quinta-feira, março 08, 2007

Bye, Bye Brasil


Apesar de criticado em seu tempo como produção dispendiosa, "Bye, Bye Brasil" (1979), quase trinta anos depois, guarda pelo menos um mérito notável: é um filme que não envelheceu.

Fruto do amadurecimento artístico do diretor Carlos Diegues, a idéia de registrar a transição de um país arcaico e distante do mundo para outro, "integrado" -- porém esquizofrênico e pateticamente miserável -- surgiu durante visita do diretor à floresta amazônica.

Para conhecermos "Bye, Bye Brasil" precisamos conhecer a Caravana Rólidei, fictícia protagonista e preâmbulo da diversão levada de cidade em cidade, cada uma mais distante e necessitada do grupo de artistas mambembes, que vendem ilusão, sexo e circo, na medida certa para deleite dos espectadores e autoridades locais. Esta realidade mudará com o passar do tempo, com a chegada da televisão e a perda da inocência sertaneja para uma espécie de "subcapitalismo". A glória e decadência da Caravana serão o reflexo dessas transformações, ou o "neurótico manifesto" do trauma brasileiro.

Da Caravana fazem parte inicialmente Lorde Cigano (José Wilker), Salomé (Beth Faria) e Andorinha (Príncipe Nabor). Lorde Cigano é legítima figura nacional: sobrevivente, mestre do improviso, vai da vidência espiritualizada à baixa cafetinagem ao sabor dos acontecimentos. Salomé, sua partner, não difere muito, conciliando a atividade de dançarina e cantora com a de eventual prostituta, engolindo todas com ar blasé e sutilmente arrogante. No meio da dupla, Andorinha, negro forte e silencioso, que também improvisa sua atividade de faz-tudo com a de vencedor nas apostas de queda-de-braço promovidas por Lorde Cigano, sempre em nome de um retorno financeiro rápido e tranqüilo.

A eles se juntam Ciço (Fábio Júnior) -- sanfoneiro que vislumbra na passagem da Caravana uma chance de sobrevivência -- e Dasdô (Zaira Zambelli), mulher de Ciço, grávida que dará à luz no meio da Transamazônica. Curioso é que, dos cinco, sabemos apenas a origem do jovem casal. Lorde Cigano, Salomé e Andorinha vieram de lugar desconhecido e não temos qualquer informação passada sobre eles.

No ano da Anistia o Brasil urbano nunca mais seria o mesmo. Já para aquele Brasil rural, profundo, as mudanças eram de outra natureza: chegando a televisão, patrocinada pelas prefeituras e colocada no meio da praça, os gostos de entretenimento rapidamente se modificavam. As apresentações da Rólidei recebem cada vez menos público e surge uma espécie de critério para a trupe: onde houvesse "espinhas de peixe" (antenas) a féria seria curta e a passagem efêmera.

No meio dessa crise nasce uma esperança chamada Altamira. Perdedor na queda de braço contra Andorinha, um caminhoneiro (Carlos Kroeber) contará para Lorde Cigano sobre as maravilhas da cidade, desenvolvida no rastro da estrada Transamazônica, onde "as frutas são descomunais" e uma multidão aproxima-se em busca de fortuna. Os olhos gulosos de Lorde Cigano brilham e ele conduz o futuro de todos Brasil adentro, atrás da terra prometida.

No caminho registram que, nesse país gigantesco e estranho, promessas muitas vezes redundam em tragédias: a estrada espalha morte, desagregação de culturas e famílias. Dasdô tem o bebê -- batizado Altamira -- entre uma parada e outra. Chegando ao destino final, a Caravana Rólidei se depara com a modernidade. Não uma modernidade utópica, sonhada por Montesquieu; mas o progresso sujo, regido pelo capitalismo spencerista típico de lugares onde antes havia nenhuma lei.

É em Altamira que a Caravana se desagrega e -- à parte os esforços da mensagem otimista do final -- o roteiro do diretor e de Leopoldo Serran, a trilha-sonora de Chico Buarque e o charme tristonho dos personagens, sugerem uma divagação melancólica, anti-etnocêntrica, de um país periférico, belo e exótico, porém esquecido e desimportante. Inteligente é o recurso da camiseta de Lorde Cigano, onde se lê "Copacabana": o bairro símbolo do país moderno fazendo a pororoca com o país atrasado, como se fossem dois Brasis, que só com a quebra da inércia têm a possibilidade de um espelhamento intruso.

Carlos Diegues, ou Cacá, vinha na ocasião de filmes completamente opostos: Xica da Silva (1976), megasucesso de bilheteria, e o suave "Chuvas de Verão" (1978). Com a acidez realista de "Bye, Bye Brasil" manteve o ciclo virtuoso e uma divertida briga com setores das esquerdas, que o levara a cunhar o brilhante neologismo "patrulhas ideológicas", para designar aquilo que parte da inteligentsia brasileira praticava e ainda pratica, mas que ninguém ousava botar nome.

7 comentários:

Anônimo disse...

Prezada Andréa, depois de vários meses de pesquisa finalmente publiquei um artigo em meu site sobre a Rua do Triunfo. Está em: http://www.piratininga.org/rua-do-triunfo/rua-do-triunfo.htm
Concordo plenamente com você que esse delicioso filme Bye Bye Brasil não envelheceu.
Quem envelheceu, e de uma maneira particularmente cruel, foi o nosso pobre país.
Até sábado!

Anônimo disse...

Prezada Andréa, de fato "Bye Bye Brasil" é um filme marcante, não apenas por seu sucesso mas fundamentalmente por suas qualidades cinematográficas. A atualidade do filme reside muito na constatação de que persiste no Brasil a polaridade entre dois mundos distantes e contraditórios - o rural e o urbano - e a nossa frustrada ilusão de "modernidade". Observo que "Dias Melhores Virão" pode ser lido, de certa maneira, como um complemento de "Bye Bye Brasil" já que a narrativa se concentra nos bastidores do mundo da televisão e também discute a subserviência nacional a um modelo estrangeiro como prova da nossa ansiada busca pela dita modernidade. Talvez a prova maior possa ser verificada em certos exemplares do cinema brasileiro contemporâneo que nos dá a impressão de estarmos assistindo TV na tela grande. Valeu pelo belo texto. Acho que "Chuvas de Verão" -suave, pero n o mucho - merece uma resenha. Grande abraço.

Andrea Ormond disse...

Jorge, parabéns pelo excepcional trabalho de pesquisa. Deixei um comentário mais detalhado no site. Abraços!

Márcio, o embate entre o moderno e o anacrônico, o urbano e o rural, por mais que pareça batido e repetitivo às vezes, é um traço brasileiríssimo, indissociável do país. O "Bye, Bye Brasil" cumpre com folgas o objetivo de análise poética dessa tensão. E concordo: "Chuvas de Verão" está merecendo mesmo um texto. Forte abraço!

Anônimo disse...

Adorei o texto!
Esse filme é maravilhoso!!

Pezão disse...

Filmaço!
Jose Wilker paga o filme.

"Para Vigo me voy!"...

Neve...

Sensacional.
Abraços.

Anônimo disse...

O FILME é excelente.
Mas gostaria de saber se alguém conhece ADEMIR SILVA, que foi assistente de camera do filme.
Se alguém tiver informações sobre ele mandar um e-mail para silvestremachado@superig.com.br
Obrigado

Anônimo disse...

De Diegues eu só vi 'Ganga Zumba' (bom filme).
Faço notar a recomendação.
Uma saudação.

Carlos GQ