domingo, abril 30, 2006

Biografia Entrevista - Sandra Barsotti


O rosto perfeito, os olhos grandes e verdes, o sorriso terno e malicioso, ainda estão lá. Aos cinqüenta e poucos anos de idade, Sandra Barsotti revela-se um papo agradável, combinando leveza a um senso de humor corrosivo, que surpreenderia muitos dos seus espectadores.

Começando por acaso em “Romualdo e Juliana”, filme em que contracenou com Romuald, ídolo das adolescentes dos anos 60, Sandra foi aos poucos deixando o posto de menina tímida, conhecida pelas boas notas na escola, e construiu carreira sólida como atriz, tornando-se uma das maiores estrelas do cinema brasileiro.

Mas para além dessa história conhecida pela grande imprensa, existe também uma mulher madura, crítica ao extremo, que rejeita o estigma da luta incessante pela fama. Amante das artes, educada em uma família por um lado cosmopolita e, por outro, bastante simples, a atriz prefere encontrar realização pessoal em outras esferas, sempre aberta a ler, a aprender, a dialogar, a se reciclar.

Nesta entrevista, Sandra revela detalhes sobre seu trabalho no cinema, desde os anos 70. Alguns mecanismos mudaram, houve grande amadurecimento na indústria cultural brasileira, mas ela defende com entusiasmo e abertamente o contato com o público, enxergando nele a fonte de tudo.

Nada mal para a menina que sonhava casar e ter filhos, viver o conto de fadas com o príncipe encantado e se recolher a um cotidiano mais pacato. Sandra Barsotti, a atriz que estreou por acidente, é dessas personalidades que contagiam e desferem golpes no ar com as palavras, ciente de possuir um carisma que parece imutável.


ESTRANHO ENCONTRO – Sandra, para começar, fale um pouco sobre a sua família, para entendermos melhor você, sua formação.

SANDRA BARSOTTI – Pois é, eu também preciso me entender [risos], venho fazendo isso há cinqüenta e quatro anos. Bem, eu tenho um lado 75 % italiano. Meu pai era filho de italianos, imigrantes, e meu avô tinha uma história que, aliás, eu acho ótima, cinematográfica. Ele veio para o Brasil com 16 anos, era um homão enorme, de 1 metro e noventa, e teve uma encrenca lá na Toscana. O Barsotão, o vovô Pedro. Pelo que a vovó contava, quando ele tinha dez anos ficou envolvido em um acidente de carroça, no qual o pai dele morreu. Manja esse negócio de família italiana? Ainda mais há cem anos atrás, o homem é quem manda, a mulher não apita. E quem passou a mandar na família foi o genro da mãe do vovô. Parece que o sujeito levou a mãe dele, a “maledetta”, como a minha avó dizia, para morar todo mundo junto. Mas essa senhora judiava da mãe do meu avô Pedro. Aí o meu avô, que tinha um temperamento caaalmo, de Toscano... Fazendo um brakezinho, os italianos se dizem o povo mais louco da Europa, e o toscano é o mais louco da Itália [risos]. Então você imagina a minha genética...

EE – [risos] Imagino...

SB – Então, o meu avô um dia ficou muito enfezado com a “maledetta”, pegou a mulher, levantou nos braços, eu fico imaginando como um desenho animado, e a jogou pela janela. Ela, graças a Deus, caiu num monte de feno [risos], se não ele tinha ido em cana, matado uma pessoa. E o Pedro acabou se casando com a minha avó, a vovó Noêmia, a figura mais deliciosa da minha memória infantil. Nunca vi aquela mulher dar um grito, embora a minha família fosse toda gritante e passional [risos]. Esse então era um lado. O outro era mais sofisticado, o lado da minha mãe. Papai de São Paulo, mamãe do Rio. O pai dela também era italiano, só que um calabrês de Catanzaro. Antes dele se casar a primeira vez, foi padre e acabou sendo excomungado. Ficou a vida inteira pedindo perdão para o Papa porque a mulher dele, que se chamava Alice, aliás o nome que ele deu pra minha mãe, morreu dando à luz um filho que também faleceu. Era muito rico, e veio ao Brasil para dirigir uma indústria de cerveja, a Ansiática. Acabou casando com a minha avó Lúcia, apelidada Neném, filha de franceses, a mãe dela era de origem nobre. Então aquela coisa, a minha avó tinha uma vivência e transmitiu-a pra minha mãe, essa coisa de ter sido criada em palácio, em Paris. Assim, na minha vida a minha mãe representou o sonho, a fantasia, vamos dizer assim, e meu pai o pé no chão. Eu vivi essa dualidade, que durante muito tempo era confusa.

EE – Pela mistura dos dois mundos bastante diferentes.

SB – É, e eles se casaram aqui no Rio, meu pai vinha namorar a minha mãe, e mais tarde foram para São Paulo. Chegando lá, o papai, homem das mil e uma utilidades, o Bombril da época, era também cheio das namoradas. Mamãe acabou não agüentando muito a barra e voltou, eu nasci aqui no Rio. Ele veio atrás, buscou a gente e fui com meses para São Paulo. Então me sinto meio paulista, porque a minha infância eu passei em Moema, fui criada lá. E o lado da vovó adorava música, a família dos Barsotti teve gente de música. Infelizmente, a irmã do meu pai, a tia Rosa, parou de tocar piano quando o pai dela morreu. Já eu tinha a fantasia de fazer balé e sempre tive contato com a arte, porque me levavam pra ver opereta, me levavam ao teatro, a concertos. Mas meu pai tinha horror da idéia de eu virar bailarina. Imagina, de jeito nenhum. E assim a minha tia acabou me levando para estudar piano.

EE – Com quantos anos isso?

SB – Tinha 5. Fiquei de 51 a 56 em São Paulo. E o meu pai tinha um cinema, o Cine Plaza, mas acabou perdendo tudo, afinal era um moleque de 24 anos. Por quê? Ele conseguiu um contrato com a Fox para passar “O Manto Sagrado”, e o contrato exigia exclusividade de seis meses. O problema é que o Plaza era um cinema pequeno e os grandes, como o Severiano Ribeiro, o Sá Pinto, essa turma toda, eram uma concorrência difícil. Eles conseguiram também o tal contrato com a Fox, sabe-se lá como, e “O Manto Sagrado” foi exibido em cinemas imensos, que atraíam mais público, como por exemplo o Cine Marabá. Aí meu pai ficou sem grana para comprar filmes, perdeu dinheiro e o Plaza começou a passar só reprises. Aliás, ele era localizado aonde a Globo depois montou os estúdios em São Paulo, eu até cheguei a dar entrevista lá. Assisti a “Branca de Neve”, “Bambi”. E a alguns filmes adultos quando a minha mãe não tinha com quem deixar a gente, meu irmão e eu, e ficávamos no balcão quando estava fechado pro público.

EE – Então aos cinco anos você teve esses primeiros contatos com o cinema?

SB – Foi. E eu me lembro muito, devia ter uns 4, 5 anos, por aí: um dia a gente estava assistindo a um filme das mulheres amazonas. Elas torturavam um cara, preso pelos braços, como se fosse uma cruz, e meu irmão Marcus disse [imitando voz de criança]: “Mamãe, a mulher vai matar o homem?” [risos]. O cinema veio abaixo! Ela ficou apavorada, com medo das multas. Mais adiante quando fui fazer cinema, meu pai detestava, porque como ele convivia com tudo isso, com uma certa liberdade das moças, tinha pavor do que a filha dele iria fazer. Mas logo no meu segundo filme eu aconteço como pornochancheira [risos]. Já imaginou? Coitado do meu velho. Bom, ele acabou falindo e voltamos para o Rio. Eu tinha uns 5 para 6 anos, e fomos morar no Leblon. Antes era o maior conforto, o maior amor, o maior tudo, depois... Mamãe me botou num colégio de classe média alta que não existe mais, o Vieira Machado, na rua Visconde de Albuquerque, do qual eu tenho muitas recordações. Teve um tempo em que eu fui estudar no Imaculada Conceição, no segundo ano ginasial, onde eu conheci a Sandra Bréa. Eu, do segundo ano A; ela, do segundo ano B. E era muito engraçado, uma coisa de personalidade, parece que desde de pequeninas, as coisas já estavam propensas a nos acontecer. Quando tinha os eventos, Dia da Bandeira, Dia da Mãe, Dia do sei lá do quê, eu lia pela minha turma, ela lia pela dela. Sem querer, éramos as exibidas do pedaço. Já estava lá o gérmen da coisa toda desde pequena, embora eu fosse às vezes muito tímida.

EE – Então você sempre quis ser atriz?

SB – Não, desde os 4 anos eu tinha me comprometido a ser médica [risos]. Fui criada com muitos bichos, a gente morava numa casa enorme em São Paulo, tinha criação de pastor, de cocker, coelhinhos, patinhos, pintinhos, canários, era uma bicharada. E plantas. E eu consertava de vez em quando os bichos. Achava um pardal, consertava lá a asa do bicho, que morria depois, coitado. A minha mãe, eu me lembro, teve um problema no dedo e eu entalei com dois pauzinhos de sorvete. E ela deixou, maluca. Só que eu não passei no vestibular, com 18 anos, em 1969. E pra piorar também tive uma paixonite que não se resolveu. Nesse ínterim adoeci, com o stress do vestibular, da paixão, de tudo. Mas um dia, estou eu na praia, horário de verão, titio Careca, irmão da mamãe passa: “Vamos para casa”. Falei “Tá bom”. Me lembro de que mal a gente chegou lá, bateu na porta o Renato Fernandes, cunhado da Leilinha, vizinha da minha avó do Rio, a Neném. Ele trabalhava com publicidade e chegou com um diretor de cinema, o André Willième, belga, e o Robert Calerier, francês, assistente de direção do “Romualdo e Juliana”, que viria a ser o meu primeiro filme.

