chico e Lúcia. O estereótipo do negro viril acaba sendo quebrado pelo tom senhorial da freira, comandando – e sendo correspondida nesta iniciativa – as atitudes do pescador, evitando-o, chamando-o, abraçando-o.
Como conclusão, resta que o triângulo Lúcia-Chico-Anésia, costurado por cada ponto técnico e criativo da obra, faz de “Pureza Proibida” a junção de utopia e realidade, poético e cerebral ao mesmo tempo, numa investigação do que seja a sexualidade em guerra. Guerrilha psicológica, sem a promessa do amor livre, e cheia das maldades a que cada ser humano mal intencionado tem direito.
9 comentários:
Viu onde, Andréa? Canal Brasil?
Sergio, gravei em 2000 no Canal Brasil. Faz tempo que não passa.
Tem filme que eles reprisam até a exaustão, outros simplesmente somem da grade, como no caso desse. Outro dia tive que acordar às 5:00 hs para ver "A Culpa" do Domingos de Oliveira. Já assistiu, Andréa?
Oi Sergio, gravei "A Culpa" mas ainda não vi. Geralmente eu anoto os filmes mais interessantes da programação para poder gravar, se não fica difícil mesmo. Passam uma vez só e nunca mais.
Então veja correndo, Andréa, é genial, um filme completamente diferente na obra do Domingos, denso, trágico, pessimista. Depois me diga o que achou! Beijos!
P.S.: A entrevista com "La Barsotti" está fantástica :)
+ bjs
Andréa, primeira vez que entro no seu blog e fiquei muito feliz de ver uma admiradora do cinema brasileiro (até porque vejo muito pouca gente falando de cinema nacional na internet). Como admirador da sétima arte que sou, não pude deixar de bisbilhotar. Encontrei até um post sobre Bete Balanço, um dos meus filmes preferidos! Como tenho um irresistível vício da dar sugestões quando comento blogs, fique aqui com algumas (se é que já não os assistiu):
Madame Satã, de Karim Ainouz;
Cabra-Cega, de Toni Venturi;
Quase Dois Imrãos, de Lúcia Murat;
Amarelo Maga, de Cláudio Assis; e
Ação entre Amigos, de Beto Brant (esse é um tapa na cara!)
Abraços. Em breve eu volto com mais calma.
Olá, gostei muito das observações sobre esse filme. Eu o vi no programa Cadernos de Cinena da TVE. É um filme muito bonito.
Gostaria apenas de fazer uma correção acredito que o terreiro da Mãe Cotinha não seja de Candomblé e sim de Umbanda. Os centros de candomblé não possuem imagens de santos católicos, os cânticos não são em lingua portuguesa (como é mostrada na sequencia de incorporação do filme) e finalmente na toalha do gongá (altar) da mãe Cotinha pode-se ler CESJB (que provavelmente significa Centro Espírita São João Batista nome comum para terreiros de Umbanda que durante muito tempo eram obrigados a intitular seus templos com o rótulo de "Centro Espírita"). Um grande abraço e parabéns pelo site.
dia 30/08, à 00:30, Canal Brasil
http://canalbrasil.globo.com/
Já tem esse filme no youtube ,gostei muito ,ótimo roteiro ,sem muita apelação :
http://www.youtube.com/watch?v=7Ey2J4UkKM0
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