sexta-feira, janeiro 22, 2010

As Amiguinhas


Típico produto do Beco da Fome carioca, “As Amiguinhas (1979) nos traz a enorme tentação de enfileirar um por um todos os seus erros e imperfeições amadoras. Quase autoral -- sem ironia -- foi escrito, produzido e dirigido pelo português Carlos Alberto Almeida. A intenção de Carlos Alberto era óbvia: lotar as salas da Cinelândia e adjacências com história ousada, sobre uma trintona lésbica predadora de menininhas.

No meio GLBT existem, de fato, mulheres para quem a gente olha e logo diz: aquela tem cara de loba que pega chapeuzinho. Feliz em sua escolha, o diretor traz Diva Medrek no papel de Júlia, herdeira de uma bela casa -- a mesma onde três anos depois seria rodado “Viagem ao Céu da Boca” -- e atuante na mui leal e heróica cidade de São Sebastião como flâneur do babado.

Diva se esforça bastante, mas a dublagem assassina sua performance de olhares e esgares entendidíssimos. Logo ela conhece Cláudia (Cat Regine), e as duas acabam transando em um Passat. Nada vemos do interlúdio: somente o carro, mal enquadrado em uma estrada baldia -- e gemidos, muitos gemidos. “Ai, ai, carícias loucas!” -- sussurra Cláudia, para vergonha alheia.

Júlia possui um iate e vão -- junto com mais duas amigas, Mônica (Fátima Celebrini ) e Silvia (Neusa Chantal) -- passar algum tempo em uma ilha nas proximidades de Mangaratiba. Lá desenvolvem relação de amizade e competição, que acabará muito mal. Na verdade, lesbianismo e finais trágicos eram quase sinônimo no cinema brasileiro dos anos 70 e 80. E, nesse ponto, “As Amiguinhas” arreganha os dentes da homofobia e não se furta a demonstrar que mulher com mulher é um barato que não compensa.

Em agradecimento ao povo de Mangaratiba, Júlia dá um passeio pela praia e frequenta o Cinema Januzzi, onde assiste a “...E as Pílulas Falharam”, o filme anterior de Carlos Alberto Almeida. “Assiste” é bondade de se dizer: minutos antes ela conhece outra beldade morena (Hilda Guinard) que arrasta na sala escura para um amasso, enquanto as três amigas se esfolam na ilha caçando um coelho.

Os créditos trazem verdadeira constelação do cinema popular carioca da época: destaque para a montagem de Leovigildo Cordeiro (o Radar) e a assistência de câmera do enigmático Geraldo Mohr. Nenhum deles, claro, salva o filme do ridículo involuntário.

Até a censura parece ter ficado constrangida: em parecer do dia 5 de abril de 1979 cita: “(...) Longe de poder ser classificado como uma realização profissional, em termos de cinema em geral, com graves falhas técnicas e artísticas, em todos os sentidos (...)”. Repare-se também, nesse texto, como escreviam de forma claudicante os censores...

Mas se a execução foi péssima, o roteiro de “As Amiguinhas” guarda lances freudianos: a protagonista leva uma existência austera, massacrada pela figura onipresente do pai morto. Torna-se lésbica por temor aos homens, fruto de repressão sexual. As amigas, apesar de se entregarem a Júlia sem pudor, escondem o cinismo de julgar que sapata só a que tem posição ativa e dá a cara a tapa. Em momento de epifania, Cláudia enche a boca e tortura Júlia: “Eu gosto é de macho!”. Lembra aqueles bofes que adoram um gay, mas julgam que bichas são os outros.

Ao mergulhar no universo do cinema brasileiro, o leitor guarde este paradigma: a homossexualidade feminina sempre foi vista como estereótipo cômico ou estrada para desgraças. Com exceção de quando optaram por viés libertário, bissexual, os diretores nacionais usaram fórmulas feitas, preconceituosas, que agradassem ao público pagante conservador, heterossexual e de direita.

“Amor Maldito”, de 1984, foi passo adiante dessas trevas, embora -- como de praxe -- a mínima vontade de uma figura masculina dissolvesse a segurança das protagonistas. Os cacoetes refletem um país machista, que ainda tem bastante a avançar no tratamento à parcela GLBT dos cidadãos.

No caso de “As Amiguinhas” podemos relevar o universo simplório em que transita. Sim, podemos rir: pelo menos até o momento em que a hipocrisia e a morbidez se instalam e nos perguntamos o porquê de tanta certeza -- sobre o desejo dos outros ser coisa torpe ou errada.

8 comentários:

Adilson Marcelino disse...

Querida Andrea,
As Amiguinhas é realmente inacreditável (rsrs).
Bjs

Andrea Ormond disse...

E não é, Adilson? O máximo da ruindade rsrs Bjs

Marcos disse...

Oi Andrea seu blog é fantástico por favor fale sobre "O Homem do Ano". Tchau.

Andrea Ormond disse...

Vou falar, Marcos. "O Homem do Ano" é ótimo.

ADEMAR AMANCIO disse...

Andréa,adoro suas análises,mas querer explicar porque alguém é lesbica vai ser sempre um terreno pantanoso.

Andrea Ormond disse...

Ademar, não fui eu quem tentei explicar, foi o filme. Até porque, como vc bem disse, essas coisas não se explicam...

Anônimo disse...

DISCURSO FEMINAZI COMUNISTA FEIA

Anônimo disse...

DISCURSO FEMINAZI AUTORITÁRIO DE COMUNISTA FEIOSA