EE – Estava tudo armado e você sem saber?

SB – Pois é, bateram na porta, conversaram com o meu tio, eu sem entender nada. Eles falando que o filme era com o Romuald, o “meu” Romuald, uma das estrelas do Festival da Canção daquela época, ele era francês, mas defendia Andorra. E o Willième queria fazer o “Help!” brasileiro. A equipe, aliás, era toda de gringo. Era paraguaio, uruguaio, além do belga e do francês. Na minha cabeça, eu achava que era um anúncio o que eu iria fazer. “Que legal, fazer um anúncio, vou ganhar uma grana.” Mas era um longa-metragem aonde eu era a protagonista. Não tinha a menor idéia [risos].

EE – [risos] E como foi na hora, quando você viu a equipe montando o set todo?

SB – Era um dia 9 de fevereiro. Primeiro dia de filmagem do “Romualdo e Juliana”, a família achando o máximo. A família que eu digo era a mamãe, o titio, a vovó Neném e o meu irmão. Meu pai, coitado, nem estava sabendo das coisas. Nesta altura ele estava separado de mamãe, morando na cidade dele, assim como toda família de São Paulo. Me pegaram pela mão, me levaram para Copacabana, compraram as roupas todas. Naquela época compravam, não tinha esse negócio de permuta. Me deram comida, me colocaram lá no Arpoador e pediram para o maquiador me arrumar. Me trocaram dentro de uma kombi, me deram um pequinês, um cachorro, a frase que eu ia falar e me jogaram nas areias do Arpoador. Foi aí que eu vi o Romuald na minha frente, fiquei toda histérica, toda nervosa [risos]. Virei atriz. Um desespero absoluto. Mas eu era tão vaidosa e policial das minhas coisas, que enquanto eu fui assistindo ao filme, pensava “Ai, isso aí é tão bobo”. Ou seja, eu tinha que fazer direito, salvar a honra de carcamana teimosa, que resultou no meu segundo filme...

EE – ... O “Quando As Mulheres Paqueram”.

SB – É, o “Quando As Mulheres Paqueram”. O “Romualdo e Juliana” teve uma produção muito cuidada, com muito dinheiro, patrocinado pelo Banco do Estado de São Paulo. O filme foi para os Estados Unidos para ser montado com todo o aparato técnico, e quando ele voltou eu estava famosa, com esse filme em cartaz e matérias de jornal que incluíam uma história envolvendo o Polanski, que eu conto daqui a pouco. O pessoal do “Quando As Mulheres Paqueram” viu o cartaz do “Romualdo e Juliana”, que estava pronto, e mandaram me chamar pra compor a terceira menina. Estava lá a Dilma Lóes, que tinha escrito a base do roteiro e era noiva do Victor di Mello, o diretor. Depois eu fiz com o Victor alguns filmes em episódios, e sem me avisar ele juntou os episódios desses outros filmes em “Os Melhores Momentos da Pornochanchada” e em “Assim Era a Pornochanchada”. Quer dizer, eu recebi para fazer determinados filmes e depois ele monta outros, sem me dizer nada... Enfim. A Eva Christian também estava no “Quando As Mulheres Paqueram”, ela fazia muitos filmes de sucesso na época...

EE – ... Aliás, sobre a Eva Christian você tem alguma notícia?

SB – O que eu sei é que ela não agüentou a barra, era uma moça de família européia, de classe média, estudava na PUC, e teve que abandonar tudo. As pessoas faziam muita pressão depois que ela fez aquele filme com o Christensen, o “Anjos e Demônios”, em que aparecia de nu frontal. Depois casou-se, teve filhos, é uma pessoa muito feliz. Não agüentou a pressão de ser símbolo sexual, de todo mundo querer jantar a pobre da garota, não era o barato dela. Para mim também foi complicado. No “Quando as Mulheres Paqueram”, por exemplo, apesar de ter a coisa de mostrar seio no filme, tinha o negócio de ir para Londres, de viver experiências, eu tive que pesar bem. Aliás, não sei o que tinha na cabeça da minha mãe, porque ela achou o máximo eu viajar [risos].

EE – [risos] É, Carnaby Street não devia ser fácil em 71...

SB – Realmente não consigo entender, porque ao mesmo tempo em que ela teve uma criação cheia de nove horas, cheia de fantasias não realizadas, nós tínhamos uma vida muito simples naquele momento. Muito esquisito. Meu cérebro não entende até hoje. E eu fui. E duas coisas maravilhosas aconteceram. Uma eu acho que provocou o meu sucesso, por causa do pobre do Roman Polanski. Até hoje em dia, se eu me encontrar com ele nessa vida [risos], quero falar “olha, não fui eu que te usei, pelo amor de Deus, que vergonha.” Essa foi a primeira coisa. Além disso, ganhei uma bolsa de estudos para estudar em Bristol, aonde na época havia a segunda mais importante escola de artes dramáticas. Mas aí a minha mãe não foi moderna, não deixou eu ficar lá. Tinha casa, comida, roupa lavada, tudo. Uma senhora de quem eu perdi a carta que eu deveria trazer para o Brasil, porque os Correios estavam em greve em Londres, me ofereceu tudo. Imagina, eu ia ter casa, trabalho e faculdade. Teria sido uma outra história, mas aconteceu assim, tudo bem.

EE – Mas o que aconteceu com o Polanski?

SB – O negócio do Polanski. A Dilma Lóes foi jantar com o Victor di Mello e o pessoal em um restaurante. Eu tinha ido em um outro evento com o diretor de produção. Eles conheceram o Polanski, que estava filmando “Macbeth” e convidou toda a turma para conhecer Shepperton. Fomos, vimos os estúdios, ficamos deslumbrados, não havia essas coisas no Brasil. Não havia câmera portátil, nada, e aquilo era um luxo só. Aqueles estúdios, aquelas panelas de luz fantásticas. Mas todo mundo veio embora, fiquei eu e o Roland Henze, o fotógrafo. O Polanski tornou a convidar a gente, fomos ao Tramp e, por falar nisso, quem é que eu, tietona, vejo lá? Marlon Brando. Num sobretudo bege, eu não esqueço, e duas starlets enormes, cheias de brilho. Louraças, tipo louraça belzebu, com aqueles coques, vestidos longos, agarrados no corpo. Eu, bem garotinha, não tinha idéia. Ator é que era mais legal, diretor não, na minha cabeça tola [risos]. De Londres, eu e o Henze fomos para a Alemanha, aconteceu mais um monte de outras coisas, perderam a minha bagagem, o dinheiro já estava no fim, e eu fiquei uma semana com a roupa do corpo. Quando chegamos no Brasil, o divulgador do filme, Ramalhete, que trabalhou muito tempo no Chacrinha, foi juntando as informações todas. Juntou o que a Dilma tinha contado, ela já havia chegado antes e eu não escrevia para o Brasil porque os Correios estavam em greve. Só fui enviar meus cartões e cartas quando cheguei na Alemanha, você imagina a coitada da minha mãe. Telefonar, nem pensei nisso, não sei por quê. E no fim, a imprensa acabou inventando que eu era a nova Sharon Tate, olha que absurdo.

EE – Sério? Sensacionalismo total...

SB – Tinha acontecido aquela coisa horrorosa com ela, tão constrangedor tudo isso. Eu tenho vergonha de pensar que o Polanski tomou conhecimento. Bem, ele não está nem aí para quem era aquela garota, mas é chato, até hoje eu tenho isso na cabeça. Saiu no Ibrahim Sued: “Bomba Bomba! Estrelinha brasileira dando escândalo de topless em Londres!” Imagina, coitada de mim, estava morrendo de frio no Hyde Park. Aquela produção comprou um manteau, um casaco de outono, e a gente em pleno inverno no Hyde Park, sem luva! De hot pants, meia de seda, e uma botinha sem forro de pele É, eu sofri pra caramba [risos] Gelava. A gente estava virando aquelas garrafinhas pequenininhas de uísque para cada take e não ficava de porre nenhum segundo, não dava tempo. Um geeelo mortal.

EE – E quando você voltou ficou sabendo dessas histórias todas...

SB – Eu ainda estava na Alemanha enquanto o caos estava acontecendo. Um dia, uma equipe de reportagem da Globo foi na casa da minha mãe para gravar. Não deu certo porque pifou uma luz e voltaram depois. Olha o que é o acaso. Mais do que o destino, destino eu não acredito. A repórter estava armando tudo, o furo de reportagem da vida dela, e a minha mãe querendo defender a honra da filha, apavorada! “A minha filha está pelada lá na Inglaterra? O que ela está fazendo? Amante de quem? O que ela é?” [risos]. Nisso chega uma carta minha. Aí o meu irmão, o Marcus, que ainda era um moleque, agarrou a carta e abriu. “É sim, ela estava com o Polanski!” A mulher: “Liga a câmera! A senhora, o que tem a dizer?!” [risos]. Depois, quando eu cheguei, queria ver mamãe, queria ver meu irmão, meu tio, vovó. Mas, no aeroporto ainda, o Ramalhete me disse: “Você vai dizer isso assim, assim”. Ou seja, eu tinha que responder como um papagaio idiota. Saiu em tudo quanto era jornal.

EE – Criaram uma personagem para você, na imprensa.

