Cinema é relatividade. O que pode parecer belo para um – com sua carga de influências e gostos pessoais – para outro talvez possa soar pueril e enfadonho. Uma mesma pessoa pode amar um filme em uma época de sua vida e anos depois desgostá-lo com fervor.
“O Vampiro de Copacabana” (1976) costuma habitar muitas listas de “filmes brasileiros preferidos”, de gente que realmente entende do assunto. Na minha revisão é apenas um filme mal-costurado, sufocado por influências do cinema italiano dos anos 40 e 50, como são todos os longa-metragens dos cinco que o enigmático Xavier de Oliveira dirigiu. Um destes realizadores cariocas que enxergava a cidade como epicentro da sua concepção de mundo, Xavier de Oliveira aproxima-se de David Neves – uma espécie de David Neves que, num rompante catatônico, desistisse de crer e ser.
O “Vampiro” é exatamente sobre a falta de crenças – ou sobre a queda das poucas restantes. Carlos (André Valli) é homem fraco, esquálido, anti-galã de trinta e poucos anos, em crise. Não é uma entidade sobrenatural, aumentando a já pitoresca densidade demográfica do bairro-título. O Vampiro é apenas humano, chora. Tem amigos, mantém relações sexuais freqüentemente, de preferência extra-conjugais – uma delas tórrida, com Carmen (Rossana Ghessa).
A história tenta, sem grande sucesso, servir de panorama da classe média brasileira dos anos 70. Não a que freqüentava os grupos de teatro e as inovações artísticas de um pólo cultural efervescente. Mas a que já havia casado, tido filhos e perguntado-se: bem, e daqui, para onde vamos?
Esta inquietação melancólica não significa ódio ou qualquer delírio de protesto. É apenas vagar. O questionamento típico, sofisticado, que atinge grande parte das pessoas na faixa etária do protagonista. Algo aconteceu de tão rápido que mudou tudo, sem deixar qualquer expectativa de melhora. “Você era um cara cheio de perguntas na cabeça, questionava. Agora é um idiota.”
O drama dirigido e roteirizado por Xavier (também realizador de “Marcelo Zona Zul, com os púberes Françoise Fourton e Stepan Nercessian) limita-se ao retratar um vazio individual de Carlos, casado com Sueli (Ângela Valério). Há grande quantidade de monólogos em off que levam o espectador a entender o profissional medíocre, que deve a agiota, a meio mundo, e em breve será sumariamente despejado do apartamento onde mora com a família.
“Família, isso é o diabo. Minha sogra, velha metida a virgem... Meu Deus, aonde é que eu fui me meter?”
A idéia do vampiro de Copacabana não é original de Xavier de Oliveira. Pode ser encontrada em Torquato Neto, anos antes, no curta-metragem em que Torquato aparece vestido exatamente como André Valli, em plena praia, na mesma Copacabana. André então, é um Torquato Neto retirado das tumbas? Ou é o que Torquato seria anos depois, se não tivesse se suicidado?
O filme não seduz completamente, deixando um certo tom de estranhamento. David Neves morgue. Rubem Braga com mandrix ou pervitin. Neo-realismo tardio, lisérgico. A trama, por sua vez, elabora um lirismo que não entristece, não toca, não enleva o espectador.
O “vampiro às avessas, vampiro chupado”, de quem todos dragavam o sangue – palavras do protagonista –, volta para casa após uma tentativa frustrada de suicídio e fala, desta vez não em off, mas para o vizinho assustado com a aparição que achava ter desencarnado: “É, me suicidei mas não morri”. A concepção do diálogo é boa, há um sub-texto relevante: tentei, estou aqui, redivivo, depois do caos. A esposa, que havia iniciado uns flertes na então desértica Barra da Tijuca, deixa um fanfarrão (Emiliano Queiroz) a ver navios, pega carona com casal de velhos imbecilizados, e em cena belíssima, novamente encontra sua vida essencial, sendo esposa e, provavelmente, feliz.
Além deste final tocante salvam-se a boa vontade de filmar nas ruas – paradoxal o cinema brasileiro urbano não filmar mais externas, sendo o Rio de Janeiro a capital mais amigável do mundo para equipes de cinema –, o colorido cuidadoso da fotografia e a interpretação delicada de André Valli. Portanto, um filme para ser visto entre detalhes, não pelo seu todo imperfeito.
