“Discutir a relação” não é um passatempo que encante a gregos e troianos. Principalmente porque o debate muitas vezes se torna um exercício de vitimização, em que o inquiridor investe-se de todo o poder do mundo, prega o inquirido numa cruz e concede a ele tão somente a alternativa de confirmar os pecados o mais rápido possível, para que saia logo dali. Pessoas auto-centradas impossibilitam o diálogo e acusam, acusam sempre.
Este pequeno prefácio se aplica ao casal de personagens de “Real Desejo” (1990), uma espúria mas interessante tentativa de se fazer um filme “cabeça”, em um tempo onde a ignorância dos anos Sarney-Collor imperavam.
O grande problema do filme é sua incapacidade de encontrar um termo, talvez por conta da dificuldade de produção, no abismo da Embrafilme e muito longe da chamada "retomada". Parece uma daquelas redações de garotos de colégio, com problemas em casa: não que o roteiro não seja inteligente e o realizador não seja talentoso, mas saiu tudo tão ruim e tão forçado, que no final das contas a impressão possível é a de total nulidade.
Gilda de Oliveira (Ana Maria Magalhães), famosa atriz de cinema, vive um relacionamento em crise com o ator Paulo Cavalcante (Paulo César Peréio). Acompanhamos Gilda por um dia e início de outro, concretizando a conhecidíssima “fuga de si mesma para ver se a personagem se encontra”.
Como isto ocorre? Bem, a narrativa é costurada através de certas descontinuidades temporais, um quebra-cabeças que vai se encaixando. Gilda vê Paulo na estação da Luz, corre atrás dele, mas Paulo entra em um vagão e some. Será esta a metáfora essencial? Gilda procura-o; e ele se dissipa no éter, no nada, alheio a seu desejo.
A seguir, vemos a cantora Rosa Maria dividindo o assento de trem com a atriz. O corte temporal é explicado a posteriori, pois, na realidade, Gilda está naquele instante voltando de uma escapadinha num lugar ermo, fugindo depois de ter combinado programa com um bandido, ladrão de carros. Pois é, a “fase prostituta” – geralmente associada com a libertação de desejo sexual reprimido de personagens femininas – também está presente no filme.
Gilda encontra amigos, fãs, motoristas de táxi pegajosos – um deles promete-lhe sexo fácil e a garantia de não pagar a corrida. Disfarça, não aceita, mas bem que simpatiza com a côrte, até o momento que ele vai com sede demais ao pote. Chegando no aeroporto de Congonhas – destino do trajeto –, é pega de surpresa ao ver Paulo gravando uma cena com a amante, aos beijos. Como bons civilizados, não estapeiam-se, conversam sobre a vida e outros assuntos bastante vagos.
Em certa hora descobrimos que houve um tempo em que a idéia de ter um filho interrompeu a evolução do caso entre os dois atores. Paulo queria-o loucamente, Gilda preferia manter o corpo bonito. Por singela coincidência, Gilda finalmente decide tê-lo. Donde conclui-se: o instinto maternal surgiu apenas na iminência do abandono; mais uma mãe fálica a caminho, desejando o bebê apenas como instrumento de terapia pessoal.
Não sabemos a quantas andou a união dos dois. “Real desejo” termina deixando em aberto esta hipótese, crucial para dar sentido ao filme. Novamente salvam-se detalhes: a direção de Augusto Sevá procura ser correta, mas a forçação de barra do roteiro e da atuação do elenco joga tudo pelo ralo.
Só Peréio levanta um pouco a moral, mesmo não estando no auge do brilhantismo – leia-se “Eu te amo” (1981), de Arnaldo Jabor. Mas um Peréio sozinho (e displicente, preguiçoso), não faz o verão de uma obra, que no fundo é puro non-sense. Para o país atônito e decadente do início dos anos 90, no entanto, andava até de bom tamanho.
Este pequeno prefácio se aplica ao casal de personagens de “Real Desejo” (1990), uma espúria mas interessante tentativa de se fazer um filme “cabeça”, em um tempo onde a ignorância dos anos Sarney-Collor imperavam.
