A glória e a decadência da Boca do Lixo – o mais importante centro produtor de cinema brasileiro nos anos 70 e 80 – encontram sua encruzilhada na produção de filmes de sexo explícito a partir de 1981, quando Raffaelle Rossi lança “Coisas Eróticas”, sucesso de público por conta das cenas “explícitas” enxertadas pelo diretor.
No embalo de “O Império dos Sentidos”, filme de Nagisa Oshima que foi exibido no Brasil através de um mandado judicial, os produtores da Boca haviam descoberto o caminho das pedras – e passaram a realizar filmes com conteúdo pornográfico, que burlavam a proibição oficial e faziam bilheteria antes que a censura conseguisse reagir.
Some-se a isso a esculhambação brasileira, que permitia que os filmes pornôs – brasileiros ou estrangeiros – passassem em qualquer cinema das grandes cidades (não apenas em salas especiais, como ocorre na maioria dos países do mundo), e gradativamente o cinema da Boca fez a transição dos filmes de conteúdo erótico, mas cheios de enredo, para o apelo superficial à pornografia pura e simples.
Paradoxo, aquilo que pouco antes se mostrou uma saída viável para gerar mais dinheiro, foi justamente o que matou a indústria auto-sustentável da Boca do Lixo paulistana. Massacrados pelas produções pornográficas estrangeiras, que chegavam aqui a preços mais baratos, os pornôs nacionais foram deixando de ser feitos e no final da década de 80, a Boca – intoxicada, estigmatizada e esvaziada pelo modelo fácil e de baixo custo – finalmente desapareceu.
“Oh! Rebuceteio” (1984) é exemplar típico deste período de exceção do cinema brasileiro, mas que, produzido e dirigido por Cláudio Cunha, salva-se na fronteira entre o inteligente e o execrável.
Cheio de referências sutis a universos culturais estranhos ao público que o consumiu, não é errado dizermos que vinte e poucos anos depois, o filme ainda não fechou seu ciclo, permanecendo em busca de reconhecimento, a ser revisto em mostras e exibições cult com o mesmo olhar cuidadoso que devotamos a Tinto Brass ou às produções setentistas estreladas por Brigitte Lahaie.
Repleto de metalinguagem, espécie de “A Chorus Line” sem vergonha, “Oh! Rebuceteio” nos remete a todas aquelas histórias que ouvimos desde a infância sobre liberdade sexual no meio artístico, notadamente no teatral. É este o mote para o semi-exploitation de Cunha: uma peça, um diretor com idéias de psicanálise reichiana e um elenco de jovens entre 20-25 anos ávidos pela fama.
O próprio Cláudio Cunha faz o papel de Nenê Garcia: diretor do filme interpretando o diretor da peça. O contraponto são figurantes, corpos em fúria. A atriz que vai ganhar o papel principal, sua mãe, o vilão homossexual enrustido. Nada, no entanto, é levado a sério e todo o conflito é relativizado (e, pode-se dizer, anestesiado) nas intensas orgias de sexo grupal, em todas as combinações possíveis.
Nenê Garcia é um guru da liberdade, ordena imperativamente que o grupo se solte, se liberte, enquanto ele mesmo se mantém, com pudor, nas sombras. O elenco está em suas mãos, concretizando o comando de “liberdade total” exigido pelo mestre. Transam até cansarem, em cenas de plástica cuidadosa, realizadas por alguém com evidente talento para filmar. O grande cuidado artesanal torna o sexo agradável de ser assistido, mesmo pelo espectador que não esteja minimamente interessado em voyeurismo. E os diálogos são claros, engraçados e fazem pensar além da história narrada.
Notável também é pensarmos que “Oh! Rebuceteio” foi rodado em meados de 1983, mais ou menos na época em que a Aids se espalhava pelo mundo. No Brasil chegaria com força total por volta de 1985, de modo que o discurso pesado a favor do sexo sem freios era uma espécie de canto dos cisnes, tornando o filme ainda mais interessante.
