Junto com “A Noite das Taras”, David Cardoso e a DaCar Produções saíram com dois outros filmes em episódios, “Aqui, Tarados!” e “Pornô!” (1981), cujos títulos, exponencialmente escandalosos, deixam claro o quanto a necessidade de se vender sexo sob a chancela cinematográfica era grande naqueles tempos.
Ainda assim os filmes seguram as rédeas das coisas, não apelam, e com certeza podemos dizer que os três episódios de “Pornô!” são um espetáculo de razoável apreço pelo bom gosto. Nada muito diferente do que se via na Globo, a partir da década de 90, em seriados como “Dona Flor e Seus Dois Maridos” ou “Presença de Anita”: os mesmos diálogos cheios de insinuações divertidas e pueris, as mesmas incursões (com ousadia ingênua) à intimidade dos personagens em banhos de chuveiro ou ferventes téte-à-tétes.
E se o espectador se divertir assistindo ao clássico “Pornô!” – que de pornô não tem nada, emprestando o termo pela bilheteria – também vai poder notar uma certa discrepância entre os dois primeiros episódios, “As Gazelas” e “O Prazer da Virtude”, que apenas medianos, são redimidos pelo terceiro, “O Gafanhoto”, um exercício de roteiro e direção que deixaria Julio Cortázar ou Salvador Dali empolgados.
“As Gazelas”, dirigido por Luiz Castellini, mostra Bia (Maristela Moreno) e Maria Helena (Patrícia Scalvi) como um desajeitado casal de jovens lésbicas, sendo Maria Helena a caça e Bia a caçadora. Tentando seduzir a amiga, Bia utiliza-se de todos os subterfúgios possíveis para fazer com que a outra se entregue.
A precariedade do argumento é salva – como em todos os filmes da DaCar – pelo cuidado da ambientação e fotografia, deixando a ilusória impressão de que, na virada dos anos 70 para 80, a maioria dos cidadãos comuns habitava suntuosos apartamentos ou mansões nos Jardins, com teto alto e mobiliário antigo.
Já “O Prazer da Virtude”, dirigido por David, é o tipo de veículo que o diretor-ator-produtor adorava. Fazendo par com Matilde Mastrangi, David é Romano, um homem que seduz Ilona e a leva para sua casa, onde os dois iniciam um jogo erótico: Ilona insinua e Romano se defende. Doze horas transcorrem (a informação do tempo durante uma conversa é inútil, mas curiosa) até que Romano consiga que a moça vista um hábito de freira, e finalmente, os dois realizem-se mutuamente. Mais banal do que isso, impossível.
“Pornô!” interessa, na verdade, é por seu terceiro episódio, “O Gafanhoto”, de John Doo, que mostra Marcos (Arthur Rodever), um homem aprisionado em um casarão por uma jovem e atraente mulher cega, Diana (Zélia Diniz), que, no entanto, tem o poder de vigiar os passos do marido através de reflexos nos espelhos da casa. É um plot da Boca do Lixo, tão denso quanto uma pérola surrealista.
Diana limita Marcos de várias formas, principalmente pelo sexo – um erotismo diferente, tátil, onde a cegueira é parte da sedução. Certo dia, Marcos – ressentido pelo controle absoluto da mulher – captura um gafanhoto em um pote de vidro e traça analogias entre sua situação e a do bicho. Sendo os dois prisioneiros, Marcos resolve oferecer à mulher o gafanhoto. Ela, extasiada – ao som infernal de “Born Free”, música-tema do drama leonino de 1966, “A História de Elza” – passa a trocar o marido pelo prazer repugnante do inseto caminhando por seu corpo.
Marcos, enciumado, discute com Diana e num rompante de fúria quebra todos os espelhos da casa, impedindo-a de enxergar e, por extensão, controlá-lo. Como a falta de controle significa morte, a cada espelho quebrado uma cicatriz funda brota no rosto da mulher aterrorizada.
Perfeito em seu simbolismo, “O Gafanhoto” é um tema à parte, trabalhando com elementos da tensão Feminino-Masculino e com a questão psicanalítica dos invasivos e pertubadores mecanismos obsessivos. Por este roteiro e direção, Ody Fraga – que escreveu – e John Doo – que dirigiu – dão uma demonstração de quantos recursos técnicos e criativos possuíam, e do que eram capazes de fazer em cinema, além dos estigmas e preconceitos que cercavam seus trabalhos.
