O que dizer de uma besta-fera que se alimentava de pedaços de discos de Amália Rodrigues? Um bicho amarelo, cheio de cílios, a pior criatura de todos os tempos. Com apenas uma bocada, transformava as vítimas em esqueletos retorcidos (talvez made in Pindamonhangaba, já que o próprio animal era made in Ribeirão Preto).
É
preciso muito amor, muita compreensão com ele, o Bacalhau da Guiné. Chega a dar um nó na espinha, uma pontada na base do fígado.
Só pode ser fruto da imaginação de um louco, de um homem que
batucava os dentes ao engolir ovos coloridos, no bar qualquer. Tinha
nome e sobrenome: Adriano Stuart. Falecido em 15 de abril de 2012,
poucas horas depois de Paulo César Saraceni.
Muito
se fala do humor britânico, do stiff
upper lip.
Misturado nas guerras lisérgicas de travesseiros
e nos troca-trocas dos internatos, o stiff
upper lip
desaguou em grupos como o “Monty Python”. Mas aqui mesmo, no
Brasil, a cara de pau de gente como Adriano Stuart merece um
gigantesco troféu na sala psicodélica mais próxima.
No
fim dos anos 50, ninguém daria crédito ao Adrianinho. Começou no
circo do pai, o comediante Walter Stuart, e parou na Tv Tupi. Anos
depois, o pequeno Stuart criaria os sucessos de outras gerações de
moleques: escreveu episódios de “Shazan, Xerife e Cia.”, dirigiu
filmes de “Os Trapalhões”, além do clássico “Fofão e A Nave
Sem Rumo”.
Contratado
pela Ômega Filmes, Adriano Stuart também foi o papai do “Bacs”,
vulgo “Bacalhau” (1976), uma das mais hilárias refilmagens dos anos 70. Escrachou com a peixosa cara de “Tubarão” (“Jaws”,
1975), àquela altura o summer
movie
do momento.
Dali para as matinês nos sofás de couro, ao lado de samambaias, foi
um pulo: ninguém sabe ao certo quantas vezes “Jaws” 1, 2 e 3
foram reprisados nas “sessões da tarde” da década seguinte.
Entre
o calor apoteótico de “Inferno na Torre” e o calor vesuviano de
“Emmanuelle”, a franquia de “Tubarão” clamava aos céus.
“Bacs”, por sua vez, clamou ao divino dorso de Helena Ramos.
Linda de doer, encarna a amante do prefeito (Petrônio, Dionísio
Azevedo). Como todos sabem, o prefeito de “Tubarão” briga com o
delegado (Breda, Hélio Souto) e, no fim das tantas, topa a presença
de um pescador mal encarado (Quico, Maurício do Valle). O pescador é
a outra besta-fera, a única capaz de amansar o espírito de porco
dos mares.
Os
três não contavam com a chegada do oceanógrafo. Um jovenzinho
boa-praça, idealista, e que no “Bacs” é interpretado pelo
próprio Stuart: Matos, um doutor made
in
Portugal. Temos aqui, portanto, um oceanógrafo português.
Acreditem: a certa altura ele dará bordoadas de tacos de baseball
na cabeça chata do monstro da Guiné.
Sinceramente,
a quantidade de piadas, de gags
e de falta de vergonha emocionam de tal modo que “Bacs” precisa
ser um filme de cabeceira de qualquer amante do cinema brasileiro.
Estão lá as piadas sobre traídos, gays, boazudas e frases que
ficam inaudíveis porque vetadas pela censura. Entre as ouvidas,
peguemos duas: “Quem quebra galho é macaco gordo, boneco.” “Tive
um sonho horrível. Sonhei que sua mãe tinha vindo morar com a
gente”, enquanto a mulher acorda assustada, tremida pelo pavor.
A
presença do ator Canarinho faz o lado Hiroito Joanides da história:
a contravenção, em polvorosa com a tragédia marítima que assola a
cidade. No outro canto da sala, Maurício do Valle e Adriano Stuart
repetem a parceria recente de “Kung Fu Contra As Bonecas” (1975).
Também havia Helena Ramos no “Kung Fu”. De macacão jeans e
sentando a pua, em larga escala de catiripapos.
Quando
pensarem que não mais restam esperanças, dia após dia, no mundo
cão das nossas tragédias, lembrem-se: em “Bacs”, a autópsia de
um falso bacalhau revelava que ele havia ingerido carnês do Baú da
Felicidade. Nada mais a dizer. Por tudo o que a brisa canta, evoé
Adriano Stuart. Estás acordado por aí, em algum canto de nuvem.
2 comentários:
Um filme sensacional
Numa entrevista a um livro, a Helena Ramos disse que o "boneco animatrônico" do bacalhau deu tanta dor de cabeça e o Adriano Stuart ficou tão enfezado com ele que mudou o final pra ele ser morto à cacetadas.
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