Baseado na peça “Oh, Calcutá!”, o título – que por extensão é o título da peça dentro do filme – soa quase inesquecível, lembrando um jogo de palavras barato ou o famoso termo lésbico que designa a ciranda de sexo entre várias mulheres. Mas citado durante a trama, ficamos sabendo na cena final que "rebuceteio, no dicionário, é traduzido como grande confusão. Grande confusão é a própria vida, é isto aqui...um rebuceteio” – todos se congratulam e o pano se fecha.
Com trilha-sonora de Zé Rodrix, montagem de Éder Mazzini (o mesmo de “Amor Estranho Amor” e “Anjos do Arrabalde”) e filmado no Teatro Procópio Ferreira – onde Cláudio Cunha estava em cartaz com a peça “O Analista de Bagé” – este foi o último trabalho do diretor na tela grande. Quando nos anos seguintes Cunha se dedicou ao teatro, também com grande sucesso, deixou para trás uma filmografia pequena mas diversificada, que com certeza será lembrada entre os altos e baixos na produção daquele tempo pela criatividade e ousadia no trato cinematográfico.
Ver também:
O Gosto do Pecado
Karina, Objeto do Prazer
No embalo de “O Império dos Sentidos”, filme de Nagisa Oshima que foi exibido no Brasil através de um mandado judicial, os produtores da Boca haviam descoberto o caminho das pedras – e passaram a realizar filmes com conteúdo pornográfico, que burlavam a proibição oficial e faziam bilheteria antes que a censura conseguisse reagir.
Some-se a isso a esculhambação brasileira, que permitia que os filmes pornôs – brasileiros ou estrangeiros – passassem em qualquer cinema das grandes cidades (não apenas em salas especiais, como ocorre na maioria dos países do mundo), e gradativamente o cinema da Boca fez a transição dos filmes de conteúdo erótico, mas cheios de enredo, para o apelo superficial à pornografia pura e simples.
Paradoxo, aquilo que pouco antes se mostrou uma saída viável para gerar mais dinheiro, foi justamente o que matou a indústria auto-sustentável da Boca do Lixo paulistana. Massacrados pelas produções pornográficas estrangeiras, que chegavam aqui a preços mais baratos, os pornôs nacionais foram deixando de ser feitos e no final da década de 80, a Boca – intoxicada, estigmatizada e esvaziada pelo modelo fácil e de baixo custo – finalmente desapareceu.
“Oh! Rebuceteio” (1984) é exemplar típico deste período de exceção do cinema brasileiro, mas que, produzido e dirigido por Cláudio Cunha, salva-se na fronteira entre o inteligente e o execrável.
Cheio de referências sutis a universos culturais estranhos ao público que o consumiu, não é errado dizermos que vinte e poucos anos depois, o filme ainda não fechou seu ciclo, permanecendo em busca de reconhecimento, a ser revisto em mostras e exibições cult com o mesmo olhar cuidadoso que devotamos a Tinto Brass ou às produções setentistas estreladas por Brigitte Lahaie.
Repleto de metalinguagem, espécie de “A Chorus Line” sem vergonha, “Oh! Rebuceteio” nos remete a todas aquelas histórias que ouvimos desde a infância sobre liberdade sexual no meio artístico, notadamente no teatral. É este o mote para o semi-exploitation de Cunha: uma peça, um diretor com idéias de psicanálise reichiana e um elenco de jovens entre 20-25 anos ávidos pela fama.
O próprio Cláudio Cunha faz o papel de Nenê Garcia: diretor do filme interpretando o diretor da peça. O contraponto são figurantes, corpos em fúria. A atriz que vai ganhar o papel principal, sua mãe, o vilão homossexual enrustido. Nada, no entanto, é levado a sério e todo o conflito é relativizado (e, pode-se dizer, anestesiado) nas intensas orgias de sexo grupal, em todas as combinações possíveis.
Nenê Garcia é um guru da liberdade, ordena imperativamente que o grupo se solte, se liberte, enquanto ele mesmo se mantém, com pudor, nas sombras. O elenco está em suas mãos, concretizando o comando de “liberdade total” exigido pelo mestre. Transam até cansarem, em cenas de plástica cuidadosa, realizadas por alguém com evidente talento para filmar. O grande cuidado artesanal torna o sexo agradável de ser assistido, mesmo pelo espectador que não esteja minimamente interessado em voyeurismo. E os diálogos são claros, engraçados e fazem pensar além da história narrada.