Quanto a David Cardoso, a partir de 1984, 85 começaria a sofrer – como todo o esquema de produção da Boca – o refluxo dos novos tempos, leia-se a explosão do vhs e da pornografia massificada. Sem o poderio financeiro – e o gigantesco mercado consumidor norte-americano – de um Roger Corman, por exemplo, os ágeis e espertos diretores e produtores paulistanos bem que tentavam driblar as adversidades.
O caso de David, que fez até uma tentativa de documentário sobre Aids em 1986, é parte da história. Em trajetória descendente, no retorno ao formato dos episódios – com “Caçadas Eróticas”, de 84 – a DaCar já se rendia aos novos tempos do sexo explícito enxertado na trama, comprometendo um bocado sua criatividade e graça popular.
Ainda assim os filmes seguram as rédeas das coisas, não apelam, e com certeza podemos dizer que os três episódios de “Pornô!” são um espetáculo de razoável apreço pelo bom gosto. Nada muito diferente do que se via na Globo, a partir da década de 90, em seriados como “Dona Flor e Seus Dois Maridos” ou “Presença de Anita”: os mesmos diálogos cheios de insinuações divertidas e pueris, as mesmas incursões (com ousadia ingênua) à intimidade dos personagens em banhos de chuveiro ou ferventes téte-à-tétes.
E se o espectador se divertir assistindo ao clássico “Pornô!” – que de pornô não tem nada, emprestando o termo pela bilheteria – também vai poder notar uma certa discrepância entre os dois primeiros episódios, “As Gazelas” e “O Prazer da Virtude”, que apenas medianos, são redimidos pelo terceiro, “O Gafanhoto”, um exercício de roteiro e direção que deixaria Julio Cortázar ou Salvador Dali empolgados.
“As Gazelas”, dirigido por Luiz Castellini, mostra Bia (Maristela Moreno) e Maria Helena (Patrícia Scalvi) como um desajeitado casal de jovens lésbicas, sendo Maria Helena a caça e Bia a caçadora. Tentando seduzir a amiga, Bia utiliza-se de todos os subterfúgios possíveis para fazer com que a outra se entregue.
A precariedade do argumento é salva – como em todos os filmes da DaCar – pelo cuidado da ambientação e fotografia, deixando a ilusória impressão de que, na virada dos anos 70 para 80, a maioria dos cidadãos comuns habitava suntuosos apartamentos ou mansões nos Jardins, com teto alto e mobiliário antigo.
Já “O Prazer da Virtude”, dirigido por David, é o tipo de veículo que o diretor-ator-produtor adorava. Fazendo par com Matilde Mastrangi, David é Romano, um homem que seduz Ilona e a leva para sua casa, onde os dois iniciam um jogo erótico: Ilona insinua e Romano se defende. Doze horas transcorrem (a informação do tempo durante uma conversa é inútil, mas curiosa) até que Romano consiga que a moça vista um hábito de freira, e finalmente, os dois realizem-se mutuamente. Mais banal do que isso, impossível.
“Pornô!” interessa, na verdade, é por seu terceiro episódio, “O Gafanhoto”, de John Doo, que mostra Marcos (Arthur Rodever), um homem aprisionado em um casarão por uma jovem e atraente mulher cega, Diana (Zélia Diniz), que, no entanto, tem o poder de vigiar os passos do marido através de reflexos nos espelhos da casa. É um plot da Boca do Lixo, tão denso quanto uma pérola surrealista.
Diana limita Marcos de várias formas, principalmente pelo sexo – um erotismo diferente, tátil, onde a cegueira é parte da sedução. Certo dia, Marcos – ressentido pelo controle absoluto da mulher – captura um gafanhoto em um pote de vidro e traça analogias entre sua situação e a do bicho. Sendo os dois prisioneiros, Marcos resolve oferecer à mulher o gafanhoto. Ela, extasiada – ao som infernal de “Born Free”, música-tema do drama leonino de 1966, “A História de Elza” – passa a trocar o marido pelo prazer repugnante do inseto caminhando por seu corpo.
Marcos, enciumado, discute com Diana e num rompante de fúria quebra todos os espelhos da casa, impedindo-a de enxergar e, por extensão, controlá-lo. Como a falta de controle significa morte, a cada espelho quebrado uma cicatriz funda brota no rosto da mulher aterrorizada.
Perfeito em seu simbolismo, “O Gafanhoto” é um tema à parte, trabalhando com elementos da tensão Feminino-Masculino e com a questão psicanalítica dos invasivos e pertubadores mecanismos obsessivos. Por este roteiro e direção, Ody Fraga – que escreveu – e John Doo – que dirigiu – dão uma demonstração de quantos recursos técnicos e criativos possuíam, e do que eram capazes de fazer em cinema, além dos estigmas e preconceitos que cercavam seus trabalhos.