“O Vampiro de Copacabana” (1976) costuma habitar muitas listas de “filmes brasileiros preferidos”, de gente que realmente entende do assunto. Na minha revisão é apenas um filme mal-costurado, sufocado por influências do cinema italiano dos anos 40 e 50, como são todos os longa-metragens dos cinco que o enigmático Xavier de Oliveira dirigiu. Um destes realizadores cariocas que enxergava a cidade como epicentro da sua concepção de mundo, Xavier de Oliveira aproxima-se de David Neves – uma espécie de David Neves que, num rompante catatônico, desistisse de crer e ser.
O “Vampiro” é exatamente sobre a falta de crenças – ou sobre a queda das poucas restantes. Carlos (André Valli) é homem fraco, esquálido, anti-galã de trinta e poucos anos, em crise. Não é uma entidade sobrenatural, aumentando a já pitoresca densidade demográfica do bairro-título. O Vampiro é apenas humano, chora. Tem amigos, mantém relações sexuais freqüentemente, de preferência extra-conjugais – uma delas tórrida, com Carmen (Rossana Ghessa).
A história tenta, sem grande sucesso, servir de panorama da classe média brasileira dos anos 70. Não a que freqüentava os grupos de teatro e as inovações artísticas de um pólo cultural efervescente. Mas a que já havia casado, tido filhos e perguntado-se: bem, e daqui, para onde vamos?
Esta inquietação melancólica não significa ódio ou qualquer delírio de protesto. É apenas vagar. O questionamento típico, sofisticado, que atinge grande parte das pessoas na faixa etária do protagonista. Algo aconteceu de tão rápido que mudou tudo, sem deixar qualquer expectativa de melhora. “Você era um cara cheio de perguntas na cabeça, questionava. Agora é um idiota.”
O drama dirigido e roteirizado por Xavier (também realizador de “Marcelo Zona Zul, com os púberes Françoise Fourton e Stepan Nercessian) limita-se ao retratar um vazio individual de Carlos, casado com Sueli (Ângela Valério). Há grande quantidade de monólogos em off que levam o espectador a entender o profissional medíocre, que deve a agiota, a meio mundo, e em breve será sumariamente despejado do apartamento onde mora com a família.
“Família, isso é o diabo. Minha sogra, velha metida a virgem... Meu Deus, aonde é que eu fui me meter?”
A idéia do vampiro de Copacabana não é original de Xavier de Oliveira. Pode ser encontrada em Torquato Neto, anos antes, no curta-metragem em que Torquato aparece vestido exatamente como André Valli, em plena praia, na mesma Copacabana. André então, é um Torquato Neto retirado das tumbas? Ou é o que Torquato seria anos depois, se não tivesse se suicidado?
O filme não seduz completamente, deixando um certo tom de estranhamento. David Neves morgue. Rubem Braga com mandrix ou pervitin. Neo-realismo tardio, lisérgico. A trama, por sua vez, elabora um lirismo que não entristece, não toca, não enleva o espectador.
O “vampiro às avessas, vampiro chupado”, de quem todos dragavam o sangue – palavras do protagonista –, volta para casa após uma tentativa frustrada de suicídio e fala, desta vez não em off, mas para o vizinho assustado com a aparição que achava ter desencarnado: “É, me suicidei mas não morri”. A concepção do diálogo é boa, há um sub-texto relevante: tentei, estou aqui, redivivo, depois do caos. A esposa, que havia iniciado uns flertes na então desértica Barra da Tijuca, deixa um fanfarrão (Emiliano Queiroz) a ver navios, pega carona com casal de velhos imbecilizados, e em cena belíssima, novamente encontra sua vida essencial, sendo esposa e, provavelmente, feliz.
Além deste final tocante salvam-se a boa vontade de filmar nas ruas – paradoxal o cinema brasileiro urbano não filmar mais externas, sendo o Rio de Janeiro a capital mais amigável do mundo para equipes de cinema –, o colorido cuidadoso da fotografia e a interpretação delicada de André Valli. Portanto, um filme para ser visto entre detalhes, não pelo seu todo imperfeito.