SB – As pessoas começaram a ir lá em casa me entrevistar, eu ficava sufocada com aquilo. E eu era de classe média simples, eles estavam procurando uma vamp, uma amante de gente importante. Chegavam lá, encontravam uma boba. Alguns jornalistas ficavam com dó e eram carinhosos, outros detonavam. Ah, e um outro detalhe interessante sobre o “Quando As Mulheres Paqueram”: desse filme em diante, menos quando era som direto, a Norma Blum me dublava. No “Romualdo e Juliana” eu mesma dublei, na rua Álvaro Ramos, em Botafogo, no Rio. Mas como eu era lentinha, chamaram a Norma, que captou meu timbre e ficou muito parecido comigo. Minha mãe foi assistir ao copião com o meu irmão e nem perceberam, acharam que era eu quem estava falando. Como eu ainda não tinha a maturidade de atriz, a Norma me salvava, ela interpretava aquilo sonoramente, dava a voz para mim.

EE – Em 72, pouco depois dessa confusão toda, você trabalhou no “A Difícil Vida Fácil”, dirigida pelo Alberto Pieralisi.

SB – Todos os filmes foram acontecendo, fazendo sucesso. Então os caras vinham atrás de mim, eu valia muito e não sabia [risos]. Havia filas no Brasil inteiro, e isso é uma coisa para se estudar, porque não era novela. Era cinema, e só. Um filme atrás do outro. Três, três e meio por ano. O Pieralisi era um senhor muito gracinha. Lembro das roupas do filme, com umas ferragens, umas esculturas incríveis, criação do Sorense. Foi muito exótico porque nós filmávamos em uma boate que ainda existe no Rio, na Cinelândia. E lá eles tinham uma novidade: as mulheres dançavam nuas dentro de uns palcos que lembravam aquários.

EE – E os filmes e a vida foram se sucedendo.

SB – Em 74 fui para o Piauí, rodar o “Como Nos Livrar do Saco”, do César Ladeira. Lá conheci o Jorge Monclar, meu primeiro marido, um fotógrafo que está aí até hoje. Intelectual, envolvido com movimentos políticos, não gostava do fato de eu não ser intelectual como ele. Mas só fui saber muito mais tarde que isso acontecia porque os amigos ficavam de olho em mim, então ele vinha com a história de que os amigos me achavam burrinha, atriz de pornochanchadas. Comecei também a fazer argumentos para histórias, partindo de uma idéia do Domingos de Oliveira, que queria trabalhar com um conto russo, “Um Homem Debaixo da Cama”. A mulher dele, na época, faria o roteiro da segunda história e a gente da terceira história.

EE – O episódio “Um Em Cima, Outro Embaixo” do “Tem Alguém Na Minha Cama”, é isso?

SB – É, em 76, acho. A idéia para o título eu tive a partir de um anúncio da Esso: “Bote um tigre no seu carro”, ou coisa assim. Aí pensei no negócio da cama porque tinha a ver com o título do conto. Foi divertido. Mas eu comecei a me deixar engordar, porque não queria ser vista como a gostosa. Eu queria que as pessoas me vissem como eu era na verdade. Que elas me vissem como uma pessoa, como um ser, simplesmente. Que se interessassem pelo que eu pensava, pelo que eu sonhava... Enfim, como uma pessoa inteira, de carne e osso. Nesse ínterim, me separo de Jorge, perco o neném que estava esperando e aí viro uma capeta. Fiquei muito arteira, quis viver todas as novidades da minha geração [risos]. Angustiada. Virei um bicho danado de revoltada. E ao mesmo tempo esse sucesso que eu tinha foi se ampliando, e sucesso é uma coisa que se você não tiver infra-estrutura, te devora. Eu fui para a televisão, por causa de um filme que eu estava fazendo, com o meu querido Alberto Salvá...

EE – ... “Os Maníacos Eróticos”.

SB – É, e no dia em que a gente dublava esse filme lá na [na R.F.F., produtora do] Roberto Farias, o Daniel Filho estava terminando “O Casal”, da Soninha e do Wilker. Ele me perguntou o que eu achava do título, e eu tinha visto a série, que era muito legal. “Deixa ‘O Casal’ mesmo.” Conversamos, e aí o Daniel, que era o chefão das televisões, me indicou para o Avancini. Do “Maníacos Eróticos” me lembro do Rafael de Carvalho, que fazia o meu marido. Rafael de Carvalho era um ator muito querido, fazia comédias, trabalhava naqueles esquetes de televisão, de humor. Mas como ele era machista! Na historinha eu fazia uma jovem esposa mandona, que tinha um cachorrinho. Ela mandava no marido. Não sei quem que a gente estava enterrando, não me lembro mais [risos], só lembro que foi uma dificuldade de filmar. O Rafael não queria aceitar ordens da personagem esposa! Uma confusão, ele estava revoltado...

EE – E com o Pedro Camargo, anos antes, você fez o “Eu Transo, Ela Transa” e “Os Primeiros Momentos”.

SB – No “Eu Transo, Ela Transa” contracenei com o Marcos Paulo, a gente rodou numa casa que virou túnel, ou rua, perto do Colégio André Maurois, aonde aliás eu estudei. Eu ficava um pouco enciumada porque o Pedrinho tinha implicância comigo E era todo atenções com a Rose. Como isso foi em 72, eu ainda era bem quietinha, bem menininha. Fazia o que me mandavam e pronto. Mas no “Os Primeiros Momentos” gostei mais. Gravamos em Penedo, eu dividi o quarto com a Odete Lara; o Carlos Kroeber dividiu com o Paulo Porto. A equipe toda ficou numa pousada de uma senhora, e nós em outra. No elenco tinha ainda o Stepan Nercessian e a Cristina Aché. O Kroeber é quem defendia a gente, quando íamos ver o copião na cidade. A molecada toda em volta, porque afinal eram as piranhas que chegavam... A Cristina, eu e a Odete.

EE – Conta um pouco mais desses bastidores?

SB – O Carlão Kroeber dava os ataques dele: “Eu sou é macho!” Grandão, colocava todo mundo para correr e ainda dava umas lições de moral. E o Paulo Porto entrou numa de ficar apaixonado por mim. Eu desesperada, fugindo dele o tempo inteiro, mas foi super educado, em nenhum momento desrespeitador. A Cristina Aché, bem meiguinha, hippinha, por isso o Pedrinho a adorava. Acho que ele pensava que eu era um produto comercial, sabe? Mas depois não, ficou super legal comigo. As pessoas, sem querer, faziam muita maldade. Eu só estava ali, à espera de que alguém me indicasse qual era o caminho mais fértil para a vida. Ninguém se deu esse trabalho, mas, graças a Deus, fui achando sozinha [risos]. Às vezes a gente é muito cruel, eu vejo. Não quero passar pessimismo pra ninguém, de coisas que não deram certo na minha vida. Não deram certo porque eu não soube administrar. Agora, todo mundo pode ficar com muito medo das coisas não darem muito certo se não procurarem amadurecer e não alimentarem pelo menos um conhecimento básico de mundo. Sem isso, você não pode ir a lugar nenhum.

EE – Talvez algumas das suas experiências mais felizes no cinema tenham sido com o Saul Lachtermacher...

SB – ... O Saul!...

EE – ... produtor também de um filme muito comovente, o “Em Família”, do Paulo Porto. Você fez com ele dois filmes: “O Marido Virgem” e o “Deixa, Amorzinho... Deixa”.

SB – Com o Ney Latorraca e o Grande Otelo. O interessante nos filmes do Saul é que a família inteira trabalhava junto, a coisa mais bonita de se ver. O irmão, que não tinha nada a ver com cinema, a cunhada, os sobrinhos, os filhos, todos juntos. Cada um cuidava de uma coisa. Tratavam a gente da forma mais doce, mais amiga, mais fraterna. O filho dele está querendo fazer um documentário sobre a obra do pai, mas a verba... O “Deixa, Amorzinho... Deixa” eu nunca assisti inteiro, acredita? Mas eu posso contar uma história dele. Um dia eu estou em uma festa, anos depois, e encontro o Grande Otelo, aquela paixão de vida, uma figura deliciosa, que eu adorava. Ele trabalha no filme, mas nós não contracenamos. Então na minha cabeça eu nunca trabalhei com ele, certo? Só que nessa festa, a gente fazendo declaração de amor um para o outro, ator tem essas coisas. Ele, por causa da menininha bonitinha; eu, pelo ator. Aí a gente fazendo declaração de amor, eu digo “Pois é, que pena que a gente nunca trabalhou junto”. Pra quê? Ele quis me matar. “Como não? A gente fez ‘Deixa, Amorzinho...Deixa’”. “Mas a gente não contracenou...” E não teve perdão. Pior que foi pouco tempo antes dele morrer. Com certeza ele morreu com raiva daquela guria que não lembrava dele. Ficou indignado, mexeu com a vaidade, mesmo não tendo sido isso o que eu queria dizer. E no “O Marido Virgem”, o Perry Salles fazia o papel do marido, o que aliás, me lembra uma outra história, sobre o “Super Fêmea”, que foi produzido pelo... de São Paulo... o...

EE – ... Aníbal Massaini.

SB – O Aníbal Massaini. Ele foi super delicado, parecia até que nós éramos estrelas de Hollywood. Mandaram passagem para mim, me botaram em um hotel pra eu ler o roteiro e depois nós conversaríamos. Para eles era certíssimo eu assinar o contrato, fazer o “Superfêmea”. Só que... e aí, você vê que quando a gente é radical as coisas não são boas. Um filme super bem produzido, um cuidado. Mas havia uma piada, um momento de uma cena que eu lembro até hoje. Eram gaiolas com perus, aves, e as personagens iriam fazer uma piada ambígua a respeito. Eu achei aquilo indecente...