O grande problema do filme é sua incapacidade de encontrar um termo, talvez por conta da dificuldade de produção, no abismo da Embrafilme e muito longe da chamada "retomada". Parece uma daquelas redações de garotos de colégio, com problemas em casa: não que o roteiro não seja inteligente e o realizador não seja talentoso, mas saiu tudo tão ruim e tão forçado, que no final das contas a impressão possível é a de total nulidade.
Gilda de Oliveira (Ana Maria Magalhães), famosa atriz de cinema, vive um relacionamento em crise com o ator Paulo Cavalcante (Paulo César Peréio). Acompanhamos Gilda por um dia e início de outro, concretizando a conhecidíssima “fuga de si mesma para ver se a personagem se encontra”.
Como isto ocorre? Bem, a narrativa é costurada através de certas descontinuidades temporais, um quebra-cabeças que vai se encaixando. Gilda vê Paulo na estação da Luz, corre atrás dele, mas Paulo entra em um vagão e some. Será esta a metáfora essencial? Gilda procura-o; e ele se dissipa no éter, no nada, alheio a seu desejo.
A seguir, vemos a cantora Rosa Maria dividindo o assento de trem com a atriz. O corte temporal é explicado a posteriori, pois, na realidade, Gilda está naquele instante voltando de uma escapadinha num lugar ermo, fugindo depois de ter combinado programa com um bandido, ladrão de carros. Pois é, a “fase prostituta” – geralmente associada com a libertação de desejo sexual reprimido de personagens femininas – também está presente no filme.
Gilda encontra amigos, fãs, motoristas de táxi pegajosos – um deles promete-lhe sexo fácil e a garantia de não pagar a corrida. Disfarça, não aceita, mas bem que simpatiza com a côrte, até o momento que ele vai com sede demais ao pote. Chegando no aeroporto de Congonhas – destino do trajeto –, é pega de surpresa ao ver Paulo gravando uma cena com a amante, aos beijos. Como bons civilizados, não estapeiam-se, conversam sobre a vida e outros assuntos bastante vagos.
Em certa hora descobrimos que houve um tempo em que a idéia de ter um filho interrompeu a evolução do caso entre os dois atores. Paulo queria-o loucamente, Gilda preferia manter o corpo bonito. Por singela coincidência, Gilda finalmente decide tê-lo. Donde conclui-se: o instinto maternal surgiu apenas na iminência do abandono; mais uma mãe fálica a caminho, desejando o bebê apenas como instrumento de terapia pessoal.
Não sabemos a quantas andou a união dos dois. “Real desejo” termina deixando em aberto esta hipótese, crucial para dar sentido ao filme. Novamente salvam-se detalhes: a direção de Augusto Sevá procura ser correta, mas a forçação de barra do roteiro e da atuação do elenco joga tudo pelo ralo.
Só Peréio levanta um pouco a moral, mesmo não estando no auge do brilhantismo – leia-se “Eu te amo” (1981), de Arnaldo Jabor. Mas um Peréio sozinho (e displicente, preguiçoso), não faz o verão de uma obra, que no fundo é puro non-sense. Para o país atônito e decadente do início dos anos 90, no entanto, andava até de bom tamanho.
4 comentários:
Tinha curiosidade de saber se mais alguém conhecia esse filme. Deparar-me com um texto crítico tão saboroso foi uma surpresa. Uma pergunta: existe algum filme brasileiro que você não tenha visto, Andrea? Parabéns pelo blog!
Tinha gravado e assisti apenas ontem de noite. Meio que um pastiche de Eu Te Amo, ainda por cima com o mesmo Pereio. Não achei o Real Desejo assim ruim (mesmo porque não acho o Eu Te Amo assim tão bom). A despeito de algumas forçadas de barra no roteiro (como o programa com o ladrão de carros), gostei muito das atuações de Pereio e Ana Maria Magalhães. A beleza madura dela também chama a atenção, assim como as belas imagens de Sampa na entrada da década de 1990. Saldo final: nota 7/10.
Só um detalhe: este filme apesar de aparece como 1990 foi produzido em 1986. Era muito comum na época da finada Embrafilme, devido a burocracia. Há filmes que foram lançados 10 anos após a filmagem.
Anônimo, entre o início da produção e a exibição em Gramado (30 de julho de 90) o filme pegou a fase dos anos Sarney-Collor e o abismo da Embrafilme, como eu disse no texto.
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