Enquanto Alberto (Newton Prado) e Márcia (Rossana Ghessa) correm pela relva, pulam e o primeiro episódio invade “Lua de Mel & Amendoim” (1971), o espectador começa a se perguntar se por algum acaso aquela cena já não foi vista em algum lugar, em algum filme, em algum momento antes.
Mesmo porque o entusiasmo do encontro dos namorados e a beleza natural de Ghessa são tão estarrecedores que passam a impressão de pairarem no inconsciente coletivo de cinéfilos e não-iniciados, como na reprodução de um sonho bom. A nudez renascentista, a música outonal – “Nessa nossa terra esférica/ região atmosférica...”–, as flores salpicadas de vermelho e amarelo, num possível ensaio para os calendários que recheavam as salas-de-estar de 1971. Pela delicadeza do quadro, poucos o creditariam a uma produção em parte financiada pela Boca do Lixo.
Cinedistri, fundada por Osvaldo Massaini – pai de Aníbal Massaini Neto, presidente da Cinearte –, e a Sincro Filmes co-produzem “Lua de Mel e Amendoim”, reunião de dois episódios independentes. O homônimo, estrelado por Ghessa e Prado, rodado no Guarujá, São Paulo; e “Berenice”, com Carlo Mossy e Renata Sorrah, no Rio. Uma carioca (a Sincro) e outra paulistana, localizada na fabulosa Rua do Triunfo.
Esse esquema de realização talvez seja mais uma negativa para se tentar dar valor ao Cinema Popular da época. Se foi feito pra lucrar, com a divisão em capítulos – facilitando os custos e mobilizando as equipes de cada lado da ponte-aérea –, por que iremos perder tempo procurando qualquer coisa que valha por ali?
A resposta é múltipla. Para os mais céticos, recomendamos a trilha sonora – que em ‘Berenice’ chega a ser covardia enumerar: Marcos e Paulo Sérgio Valle, Osmar Milito (!), Mariozinho de Oliveira e arranjos de Orlando Silveira. Para os mais revoltados, os momentos de humor desopilam o fígado. Para os arqueólogos do cinema, a turma formada por Jairo Arco e Flexa, Zuzima, Homem de Melo e Clodovil – em papel semelhante ao de “A Infidelidade ao Alcance de Todos” (1972), ao lado de David Cardoso – ganha no mínimo pela sonoridade.
Mas “Lua de Mel & Amendoim” vai além das anedotas. Dirigido e idealizado por Fernando de Barros, fotografia do veterano Rodolfo Icsey e montagem de Carlos Coimbra, o argumento do “Lua de Mel...” (a primeira história) acompanha Alberto – quatrocentão no auge dos 30 anos, prestes a se casar com uma garota virgem, filha de Rodolfo (Otelo Zeloni) e Assunta (Consuelo Leandro), família construtora de fogões.
O amendoim e a lua de mel são facilmente explicáveis: assim como o ovo de codorna e a catuaba, o malicioso grão também costuma ajudar as atividades masculinas. O que não se entende muito bem é a proposta de fazer de Newton Prado, 38 anos, um jovem noivo quando no mínimo passaria pelo papel de tio de Rossana – que há pouco tempo havia completado “Palácio dos Anjos”.
“Berenice”, direção de Pedro Carlos Rovái, investe no beautiful people, juventude quase-transviada mas gente boa. Serginho (Carlo Mossy) é o bonachão, filho de diplomata radicado na África e de uma desvairada que dentre outros cai na lábia do cabeludo José Lewgoy. Cordões de ouro, camisa aberta no peito, emenda um affair com Zuzu (Darlene Glória), esposa de Bilu (Ângelo Antônio), tentando esquecer Berenice (Renata Sorrah). Mossy e Sorrah, com uma beleza de outro planeta mas dublados, e o tema da virgindade novamente em foco, desta vez em um ambiente com maior sofisticação. Elke Maravilha numa festa, Osmar Milito num piano-bar, participações aleatórias de outras novatas, como Vera Gimenez.