13 comentários:
Esse filme foi feito em um período que tanto o cinema como a literatura procuravam mostrar a decadência dos valores familiares e angústia de se ver preso a tais valores, totalmente falidos, destruídos. E eu não gostei quando vi, mas gostaria muito de revê-lo, pois você sempre encontra detalhes que passam desapercebidos pelo meu olhar. Abraço, adorei.
Citei o teu blog hoje no texto que eu fiz sobre o Khouri no meu blog, Andréa.
Após seus textos,vc devia disponibilizar os filmes p/ download...dá vontade de assistir
na hora.
Oi Fernando! Assistindo ao vampiro bate um pouco aquela sensação do "dream is over". Justamente essa perda de valores depois de um tempo tão rico quanto os anos 60 haviam sido :) Um grande abraço!
Oi Ailton! Tentei comentar no seu blog, pra dizer que adorei o texto. Quanto mais pessoas ajudarem a resgatar a obra do nosso mestre maior, mais conseguiremos mudar o estado de coisas no cinema brasileiro atual. Agradeço muito a referência :) Abração!
Oi Dr. Lorax! tentei entrar várias vezes no seu flog e não consegui. Agora que consegui, está devidamente linkado aqui :) Abraços.
Cara Andréia, esse filme realmente não é nada demais. Esse Xavier de Oliveira dirigiu um filme muito bom, que o Carlão fotografou, chamado JJ, O AMIGO DO SUPER HOMEM que tem em seu elenco, o grande, grande Rodolfo Arena. Esse filme é bem bobo, mas metido a intelectual. Não é nem Cinema Novo, nem pornochanchada, nem nada mas é metido pra todos os lados e ineficiente em ambos. Mas o mais engraçado é que a trilha sonora conta com uma música do grande, grande SÉRGIO SAMPAIO, sambista e o cara que fez a cabeça do Raulzito se tornar RAUL SEIXAS. Mas prefiro, o Xavier Oliveira do outro filme.
Andréa veja o que eu escrevi em Rainha Diaba, até errei de escrever o seu nome, mas vale a pena ler o que eu falei.
Fala Matheus! O Xavier de Oliveira situa-se no meio, nem tanto para o cinema novo nem tanto para o cinema marginal, em termos precisos. Mas possui umas características interessantes, vide o "Vampiro". Sérgio Sampaio é fundamental pra última cena. Sem ele, seria algo bastante diferente mesmo. É outro artista que possui muito material a ser investigado :) Abração!
Olá, será que alguém sabe o nome do cantor e da música que fecham o filme?!
Algo parecido com: "eu quero é jogar, meu corpo na rua, ginga, bota pra gemer!" ^^ Pela voz se parece bastante com Raul Seixas.
Agradeço quem puder ajudar.
E parabéns pelo texto! :)
Sou afilhada do xavier e acredito q esse filme tenha sido gravado no meu predio!!! gostaria de saber como consigo uma copia desse filme?? perdi o contato com o xavier e gstaria muito de ver os filmes q meu pai tbm participou " DIVALDO SOUZA" como faco pra ter esses filmes??? meu pai esta muito doente e essa epoca foi muito importante pra ele!!!
Renata Souza
Saiu anonimo mais nao sou nao!! rs,rs quem puder me ajudar meu nome e renata e meu e mail e estrelladeluz_@hotmail.com
Eu acho que o filme é todo construído para dar energia à cena final.
È como uma piada. Uma piada se estrutura em um longo e muitas vezes sem sentido arranjo situacional que se clarifica e jutsifica no fim.
O filme seria péssimo se não tivesse aquele final. Incível como tão poucos segundos reestruturam e dão sentido de ser ao todo que os precedem.
heheheh
sou filho do garçon
hehehehe
Realmente a cena final vale o filme, a força da cançao do Sergio Sampaio levantaria qq cena do cinema brasileiro. mas além diso, a atuação do André Valli é maravilhosa, ele além do visconde de sabugosa vai ser sempre para mim o vampiro de copacabana. agora, quanto ao Xavier Silveira, eu gosto da temática dos filmes dele, é sempre um vazio existencial, uma busca por algo que sempre soa inalcançável.
Postar um comentário