Quanto a David Cardoso, a partir de 1984, 85 começaria a sofrer – como todo o esquema de produção da Boca – o refluxo dos novos tempos, leia-se a explosão do vhs e da pornografia massificada. Sem o poderio financeiro – e o gigantesco mercado consumidor norte-americano – de um Roger Corman, por exemplo, os ágeis e espertos diretores e produtores paulistanos bem que tentavam driblar as adversidades.
O caso de David, que fez até uma tentativa de documentário sobre Aids em 1986, é parte da história. Em trajetória descendente, no retorno ao formato dos episódios – com “Caçadas Eróticas”, de 84 – a DaCar já se rendia aos novos tempos do sexo explícito enxertado na trama, comprometendo um bocado sua criatividade e graça popular.
8 comentários:
Preciso rever esse com urgência, sei q. assisti na época, mas por incrível q. pareça, na memória só ficou o registro da Matilde vestida de freira (sintomático, não? hehehehe). De qq. forma, sp. fui um fã de John Doo, espero q. em algum momento vc.comente "Ninfas Diabólicas", mas voltando ao "O Gafanhoto", da forma como foi descrito por vc. parece um verdadeiro achado, inusitado e meio "fantástico" do tipo q. deveria entrar na próxima lista do Carlão sobre cinema fantástico e q. deverá ser dos anos 80.
Oi Andrea, você me pediu pra te deixar informada da ZINGU!. Pois bem Andrea é com muito orgulho que venho te comunicar que a nossa revista já está no ar no www.revistazingu.blogspot.com com entrevista exclusiva com o cineasta Conrado Sanchez. Ainda um dossiê analisando três filmes dele e muitas sessões. A sua Estranho Encontro, dedicada ao cinema brasileiro; a Cinema Extremo do amigo Marcelo Carrard sobre filmes extremos; Musas eternas sobre a atriz Alba Valéria, entre muitas outras. Colaboram também conosco: Sérgio Andrade, Gabriel Monteiro e Mellody Westerna. Por favor Andrea, divulgue no seu blog nosso endereço: www.revistazingu.blogspot.com. A edição de outubro já está no ar, e estaremos sempre mensalmente. Abraços, Matheus.
Oi Edu, a Matilde vestida de freira deve ter alimentado muitas fantasias rsrs "O Gafanhoto" realmente é um achado, aliás, o cinema da Boca está repleto de pérolas esquecidas como essa :)
Oi Matheus, a "Zingu!" ficou ótima! Fiz um post divulgando-a aqui em cima :) Bjs.
O que mais me impressionou neste filme foi justamente a primeira cena, quando as duas moças saem de um bem-cuidado parque em estilo inglês e entram num elegante prédio em estilo neoclássico. Fiquei maluco. Aquela poderia ser uma cena de capital európeia. Demorei para descobrir que lugar era aquele, mas finalmente reconheci como sendo a Praça Buenos Aires, hoje em estado lamentável e enfeiada por umas grades horrorosas.
Pensei duas coisas: 1 - como os cineastas da Boca viviam mostrando o centro da cidade em seus filmes, de propósito ou não - seja porque externas são mais econômicas, seja porque gostassem mesmo de mostrar o então glorioso Centrão. 2 - a agonia do Centro de lá para cá, atualmente num estado lamentável. Hoje em dia, nem dá mais para usar a cidade como cenário. Está tudo imundo, feio, decadente, e ainda por cima o diretor corre o risco de ter todo o equipamento levado por assaltantes.
Neste prédio em frente à praça Buenos Aires supracitado mora a Tizuka Yamazaki.
Oi pessoal, meu nome é Juliana e sou filha do cineasta John Doo. Fiquei muito feliz de saber que ainda admiram o trabalho dele.
Gostaria de saber se alguem possui copias em dvd dos filmes dele (ator, diretor, produtor...) porque, por mais estranho que pareça, nós não temos cópias dos filmes, eles estavam todos em rolos e estragaram...
Se alguém puder me ajudar vou ficar pra sempre agradecida !!!
Muito obrigada !!!
meu email é juyling@gmail.com
NÃO ENCONTREI NA LISTA AO LADO O FILME "AS SEIS MULHERES DE ADÃO" ?
ESTE É UM FILME DE 1982.
Eu sempre achei que este tipo de cinema não tivesse nenhum valor artístico,eu sempre adorei pela alta voltagem erótica de alguns,inclusive este.eu quase me desmanchei ao ver David cardoso nu e tomando banho,sem contar que na época os cinemas não mostrava sua genitália que milagrosamente pela net se vê com clareza.
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