A lábia de Serginho, a canastrice de Alberto, as piadas de botequim misturadas com o refinamento da direção e principalmente da trilha-sonora seriam revistos pela Vidya Produções – criada por Mossy e Victor di Mello, para deleite pessoal e tubos de dinheiro na bilheteria. Vamos ser sinceros: construído às pressas, com rolos de filmes contados, uma espécie de Lei de Talião cinematográfica, o cronograma era cumprido com folgas e armava o circo para a produção do filme seguinte.
Mesmo porque o entusiasmo do encontro dos namorados e a beleza natural de Ghessa são tão estarrecedores que passam a impressão de pairarem no inconsciente coletivo de cinéfilos e não-iniciados, como na reprodução de um sonho bom. A nudez renascentista, a música outonal – “Nessa nossa terra esférica/ região atmosférica...”–, as flores salpicadas de vermelho e amarelo, num possível ensaio para os calendários que recheavam as salas-de-estar de 1971. Pela delicadeza do quadro, poucos o creditariam a uma produção em parte financiada pela Boca do Lixo.
Cinedistri, fundada por Osvaldo Massaini – pai de Aníbal Massaini Neto, presidente da Cinearte –, e a Sincro Filmes co-produzem “Lua de Mel e Amendoim”, reunião de dois episódios independentes. O homônimo, estrelado por Ghessa e Prado, rodado no Guarujá, São Paulo; e “Berenice”, com Carlo Mossy e Renata Sorrah, no Rio. Uma carioca (a Sincro) e outra paulistana, localizada na fabulosa Rua do Triunfo.
Esse esquema de realização talvez seja mais uma negativa para se tentar dar valor ao Cinema Popular da época. Se foi feito pra lucrar, com a divisão em capítulos – facilitando os custos e mobilizando as equipes de cada lado da ponte-aérea –, por que iremos perder tempo procurando qualquer coisa que valha por ali?
A resposta é múltipla. Para os mais céticos, recomendamos a trilha sonora – que em ‘Berenice’ chega a ser covardia enumerar: Marcos e Paulo Sérgio Valle, Osmar Milito (!), Mariozinho de Oliveira e arranjos de Orlando Silveira. Para os mais revoltados, os momentos de humor desopilam o fígado. Para os arqueólogos do cinema, a turma formada por Jairo Arco e Flexa, Zuzima, Homem de Melo e Clodovil – em papel semelhante ao de “A Infidelidade ao Alcance de Todos” (1972), ao lado de David Cardoso – ganha no mínimo pela sonoridade.
Mas “Lua de Mel & Amendoim” vai além das anedotas. Dirigido e idealizado por Fernando de Barros, fotografia do veterano Rodolfo Icsey e montagem de Carlos Coimbra, o argumento do “Lua de Mel...” (a primeira história) acompanha Alberto – quatrocentão no auge dos 30 anos, prestes a se casar com uma garota virgem, filha de Rodolfo (Otelo Zeloni) e Assunta (Consuelo Leandro), família construtora de fogões.
O amendoim e a lua de mel são facilmente explicáveis: assim como o ovo de codorna e a catuaba, o malicioso grão também costuma ajudar as atividades masculinas. O que não se entende muito bem é a proposta de fazer de Newton Prado, 38 anos, um jovem noivo quando no mínimo passaria pelo papel de tio de Rossana – que há pouco tempo havia completado “Palácio dos Anjos”.
“Berenice”, direção de Pedro Carlos Rovái, investe no beautiful people, juventude quase-transviada mas gente boa. Serginho (Carlo Mossy) é o bonachão, filho de diplomata radicado na África e de uma desvairada que dentre outros cai na lábia do cabeludo José Lewgoy. Cordões de ouro, camisa aberta no peito, emenda um affair com Zuzu (Darlene Glória), esposa de Bilu (Ângelo Antônio), tentando esquecer Berenice (Renata Sorrah). Mossy e Sorrah, com uma beleza de outro planeta mas dublados, e o tema da virgindade novamente em foco, desta vez em um ambiente com maior sofisticação. Elke Maravilha numa festa, Osmar Milito num piano-bar, participações aleatórias de outras novatas, como Vera Gimenez.