EE – [risos]

SB – [risos] Aquela boba, que fazia aqueles filmes todos maliciozinhos, cheios de besteiras. Eram fotonovelas filmadas, cá entre nós. No jantar à noite, ele provavelmente pensando que eu fosse assinar, perguntou “E aí?” Todo feliz, no jantar, para assinar o contrato. Falei “Ah, não vou fazer, não.” “Mas como você não vai fazer?!” “Porque tem essa cena assim, assim, assim.” Ora, em vez de ele, que era um adulto, quer dizer, eu acho que todo mundo na nossa profissão é meio infantil mesmo, o artista de um modo geral é. Mas ele era um homem de negócios. Em vez de ele dizer “Não, Sandra...”, me explicar, ou então contornar, modificar, tirar aquela piada, não, ele ficou furibundo. Deve ter pensado “Paguei o hotel, passagem, tudo para essa mulher. Jantar, almoço, o que esta menina está pensando?” Eu vim embora. E foi aí que chamaram a Vera Fisher, linda, e ela fez um sucesso... E, sem me desmerecer, ela ficou muito mais boneca, apropriada para o filme, do que eu acho que eu ficaria. Aquele cabelão. Quando vi o cartaz eu falei “O Massaini acabou se dando bem!” [risos]. Foi um acaso da vida, e é uma lição para os dois lados. De sempre procurar não se precipitar, mas procurar como a gente pode contornar uma situação.

EE – Passando para o final dos anos 70, você estava a todo vapor nas novelas e conciliava com um trabalho esporádico no cinema.

SB – Eu morava em São Paulo, já tinha passado por certas experiências. Em “A Noite dos Duros”, do Adriano Stuart, era uma cena só, o orgasmo de uma mulher. Mas a Sandra de antes não teria feito aquela cena, eu iria morrer de medo, de vergonha, não faria nunca. Já tinha ficado um ano em Portugal, e apesar disso ainda não tinha desabrochado em termos pessoais. Meu marco pessoal foi aos 36 anos, mas na época eu estava com uns 28. Fui dirigida também por um argentino, Juan Siringo, em “Pecado Sem Nome”, antes do Adriano. Só que são coisas tão distantes de mim, hoje. Para mim, todos os filmes acabaram sendo farinha do mesmo saco, eu não tinha paixões em relação a essas coisas. A minha paixão, a minha idéia, era que tudo isso iria servir de instrumento para eu amadurecer como atriz. Como pessoa eu precisei de outras coisas. E, de fato, eu fui me forjando e me tornando uma boa atriz. Talvez eu até vá embora dessa vida sem saber até onde eu poderia ir, porque eu tenho me exercitado cada vez menos. As minhas paixões foram se acalmando. Mas o cinema continua sendo meu veículo de expressão preferido. Adoro, sou completamente apaixonada, além de ser também o meu meio de lazer preferido.

EE – Sandra, conta um pouco sobre como foram os anos 80 e 90 para você. Um período bastante conturbado para o cinema brasileiro.

SB – Então, nos anos 80 trabalhei com a Alvarina Souza e Silva em "Obra do Destino”, que veio a ser lançado em 91. Apareço no papel da mãe da Alvarina e como eu mesma, a atriz. A Dira [Paes] idem: aparece como a atriz e fazendo o papel da própria Alvarina. Em finais dos 90, ainda com a Alvarina eu atuei no “Vida e Obra de Ramiro Miguez” e em 2002 no inédito “O Amor Segundo O Aurélio”. São trabalhos artesanais, experimentais. Nos anos 90 fiz um curta em Belém, do Fernando Segtovich, que ganhou o primeiro prêmio de incentivo do governo municipal para roteiros de cinema. O concurso acabou favorecendo a criação de um novo pólo cinematográfico, resultando hoje no Festival de Cinema de Belém, do qual aliás a Dira Paes é uma das responsáveis. Além desse, fiz curtas que também me deram muito prazer. As historinhas me agradavam, o trabalho, o ambiente, a expectativa e a perspectiva dos autores, diretores, produtores, das pessoas que foram me envolvendo. Não era um oba-oba. Porque, você sabe, fazer curta-metragem é uma coisa que praticamente não tem retorno de mercado. É por paixão, é por amor mesmo. Mas se vamos fazer, vamos fazer direito, porque é tudo tão caro. O tempo nosso hoje em dia é mais curto, em todos os sentidos, do que era quando eu tinha 20, 30 anos. Muita gente ainda quer fazer para aparecer. Eu não acredito em mais nada disso, eu acredito em muito trabalho, em pesquisa, em organização. Existem mil histórias ainda para se contar e eu quero participar de muitas. Produzi um curta-metragem...

EE – ... Qual o título?

SB – Chama-se “O Sal da Terra”. Um dia o José Louzeiro me diz: “Sandra, olha, eu estou com a minha turma de alunos e quando terminar o curso vamos realizar um curta-metragem.” Falei: “Você começa um curta e não tem a verba?” “Não, tranqüilo”. Queria ser tranqüila assim [risos]. Resultou no “O Sal da Terra”, em que a Dira trabalha, o Jonas Bloch também. Meu priminho Guiga, que se formou como cenógrafo fez a cenografia; a Alvarina, a produção executiva. Batalhei a grana, milagrosamente conseguimos o dinheiro. Me diverti, porque aí eu pude participar de todos os processos. Cuidar do acabamento do filme, contactar a equipe dos efeitos especiais, tratar da produção, descolar as coisas. Até a bóia, a comida, quem vai fazer. A panela, todas essas coisas que ninguém sabe que acontece quando você vai fazer um filme. Essa minha relação com o cinema desses últimos tempos foi muito mais agradável.

EE – E teve também o “Vestido de Noiva”.

SB – O último em que eu atuei foi o “Vestido de Noiva”, em que eu fiz uma participação. Fiquei feliz quando me chamaram, participar de uma obra de Nelson Rodrigues com um elenco incrível, de várias formações, de várias origens, pessoas de qualidade. Um filme cuidado, do Joffre Rodrigues. Mas a minha personagem não fede nem cheira. A gente faz aquilo sem muito esforço, com os pés nas costas. Não elabora nada, é só chegar lá fazer um sorriso, vestir a roupa... Eu quero coisas em que eu possa usar essa energia toda que tem aqui dentro [risos].

EE – Isso que eu ia perguntar: o que você tem feito, quais os projetos a que você tem se dedicado?

SB – De cinema, não tenho me dedicado exatamente, não. Tem um negócio meu, “O Livro Falado”, algo que vem desde 95, quando eu gravei e dirigi textos de teatro em suporte de fita cassete para cegos, no Instituto Benjamin Constant. O “Dois Perdidos Numa Noite Suja” por exemplo, do Plínio Marcos, virou best-seller no Instituto. Mas como eu não sei elaborar projetos, foi sempre ficando de lado. E as pessoas que se aproximavam, vislumbrando ganhar dinheiro rápido, quando sacavam que é preciso desenvolver toda uma cultura do livro falado, caíam fora. Se na Europa e nos Estados Unidos é corriqueiro, comum, aqui no Brasil podemos desenvolver essa cultura também. A Sony Music tem vários títulos, tem gente que é grande leitor e não sabe que existe isso pra se comprar. Bom, esse é um projeto meu. Além desse, tem o filme “A Mulher do Sol”, do Paulo Vespúcio, um ator muito doido, grande amigo, e agora também desvairado produtor, diretor e roteirista de cinema. O primeiro trabalho dele ficou muito lindinho, um curta. “A Mulher do Sol” é o segundo. A idéia é ser rodado também em Piquete, uma cidade encantadora no interior de São Paulo, e que a gente descobriu quando ele fez o primeiro. Então esses projetos me encantam. Participar de longas, do cinema comercial mesmo, também. Mas que as personagens utilizem as minhas energias.

EE – E a diferença que você nota entre este cinema brasileiro atual e o anterior, do início da sua carreira?

SB – Você vê... o “Romualdo e Juliana” mandaram para os Estados Unidos, para revelar... Hoje não mandamos para lugar nenhum, pelo contrário, acho que tem gente que deve vir aqui porque fica mais barato. As pessoas não têm mais medo da nossa técnica. Temos profissionais de fotografia e de direção que estão bem amadurecidos. Podem me chamar de ignorante [risos], mas, por exemplo ,eu não conseguia me apaixonar por aquele Cinema Novo. Embora atualmente eu tenha visto alguns nesse estilo de cinema de arte e tenha gostado. Mas continuo achando que são difíceis de serem digeridos porque não são filmes de histórias facilmente lidas pelo espectador. Acho que um cinema maravilhoso é o que reúne a técnica à sensibilidade criadora do artista, de uma forma que seja clara para qualquer um. Como os romances universais. Qualquer um, de qualquer época, de qualquer idade, de qualquer raça, de qualquer credo, vai ler e vai entender. No cinema do meu tempo existiam duas vias, era meio “ou oito ou oitenta”. Eu era discriminada enquanto pessoa e artista por atuar na “via torta”. Era duro, mas eu levava [risos].

EE – Preconceito rasteiro...