A lábia de Serginho, a canastrice de Alberto, as piadas de botequim misturadas com o refinamento da direção e principalmente da trilha-sonora seriam revistos pela Vidya Produções – criada por Mossy e Victor di Mello, para deleite pessoal e tubos de dinheiro na bilheteria. Vamos ser sinceros: construído às pressas, com rolos de filmes contados, uma espécie de Lei de Talião cinematográfica, o cronograma era cumprido com folgas e armava o circo para a produção do filme seguinte.
Sucesso na época, vale lembrar que das bancadas do Cine Rian, o coronel Alexandrão – de “A Viúva Virgem”, também de Rovái – sapateia e roga pragas contra os amantes de Adriana Prieto. Na fachada, o letreiro não deixava margem para dúvidas: “Lua de Mel & Amendoim” era o filme exibido em um dos mais charmosos cinemas do país, destruído pela especulação imobiliária de Copacabana em meados dos anos 80.
13 comentários:
Sensacional, Andréa!!!
Gostaria muito de ver esse filme (e tantos outros aqui do seu blog, é verdade...)
Como você fez pra assisti-lo?
Parabéns pelos textos, sempre.
Um beijo,
Domingos.
Andréa, por acaso é nesse filme que tem uma piada infame com um pintinho cor-de-rosa? :)
Valeu, Domingos, obrigada!! :) O Lua de Mel e Amendoim passava muito no Canal Brasil há um tempo atrás, gravei e reassisti para a resenha. Alguns outros eu peguei em uma locadora bem antiga, com uma seção grande especializada nos nacionais. Um beijo :)
Sergio, não é nesse não rsrsrs Se bem que essa piada do pintinho cor-de-rosa não me é estranha rsrs
Queria lembrar o título desse filme que vi em meados da década de 70, quando a gente falsificava a carteira de estudante para entrar em filme "Proibido para menores de 18 anos". Bons tempos! :)
Bjs!
Sergio, vou dar uma pesquisada depois te falo :) O fogão que o pai da Marcinha construiu é rosa, mas de lembrança fresca porque reassisti para escrever a resenha, é a única citação a algo assim no filme. Agora também fiquei curiosa rsrsrs Bjs!
Obrigado, Andréa!
Vou procurar o filme em algumas locadoras.
E o "Estranho encontro" que dá nome ao seu blog é por causa do filme do Walter Hugo Khouri? Quero saber a sua visão feminina sobre esse filme...
Oi Domingos, é isso mesmo, o nome vem do filme do Khouri :) Vou escrever sobre ele em breve, pode deixar :)
descobri o seu blog numa pesquisa sobre o filme as deusas do walter hugo khouri que acabo de ver. maravilhoso né? em breve vou falar dele no meu blog. beijos, pedrita
Andréa,
Há um tempão, quando vi esse filme pela primeira vez, há trocentos anos - na verdade somente a cena do casal no gramado com aquela música ao fundo - nunca mais o esqueci. Porém não sabia de quem se tratava, nem sequer o título.
Em 2006, um amigo do Orkut me disse que a música que eu tanto procurava - e achava que fosse dos irmãos Valle - estava nesse filme, e que era deles mesmo.
Uma pergunta: você sabe algo de um certo livro sobre cinema nacional que relaciona todos os filmes produzidos, fotos e trilhas sonoras? Tenho a impressão de tê-lo folheado uma vez.
Obrigado pelo retorno
- seu texto é maravilhoso.
Abraço!
Meus endereços:
leao_1_2@yahoo.com.br
www.fotolog.terra.com.br/bossabrasileira
Estou vendo o filme.
Alguém pode me informar o nome da canção de abertura do filme Lua de Mel e amendoim pelo amor de Deus? Se alguém souber e puder me faria felicíssima em saber.Obrigada.
Revi o filme e reli a resenha.
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