SB – Eu era a “pornochancheira”. Havia este ranço, este nojo da parte da nossa inteligência artística da época, por isso eu nunca participei do lado “chique” da arte. Lembro do Leon Hirszman, uma vez no Festival de Gramado, me perguntando o que eu tinha achado do “São Bernardo”. Olha, eu tinha lido o “São Bernardo” no colegial, colocava os personagens onde eu queria. Aí vem aquela mania de Cinema Novo, aquela coisa leeenta, que leva dois dias para acontecer, para o cara abrir a boca e dizer: “É”. O personagem do Othon Bastos lá no final, no meio do campo, você louca para o homem chegar aqui na sua frente, para você enxergar, e nada. Ele veio me perguntar no café da manhã, eu fico imaginando hoje: “Vamos ver o que é que essa moleca pensa disso. Essa loura, a loura burra.” [risos] Foi simpático de se sentar à mesa, eu pensei, “ah, vou falar mesmo”, nessa época eu já era mais à vontade. “Não, não gosto, não. Você não deixa eu ver o homem!” Tudo bem, tudo bem, cada um vai ter a sua própria leitura. O diretor vai ter a dele, vai transmitir essa leitura para nós, com a qual podemos discordar ou não. Mas essa foi a forma que eu usei para me explicar para ele. A lentidão, a chatice daquele cinema. Aquilo não é real, a vida não é assim. Não é assim, gente, que é isso? Tem o filme do Cacá Diegues com aquela francesa maravilhosa, a... como é o nome, a...

EE – ... Jeanne Moreau.

SB – Jeanne Moreau. E não é lento desse jeito, meu Deus. Claro que você tem umas peças que você pinça de lá e que são uma delícia. Como também é uma delícia você assistir às pornochanchadas hoje em dia, no Canal Brasil. É divertido. Esses meninos do “Fala Tu”, o Nataniel Leclery e o Guilherme Coelho, queriam fazer, contar, o “Fala Tu” da pornochanchada. Esqueci o título que eles deram, mas é relativo à pornochanchada. Não conseguem captar grana porque as pessoas têm preconceito, o que é uma grande besteira. Esses filmes, se formos olhar como um objeto histórico, estão reproduzindo costumes, estão reproduzindo uma época. A mentalidade de uma parte do povo, e que não é uma parte muito insignificante, porque se esses filmes enchiam as salas e os outros não enchiam, como é que o brasileiro pensava? E são mais inocentes, na sua grande maioria, do que as novelas das seis de hoje. Então é preconceito, é burrice. Eu hoje já me despi desse preconceito, a gente vai se transformando. Eu não consigo mais me ver, quando eu olho para aquela Sandra lá. É outra Sandra, entende? Eu não me vejo, mas vejo aquela menina com a maior ternura. O psiquiatra já ia achar que eu era maluca, mas não, é verdade. Se ele tivesse um filme dele, também olharia para ele de uma forma diferente [risos].

EE – Por isso mesmo, Sandra, eu queria ouvir de você quais são essas imagens de Sandra para você que, querendo ou não, ainda devem permanecer por muito tempo no cinema brasileiro.

SB – Ah!, eu não sei direito, não, o que as pessoas vão pensar mais adiante. Hoje, olhando pra trás, eu acho que foi tudo tão por acaso, meio inconseqüente. Simplesmente as coisas aconteceram. Por outro lado, eu penso que não houve mérito em enfrentar tanta barra, e que talvez nem tenha sido inteligente. Mas, uma coisa é certa, os ditos filmes de pornochanchada resultaram em algo muito importante para o nosso cinema. Eu não era aqueles papéis [risos], mas o carisma da minha imagem, a energia que passava são méritos meus. Com isso eu não estou dizendo que era 100% responsável por aquilo, mas fui de muita importância para o sucesso daqueles filmes. Filmes que foram criando contato com o nosso público, para fazê-lo entrar na sala de cinema e assistir a um filme nacional. Fosse o público mais simples, para se divertir, fosse a garotada que queria ver mulher pelada, gostosa, que nem era pelada de todo, porque a gente não era pelada de todo. Fosse o que fosse, aproximou. E nós, atores de cinema, ganhamos outros espaços. Eu mesma fui para a televisão, na carreira mais louca do mundo, tudo ao contrário, para depois ir parar no teatro. Atores que também viraram diretores e escrevem. Enfim, um celeiro de futuros acontecimentos e que é história. Fico meio chateada às vezes, e isso já acontece há anos, quando um jovem diz: “Você fez filme pornográfico!” Eu falo “Nãããão!” Mas é sem querer. Os meninos que têm menos informação acham que “pornochanchada” é pornográfico, sexo explícito. Então, o que se percebe no fim, é que esse termo é resultado de preconceito, de escárnio de algum crítico. Passou a ser positivo, no sentido de vender aquele produto, mas criou distorções para quem, no final, acaba sem conhecer nada das coisas.

terça-feira, abril 25, 2006

Pureza Proibida


Terceiro longa de Alfredo Sternheim, “Pureza Proibida” (1974) não guarda muitas semelhanças com os anteriores “Paixão na Praia” (1971) – resenhado neste site – e “Anjo Loiro” (1973).

Uma das poucas formas de aproximação entre este conjunto de filmes surgiria com a presença de personagens femininas destacando-se como o fio condutor da narrativa: Norma Bengell (em “Paixão...”), Vera Fischer (em “Anjo...”) e Rossana Ghessa (em “Pureza...”).

Ainda assim, as três protagonistas desempenham funções diferentes, em ambientes e motivações diferentes. A irmã Lúcia (Rossana) – baseada na peça “A Branca e o Negro”, de Monah Delacy (intérprete da Madre Superiora e co-autora do roteiro, ao lado de Sternheim) – influencia uma locação rural por excelência, em contraposição às metrópoles de “Paixão...” e “Anjo...”.

O sexo depressivo de Norma, a fúria de Fischer também não podem ser associados à sensualidade represada e inacessível da pequena Lúcia, noviça que chega a um vilarejo e transforma a vida das crianças, dos pacientes do hospital, das colegas de convento e sobretudo da colônia de pescadores – para o bem, ao aproximar-se de Chico (Zózimo Bulbul); para o mal, ao causar o ciúme da psicopática Anésia, ex- namorada do rapaz.

Bulbul aos 37 anos rivaliza em carisma com Rossana e Carlo Mossy (no papel de Padre) – casal de “Lucíola, o Anjo Pecador” (1975), também dirigido por Sternheim, mas que em “Pureza Proibida” fica afastado tanto pela barreira religiosa quanto pelos cortes que a participação de Mossy sofreu após um grave acidente de carro durante as filmagens, que quase lhe custou a vida.

Percebe-se da parte de Sternheim a delicadeza na composição dos quadros que somada à fotografia de Ruy Santos transforma as praias em algo pictórico, como se construído à mão, ora cinza-chumbo – em especial a cena em que Anésia caminha em direção à câmera –, ora solar – tonalidade esperada em se tratando do lugar paradisíaco.

“Stromboli” de Rosselini surge como identificação mais direta, numa postura algo neo-realista. Entretanto, a identificação é assimilada pessoalmente, no total das características do diretor – aqui obcecado em uma falsa simplicidade no filme, que engana apenas aos mais desavisados, pois em “Pureza...” há um mundo de referenciais intricados por detrás da superfície.

A começar pela brasilidade do roteiro – Lúcia visita terreiros de candomblé, festas pagãs –, passando pela trilha sonora de Edino Krueger e pela montagem de Ismar Porto – roteirista, montador e diretor prolífico no cinema brasileiro –, o filme é ponto altíssimo da RG Produções (vulgo Rossana Ghessa Produções) e transpõe o esquema clássico da “moça ingênua que apaixona-se, alegra pessoas e quebra preconceitos”.

Há, por exemplo, o pessimismo do final – a morte trágica de Chico, que não é punição pelo seu namoro inter-racial com Lúcia, mas a chave para que o roteiro expresse o fato de que até em lugares minúsculos a suposta “pureza” deixa de existir, e é antes disso uma idealização injustificável. Lúcia também é apedrejada pelos meninos que brincavam e davam risadas com a garota que, dentre outros percalços, fôra violentada por um médico bastião da moralidade.

Ruth de Souza encarna a Mãe Cotinha, dona do terreiro de candomblé, matriarca que atende pelo lado folclórico do enredo, sem se transformar em pastiche. A roda comandada em determinado momento por Mãe Cotinha parece ter sido deixada rolar a frame solto pelo diretor, ciente que assistia a uma cena original, in loco, ao invés daquilo que em certos filmes é vendido como “macumba pra turista”. Os atores captam a mesma sensação, o resultado fica acima da média.

Além disso, um detalhe interessante está na relação entre Chico e Lúcia. O estereótipo do negro viril acaba sendo quebrado pelo tom senhorial da freira, comandando – e sendo correspondida nesta iniciativa – as atitudes do pescador, evitando-o, chamando-o, abraçando-o.

Como conclusão, resta que o triângulo Lúcia-Chico-Anésia, costurado por cada ponto técnico e criativo da obra, faz de “Pureza Proibida” a junção de utopia e realidade, poético e cerebral ao mesmo tempo, numa investigação do que seja a sexualidade em guerra. Guerrilha psicológica, sem a promessa do amor livre, e cheia das maldades a que cada ser humano mal intencionado tem direito.

quarta-feira, abril 19, 2006

As Deusas


A diluição do tempo, a ventania, anima, ingratidão, competição feminina. Um pacote contendo esses temas foi apresentado ao público pela Servicine – de Antônio Pólo Galante e Alfredo Palácios – em “As Deusas” (1972), décimo-primeiro filme dirigido e roteirizado por Walter Hugo Khouri.

A montagem dos segundos iniciais entrega o ouro e dá uma cara para o contexto acima. Por sinal, nos cinco primeiros minutos encontramos também a cerimônia de apresentação da casa – marcante em “O Anjo da Noite” (1974) –, o quarto personagem do elenco formado ainda por Lilian Lemmertz (Ângela), Mario Benvenutti (Paulo) e Kate Hansen (Ana).

Para lá seguem Paulo e Ângela – paciente psiquiátrica de Ana, que lhe recomenda uma temporada na mansão de sua propriedade. Lemmertz, em outro desbunde de interpretação, lê a carta assinada pela doutora em um tom filial acertadíssimo, como se realmente fosse a menina pequena à procura de proteção, acatando uma ordem irrecusável.

Desde o momento em que o carro de Ângela e Paulo chega no jardim – estacionando sob os galhos de uma árvore imensa, que parece engoli-los – o expressionismo de Khouri, como ele próprio gostava de apontar, salta aos olhos. Naquele instante o jardim, a floresta, a ventania, o mundo sensorial contam uma parte substancial da história.

Sem locutor – em voice-off ou over –, Khouri conseguiu falar milhões, partindo apenas da escolha dos quadros e da movimentação da câmera. Alerta o espectador para o fato de que a floresta, as árvores – tateadas por Ângela – e o ambiente vegetal são tão onipotentes perante os humanos que cabe a eles sentirem-se subjugados, dentro e fora da casa, ao que existe de mais animalesco em cada um.

A explicação para o triângulo doentio formado entre os atores está no conceito de anima – pronunciado em voz alta por Ana e Paulo diversas vezes e escrito numa das paredes da casa que pertenceu à avó de Ana, metade flapper, metade psicanalista, idealizada tremendamente pela neta.

Anima – em outras palavras, o arquétipo feminino, segundo a definição de Carl Gustav Jung – une Paulo a Ângela (“Foi isso o que me fascinou nela. Essa loucura, essa voragem”) e Ângela a Ana (“É uma pena que um rosto como esse tenha que envelhecer, acabar. [...] Eu sempre fico imaginando como devem ser os ossos de uma pessoa, debaixo da carne”, fala enquanto acaricia a pele da outra).

O clima de sexo vai aumentando no trisal (casal de três). Ângela submerge alguns instantes na banheira, como uma Ofélia chantagista, mostrando-se para Ana. Nadam juntas em uma represa (“Você parece uma deusa”, os lábios semi-submersos de Lemmertz, o olhar satisfeito de Hansen) e momentos depois Ana segue um coelhinho branco pelo gramado da casa, tal qual a Alice de Lewis Carroll, querendo ir ao outro lado do espelho. Ainda cheios de culpa, durante a festa de aniversário de Ângela os três dormem juntos.

Correndo em paralelo, os cenários art déco na área interna da casa reafirmam a todo tempo a presença da avó de Ana. Como um vulto, um fantasma, que construiu o local em 1927 e faleceu não se sabe bem por quê. Juntando as pontas do mistério, apostamos em um suicídio da velha senhora, não apenas porque o assunto é tabu na família e ela morreu durante uma crise de depressão braba, mas também porque existe um buraco de bala na vidraça principal da casa – o suicídio, portanto, desfaria o clima de estabilidade que se esperaria de alguém tão maravilhoso e inatingível.

Inatingível também não deixa de ser Ângela para Ana e vice-versa; a separação acaba acontecendo como um mal necessário. Há um desejo entre as duas que nunca poderá ser preenchido, pois a fragilidade da médica e da paciente são tão evidentes que levam ao abandono da suposta-mãe (Ana), fazendo a filha pressentir uma nova crise chegando.

Aqui o expressionismo retorna, o vento uiva, o Opala se afasta da casa e chegamos ao fim.

Recheando a narrativa com o que os críticos antigos gostavam de chamar de “tempos-mortos” – ou seja, a quebra da ação com cenas não muito externalizadas, visíveis –, Khouri conta pouco a pouco o comportamento interno do trio. A montagem de Sylvio Renoldi ajuda, complementando uma equipe técnica que possui outras curiosidades.

A Companhia Cinematográfica Vera Cruz – na época já arrendada heroicamente por Khouri e seu irmão, William – cuidou da sonorização, dividindo-a com a Odil Fonobrasil. O câmera, Rupert Khouri – pseudônimo de Walter Hugo –, foi auxiliado por Antonio Meliande. Na fotografia, Rudolf Icsey – que acompanhava W. H. desde os tempos de “Estranho Encontro” (1958) –, e a música de Rogério Duprat – a partir da “Fantasia em Ré Menor de Mozart” e intervenções ocasionais de Billie Holiday, como de praxe nos sets khourianos.

Um dado em particular continua perturbador, remetendo ao medo mais mesquinho sobre nossa finitude, sobre o “dormir e não acordar mais”. A certa altura, Ângela pergunta a Ana uma dúvida que acompanha boa parte da humanidade: “E nós, como é que vamos estar daqui a trinta anos? Mortas ou velhas?”. Pois bem, o filme é de 1972. Lilian morreu em 1986, dezesseis anos antes do prazo. Parando para pensar, e nós, como é que vamos estar daqui a trinta anos?

segunda-feira, abril 17, 2006

Lua de Mel & Amendoim


Enquanto Alberto (Newton Prado) e Márcia (Rossana Ghessa) correm pela relva, pulam e o primeiro episódio invade “Lua de Mel & Amendoim” (1971), o espectador começa a se perguntar se por algum acaso aquela cena já não foi vista em algum lugar, em algum filme, em algum momento antes.

Mesmo porque o entusiasmo do encontro dos namorados e a beleza natural de Ghessa são tão estarrecedores que passam a impressão de pairarem no inconsciente coletivo de cinéfilos e não-iniciados, como na reprodução de um sonho bom. A nudez renascentista, a música outonal – “Nessa nossa terra esférica/ região atmosférica...”–, as flores salpicadas de vermelho e amarelo, num possível ensaio para os calendários que recheavam as salas-de-estar de 1971. Pela delicadeza do quadro, poucos o creditariam a uma produção em parte financiada pela Boca do Lixo.

Cinedistri, fundada por Osvaldo Massaini – pai de Aníbal Massaini Neto, presidente da Cinearte –, e a Sincro Filmes co-produzem “Lua de Mel e Amendoim”, reunião de dois episódios independentes. O homônimo, estrelado por Ghessa e Prado, rodado no Guarujá, São Paulo; e “Berenice”, com Carlo Mossy e Renata Sorrah, no Rio. Uma carioca (a Sincro) e outra paulistana, localizada na fabulosa Rua do Triunfo.

Esse esquema de realização talvez seja mais uma negativa para se tentar dar valor ao Cinema Popular da época. Se foi feito pra lucrar, com a divisão em capítulos – facilitando os custos e mobilizando as equipes de cada lado da ponte-aérea –, por que iremos perder tempo procurando qualquer coisa que valha por ali?

A resposta é múltipla. Para os mais céticos, recomendamos a trilha sonora – que em ‘Berenice’ chega a ser covardia enumerar: Marcos e Paulo Sérgio Valle, Osmar Milito (!), Mariozinho de Oliveira e arranjos de Orlando Silveira. Para os mais revoltados, os momentos de humor desopilam o fígado. Para os arqueólogos do cinema, a turma formada por Jairo Arco e Flexa, Zuzima, Homem de Melo e Clodovil – em papel semelhante ao de “A Infidelidade ao Alcance de Todos” (1972), ao lado de David Cardoso – ganha no mínimo pela sonoridade.

Mas “Lua de Mel & Amendoim” vai além das anedotas. Dirigido e idealizado por Fernando de Barros, fotografia do veterano Rodolfo Icsey e montagem de Carlos Coimbra, o argumento do “Lua de Mel...” (a primeira história) acompanha Alberto – quatrocentão no auge dos 30 anos, prestes a se casar com uma garota virgem, filha de Rodolfo (Otelo Zeloni) e Assunta (Consuelo Leandro), família construtora de fogões.

O amendoim e a lua de mel são facilmente explicáveis: assim como o ovo de codorna e a catuaba, o malicioso grão também costuma ajudar as atividades masculinas. O que não se entende muito bem é a proposta de fazer de Newton Prado, 38 anos, um jovem noivo quando no mínimo passaria pelo papel de tio de Rossana – que há pouco tempo havia completado “Palácio dos Anjos”.

“Berenice”, direção de Pedro Carlos Rovái, investe no beautiful people, juventude quase-transviada mas gente boa. Serginho (Carlo Mossy) é o bonachão, filho de diplomata radicado na África e de uma desvairada que dentre outros cai na lábia do cabeludo José Lewgoy. Cordões de ouro, camisa aberta no peito, emenda um affair com Zuzu (Darlene Glória), esposa de Bilu (Ângelo Antônio), tentando esquecer Berenice (Renata Sorrah). Mossy e Sorrah, com uma beleza de outro planeta mas dublados, e o tema da virgindade novamente em foco, desta vez em um ambiente com maior sofisticação. Elke Maravilha numa festa, Osmar Milito num piano-bar, participações aleatórias de outras novatas, como Vera Gimenez.

A lábia de Serginho, a canastrice de Alberto, as piadas de botequim misturadas com o refinamento da direção e principalmente da trilha-sonora seriam revistos pela Vidya Produções – criada por Mossy e Victor di Mello, para deleite pessoal e tubos de dinheiro na bilheteria. Vamos ser sinceros: construído às pressas, com rolos de filmes contados, uma espécie de Lei de Talião cinematográfica, o cronograma era cumprido com folgas e armava o circo para a produção do filme seguinte.

Sucesso na época, vale lembrar que das bancadas do Cine Rian, o coronel Alexandrão – de “A Viúva Virgem”, também de Rovái – sapateia e roga pragas contra os amantes de Adriana Prieto. Na fachada, o letreiro não deixava margem para dúvidas: “Lua de Mel & Amendoim” era o filme exibido em um dos mais charmosos cinemas do país, destruído pela especulação imobiliária de Copacabana em meados dos anos 80.

quarta-feira, abril 12, 2006

Bete Balanço


Se tanta gente acredita que os anos 80 valeram a pena, “Bete Balanço” (1984) merecia ser relançado em dvd com edição caprichada.

Amado na época do seu lançamento pelo público sedento em consumir rock brasileiro na era pré-MTV, posteriormente ficou conhecido como a estréia bombástica de Débora Bloch no cinema – atriz até então acostumada aos papéis na tv, como na novela “Sol de Verão”. Hoje em dia, salvando-nos o distanciamento histórico, pode ser lembrado como o primeiro filme da trilogia dirigida por Lael Rodrigues – falecido em 1989 –, com a safra oitentista do rock nacional.

“Bete Balanço”, “Rock Estrela” (1986) e “Rádio Pirata” (1987), os três filmes de Lael, representaram para seu tempo a mesma coisa que os filmes de Roberto Carlos representaram para a Jovem Guarda. Ultra-datados, ultra-ingênuos, podem soar também ultra-ridículos quando vistos sem a tolerância carinhosa ou a nostalgia desmedida daqueles que viveram (ou sonharam em viver) aquelas tardes de 1984. Um 1984 carioca, cheio de juventude, praia e o sonho de montar uma banda para ser famosa e “levar todos os gatinhos para a cama”, como dizia a canção das Metralhatxecas, parte integrante da trilha-sonora campeã de vendas.

Jabás do jeans Inega, do carro em formato de tênis da Olympikus, do posto de gasolina Ypiranga, convivem com pochetes, mullets, piscadelas, ruídos e dancinhas pretensiosas, que exacerbam as coreografias no estilo “Chorus Line”. Por sinal, atenção no início do filme: Andréa Beltrão, tal qual uma coadjuvante em “Cats”, saltita ao lado de La Bloch e dançarinos, empunhando bandana, maquiagem pesada e roupas em tom cítrico.

Mas não bastasse esse deleite arqueológico, “Bete Balanço” apresenta na outra face da moeda – na primeira, a super-exposição de Bloch, protagonista em tempo integral –, a imagem calcada em Cazuza e no Barão Vermelho, compositores do hit homônimo. A banda está de tal forma associada ao filme que os músicos inclusive atuam – há a cena clássica na praia de Ipanema, todos sentados em círculo – e servem de gancho para a trama: após ver Cazuza em um show na tv, Bete copia o número e o encena em uma boate da cidade mineira de Governador Valladares, cidade da qual a menina interiorana, recém-aprovada no vestibular, foge tentando seguir carreira artística no Rio.

Prestes a completar 18 anos, Bete deixa Valladares, a segurança de uma futuro tranqüilo, com marido e filhos, e vai parar na casa de Paulinho (Diogo Vilela) – um amigo homossexual, viciado nos videogames Odissey. De início, Bete caça um produtor, que lhe prometera uma chance. Encurrala-o em um canto e eis que marcam para o dia seguinte um almoço no restaurante Sol e Mar – na época famoso pelo chiquê; em 1988, o ponto de saída para a trágica excursão do Bateau Mouche.

O produtor lhe dá um bolo e Bete conhece a personagem de Maria Zilda, ricaça que oferece entre indiretas bastante diretas algo que pudesse sustentar a coitada faminta, sem lugar para dormir. A mansão de Zilda é enorme, a piscina idem, mas a expectativa por um bom sexo lésbico na tela é frustrada. A tomada corta na hora certa e trocam apenas um selinho rápido, na típica organização pós-coito: duas moças sorrindo, um lençol na altura dos seios e uma delas indo embora.

Em seguida, no estilo cabeça feita de “o lesbianismo é só uma parte, não o todo”, Bete conhece Rodrigo (Lauro Corona) – fotógrafo que registra a agressão a meninos de rua, presenciada pela quase-estrela –, e tem com ele a versão hetero do romance; esta sim, demonstrada com exuberância de detalhes.

Por insistência de Rodrigo, que encarna o padrão de jovem estourado e justo, Bete assina contrato com um tycoon (Hugo Carvana). O rapaz invade o estúdio de gravação tremulando uma Basf-60 no ar, a mesma fita cassete que conterá a performance genial da namorada que a esta altura já estava viajando para Valladares, desiludida, “querendo dar um tempo”.

O final feliz para o casal chega no modelo de um esquete que lembra os comerciais de cigarros nos anos 80. O filme ganha um tom de fantasia, surge a zona portuária como cenário e a cantora ascende ao estrelato com um nova série de coreografias, soltando a voz pela derradeira vez.

Decisão um tanto quanto equivocada, Bloch não foi dublada em momento algum na filmagem. Mas quem em 1984 se importaria? O público entrava na sala escura “a fim de curtir um som” e de literalmente ver a música. Neste sentido, a mixagem de Roberto de Carvalho ressalta o carisma das gravações e o trabalho “vídeo-clíptico” de Lael Rodrigues – produtor de “J. S. Brown, O Último Grande Herói” e diretor de produção de “Rio Babilônia” –, aumenta a graça dos 74 minutos desta pérola, que encantou a infância e a adolescência dos trintões e quarentões de 2006.

quinta-feira, abril 06, 2006

São Paulo Sociedade Anônima


Não é errado dizermos que o Cinema Novo foi uma tentativa de renovação estética da cinematografia brasileira, através do empirismo e da emoção juvenil (que redundou, como tudo no país, em uma tentativa de exclusão e intimidação daqueles que posteriormente fugiam à regra).

Desta forma, não existe obra mais cinemanovista do que “São Paulo Sociedade Anônima” (1964), pois ali, mais do que em outros filmes clássicos do movimento, a legitimização de uma modernidade se faz presente e ainda hoje é possível de ser debatida sem o ranço amargo de prepotência e engodo, tão presente nos cânones cinemanovistas.

Escrito e dirigido por Luiz Sérgio Person, “São Paulo S. A.” possui uma infinidade tão grande de leituras que qualquer pessoa que se aproxime dele para estudá-lo, terá que buscar as suas qualidades atemporais, as que se perpetuaram em razão de haver na obra a qualidade de arquétipo, social e moral, documentando em plano vasto a história da cidade. O crescimento vertiginoso e o microcosmo de seus habitantes – no caso, o jovem Carlos (Walmor Chagas): arrivista social que não quer sê-lo.

Portanto, me parece que para se entender melhor "São Paulo S. A." devemos procurar entender a personalidade do protagonista, Carlos, que atravessa as dimensões da tela como o estrangeiro de Albert Camus, em dias de alheamento, recontados numa narrativa fragmentada, repleta de flashbacks.

Como ponto de partida temos a inscrição: “Os episódios dêste filme são fictícios e ocorrem entre os anos de 1957 e 1961”. Este breve indicador delimita o tempo e leva o espectador mais cuidadoso a reparar que se Carlos tem 25 anos ao conhecer Luciana em 1957, em 1959 terá “26 para 27”, pedindo a mão da mulher em casamento, e em 1961 – marco da volta fatídica a São Paulo após uma fuga para a Serra do Mar –, terá 29 anos.

Não se pode esquecer, claro, que o período de 1957 a 1961 coincide quase por completo com a euforia dos anos JK, nosso templo de industrialização tardia, época que viu surgir magnatas como o Arturo, personagem de Otelo Zeloni – um dos maiores referenciais ítalo-brasileiros no papel do imigrante italiano, empresário de auto-peças que vende a todo tempo a falácia do “Brasil país do futuro” mas recusa-se a dirigir as latas-velhas nacionais.

Arturo funciona como o antagonista natural de Carlos, mas em se tratando de Person o “natural” não é tão natural assim. Carlos contrapõe-se ao antagonista (figura óbvia nas técnicas de roteiro, e que vem a gerar uma das fricções que geram os conflitos) ao mesmo tempo em que se mistura a ele, numa atitude que conspira contra os cânones mais água com açúcar, que pressupõem uma dicotomia marcada entre vilão e mocinho.

Ainda assim, Carlos também tem pouquíssimo de mocinho. A única semelhança com os galãs das matinês viria pelo fato de ele estar em quase 100% dos fotogramas e de blasfemar diretamente contra o comportamento de Arturo. O empresário que burla a legislação trabalhista, sonega o fisco, não sofre de qualquer exame de consciência e vence as marolas na base do jeitinho e do sorriso paternalista.

A questão central do roteiro deixa explícito que apesar da gritaria contra o estilo de Arturo, nada muda de concreto e o cotidiano permanece inoperante para Carlos. Do que adianta apontar o óbvio – a falta de caráter alheia – se o próprio precisa sustentar as idas para o trabalho (1957), o cursinho de inglês (1958) e a família (1959-61)?

Existe em “São Paulo S. A.”, portanto, uma subversão das mensagens claras de René Clair ou Chaplin – nomes para sempre associados à crítica romântica da mercantilização do trabalho –, afastando-se o “herói” do papel de herói, que aliás, nem mesmo vilão é.

Justo porque Carlos passa por todas aquelas fases pessoais, mas é compreendido na sua impossibilidade de se encontrar em nenhuma delas. Nem bom filho – não conhecemos os pais –, nem bom namorado, nem bom amante, nem bom pai.

É cínico a ponto de olhar para o relógio quando a ex-namorada Hilda (Ana Esmeralda) cita pela primeira vez a idéia de suicídio. Atravessa uma ponte – momento extremamente simbólico –, do nada rumo ao nada e caminha por um jardim semelhante ao de Marienbad com Ana (Darlene Glória) – a pin-up que leva um saco de frutas à mãe presa em um asilo – sem perder o rito facial de tensão e entranhamento, acertos da atuação excepcional de Walmor, estreante no cinema, consagrado no teatro.

Como conseqüência lógica, as promessas que Carlos faz a Luciana (Eva Wilma) no Ano Novo – quando a corrida de São Silvestre ainda era à noite – se esfacelam e vão dar na cena inicial do filme, antológica em termos de linguagem.

Através do vidro da varanda que impede que escutemos o som, observamos a briga de Luciana e Carlos. O silêncio e o chiado transformam-se em grandiosidade acústica com a inserção da música de Claudio Petraglia – misturada a panorâmicas da cidade de São Paulo, num retrato diferente daquele imaginado por Rodolfo Lustig e Adalberto Kemeny na “Sinfonia da Metrópole” (1929).

Em “São Paulo S. A.” assistimos a passageiros que pegam o ônibus, vão ao trabalho, sofrem do caos urbano tanto quanto. Mas o diferencial está em que projetam na tela um mundo interno que em nada é parecido com as promessas de ordem, civismo e deslumbramento tecnológico que marcam o parente distante de 1929, pré-quebra da Bolsa.

Além do mais, o irmão de Luciana mastiga uma coxa de galinha e pede para ligar a televisão enquanto o pai faz preleções espirituais aos noivos. Carlos rouba um carro com o adesivo “fabricado no Brasil” – ironia finíssima de Person – e foge para a Serra do Mar. Hilda fala da morte e vemos um “Pequeno Príncipe” na estante do apartamento. Ana pede um emprego para uma coleguinha, atual cacho de Arturo, o canastrão que gosta de se auto-afirmar dizendo-se amigo dos manda-chuvas da Tupi.

A montagem de Glauco Mirko Laurelli – que viria a ser sócio de Person na Lauper Filmes, produtora de “O Caso dos Irmãos Naves” (1967) e “Cassy Jones” (1972), já resenhado neste site – garante a plasticidade do filme, aliada aos cortes no tempo. Colaborações relevantes podem ser igualmente apontadas nos trechos da Amplavisão, de Primo Carbonari – recentemente falecido – e no assistente de direção, Pedro Carlos Rovái, aprendiz de feiticeiro antes dos sucessos como diretor e produtor.

Por outro lado, comenta-se a respeito da influência do cotidiano na criação ficcional do autor. Sabe-se que Person trabalhou numa S. A. – da família do avô – antes de estudar na Itália, dar aulas na Faculdade de Cinema São Luiz em São Paulo, implorar para José Mojica Marins não ler os livros de teoria comprados por Gustavo Dahl e falecer precocemente aos 39 anos de idade, em acidente automobilístico.

O problema é que não é lá muito razoável acharmos que aquela experiência na fábrica tornou-se a razão única e exclusiva para um processo criativo tão complexo quanto o de “São Paulo S. A.”. Se a inquietação não surgisse para Person neste filme específico – que usa, sem dúvida alguma, a tensão entre homem x máquina x homem –, o ethos acabaria surgindo em outros filmes, de temáticas diferentes.

O que se quer dizer com isto é simples: quando a trajetória de Carlos se integra na memória afetiva do público espectador – a ponto de ser presença constante nas listas dos maiores filmes nacionais de todos os tempos –, isto ocorre porque o mito do desbravador jovem, confuso, insistente, se funde ao talento gigantesco do criador
. Torna-se o filme-símbolo de uma cidade que (ainda hoje) se mira desconfiada no espelho do país e de um jovem (Person), que ousou sonhá-la como matéria-prima de sua arte.

Logo, a ilusão de São Paulo pode – por que não? – ser entendida como fenômeno do boom capitalista de uma nação subdesenvolvida, que não tem como aceitá-lo sem recalque, estranhamento ou indiferença proposital. Tal como a eterna volta de Carlos ao início, mesmo que não o queira, mesmo que negue e se desespere com sua impotência bárbara diante do monolito da civilização.

segunda-feira, abril 03, 2006

Sete Mulheres Para Um Homem Só


O pequeno público que cultua o cinema de Mozael Silveira acostumou-se a vê-lo como protagonista, ao lado da esposa, Lameri Faria, nos filmes que dirigiu e roteirizou em meados dos anos 70.

Estas preciosidades, de maior apelo nas reprises do Canal Brasil, guardam hoje a cara dos primos pobres setentistas: produções cheias de cores, samambaias, penteados exóticos e mulheres de biquíni – ou parte deles –, correndo em torno do malandro pobre que sempre conversava ao lado de uma piscina ou batia um prato de comida, naquele naturalismo exacerbado que fazia do cotidiano a peça central para a aproximação com os espectadores.

Piscinas e as casinhas de classe média baixa ou alta, conseguidas com a lábia de Mozael e com o patrocínio das prefeituras locais – de Araruama, em “Secas e Molhadas” (1977); de Miguel Pereira, neste “Sete Mulheres Para Um Homem Só” (1976) – dão a tônica para se entender melhor a audácia de quem tentou e retentou, desde os tempos da Cinédia, construir o cinema popular no Brasil.

Para os aficcionados, convém lembrar que Mozael era o louco que em 1958 confundia o retirante nordestino (Reginaldo Farias) em “No Mundo da Lua”; o repórter inconveniente de “Assalto ao Trem Pagador” (1962); o co-produtor executivo – o outro era David Cardoso – de “Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora” (1971).

Todos estes filmes, dirigidos por Roberto Faria, mostram uma pequena parte da trajetória de Mozael e apontam o envolvimento do cineasta com a R.F.F. Produções Cinematográficas. Em “Sete Mulheres Para Um Homem Só” a R.F.F. serviria de palco para a dublagem dos personagens.

Quem espera ver Mozael atuando em “Sete Mulheres...” terá que pôr a ansiedade de lado e se contentar com a participação por detrás das câmeras – salvo a rápida inserção de sua voz numa chamada de rádio –, tanto como diretor e co-roteirista.

De qualquer forma, o bizarro mundo mozaelense permanece intacto: Lameri, a vamp encorpada e distante está lá mais uma vez; Zezé Macedo, a idosa sem muitos atrativos físicos, idem; e Martim Francisco (Ricardão) interpreta um alter-ego fundamental, o papel que por ordem e direito seria do próprio cineasta.

Ricardo espera a saída dos patrões em férias para tomar conta da mansão – na verdade, as instalações da “Pousada Club de Miguel Pereira” –, auxiliado por José, o mordomo, e Isabel, a cozinheira. Pretendem entupir o local – “Rua dos Prazeres, 69” – de moças desamparadas, cobrando de quebra uma pequena taxa a titulo de manutenção.

A maquiagem, creditada a Helena Rubinstein – dando a entender absurdamente que a própria em pessoa aterrissou no set –, é um dos achados que saltam aos olhos nos cartões iniciais. Via de regra, as aberturas dos filmes de Mozael costumam ter os letreiros em branco sobre fundo negro – em mais uma estratégia óbvia a que os realizadores brasileiros recorreram para baratearem as produções. Esses letreiros, por sua vez, eram acompanhados por uma música que dividiria com outra a tarefa de situar a platéia durante a trama.

É assim que ouvimos “Kung-Fu Fighting”, sucesso nas paradas de sucesso da época, em loop permanente, com arranjos variados para a mesma melodia base: beat acelerado ou marcial ou inferninho-discothéque, à medida em que Ricardo e as meninas ficam ou afoitos ou curiosos ou naquela maciota total, de extrema felicidade. “Mambo Number 5”, presença enlouquecedora nas festinhas de criança há uns anos atrás, aparece na versão original, para logo em seguida dar lugar novamente à canção sino-americana.

Escrito em parceria com os velhos amigos Vitor Lustosa e Geraldo Gonzaga, o roteiro reúne, portanto, a dupla de amigos (Ricardão e José) com a galeria de boas – entre elas, uma hippie e a falsa cantora (Lameri), que dará um golpe dentro do golpe (dado pelas hóspedes, que roubam um posto de gasolina) dentro do primeiro golpe (dado por Ricardão e José, ao tomarem a casa na mão grande).

O lojista afetado, “Marcelo du Bois” – sugestivo nome afrancesado para o vendedor da única rua comercial da cidade – e a feia (Zezé Macedo) também correm atrás de Ricardo, fecham o cerco das intenções de Mozael e companhia, ressaltadas pela montagem do grande Leovegildo Cordeiro, o Radar.

Muito se fala sobre a maravilha da cultura popular no país, mas pouco se dá atenção a obras cinematográficas como esta, que vão se perdendo no espaço. Se até hoje é necessária a ocupação de pelo menos um minuto e meio anterior ao início do filme para apresentação dos parceiros corporativos, Mozael, como bom sobrevivente fazia o mesmo: agradecia por exemplo ao DD. Sr. Prefeito, à Pousada Miguel Pereira, ao Ferro-Velho e ao Supermercado Salgadão.

A vida no Beco da Fome, famoso ponto de encontro destes atores e cineastas, podia ser apertada, cheia de problemas e baixa pirotecnia. Mas como mostra "Sete Mulheres Para um Homem Só", os impedimentos não serviam para acabar com o fôlego da trupe. Pelo contrário, davam um gás tremendo para os folgazões que se divertiam em moto perpétuo brincando de fazer cinema -- e ainda ganhavam dinheiro com isso.