Notável também é pensarmos que “Oh! Rebuceteio” foi rodado em meados de 1983, mais ou menos na época em que a Aids se espalhava pelo mundo. No Brasil chegaria com força total por volta de 1985, de modo que o discurso pesado a favor do sexo sem freios era uma espécie de canto dos cisnes, tornando o filme ainda mais interessante.
Baseado na peça “Oh, Calcutá!”, o título – que por extensão é o título da peça dentro do filme – soa quase inesquecível, lembrando um jogo de palavras barato ou o famoso termo lésbico que designa a ciranda de sexo entre várias mulheres. Mas citado durante a trama, ficamos sabendo na cena final que "rebuceteio, no dicionário, é traduzido como grande confusão. Grande confusão é a própria vida, é isto aqui...um rebuceteio” – todos se congratulam e o pano se fecha.
Com trilha-sonora de Zé Rodrix, montagem de Éder Mazzini (o mesmo de “Amor Estranho Amor” e “Anjos do Arrabalde”) e filmado no Teatro Procópio Ferreira – onde Cláudio Cunha estava em cartaz com a peça “O Analista de Bagé” – este foi o último trabalho do diretor na tela grande. Quando nos anos seguintes Cunha se dedicou ao teatro, também com grande sucesso, deixou para trás uma filmografia pequena mas diversificada, que com certeza será lembrada entre os altos e baixos na produção daquele tempo pela criatividade e ousadia no trato cinematográfico.
Ver também:
O Gosto do Pecado
Karina, Objeto do Prazer
21 comentários:
Ninguém me tira a convicção de q. a análise absolutamente perfeita q. vc. traçou sobre a decadência e desaparecimento da pronochanchda tem a ver com uma estratégia dos americanos via filmes de sexo explícito e mandato de segurança.
olá, apesar do adágio ao sol ser um filme fraco, bem-vinda ao cadernos de cinema :) foi o melhor debate que eu já assisti, não pelos argumentos, mas pela descontração, seria bem bacana se tivesse acontecido o mesmo no jardim de guerra ou algum filme do saraceni, mas enfim...
bacana sua participação e aparecerei mais por aki pra dar uns conferes :)
flw, bjo
Oi Andréa: genial a crítica do REBUCETEIO. Sou fã de carteirinha do Cláudio Cunha, o acho o maior cineasta vivo do país. O GOSTO DO PECADO e AMADA AMANTE, são outros títulos geniais deste verdadeiro poeta da pornochanchada. Estou atrás dos dois primeiros filmes dele, que acho não existem nem em VHS. Se você achar, me avise por favor. De resto, depois de uma crítica dessas não resta muito o que dizer. Só lembrando: foi o único filme explícito montado pelo Éder Mazzini. Isso não foi por acaso. Fui atrás da tua indicação e vi Pureza Proibida do Alfredinho, e devo tirar o chapéu: puta filme bonito. De resto, estou muito ansioso: queria saber quando sai a entrevista tão prometida...Bjos, Matheus.
Mais um que não vi, mas se me permite/perdoa o comentário prévio à sessão, só mesmo você pra tirar tanto lirismo dum clássico pornô. :D Um beijo do amigo
Luiz.
Parabéns pelo blog!
Super necessário e gostoso de ler!
Q pena q depois não consigo achar os filmes q são alvos de suas críticas!
Sucesso!!!!!!!!
Com certeza Cláudio Cunha é um cineasta da Boca que merece ser reavaliado, e para melhor. Filmes como Amada Amante, Sábado Alucinante e Gosto do Pecado possuem bons roteiros, bom nível técnico e interpretações de qualidade. Precisa de mais o quê? Dá uma lavada em muita superprodução de Hollywood de hoje em dia.
Em tempo: Estou participando de um movimento que busca preservar o patrimônio histórico e arquitetônico da Boca do Lixo, ameaçado por um projeto da Prefeitura chamado de "Nova Luz" e que planeja demolir 10 quarteirões da área, inclusive a Rua do Triunfo inteira. Completando o que você disse, a Boca foi não apenas o maior centro produtor de cinema brasileiro dos anos 70 e 80, mas de todos os tempos, e talvez não só do Brasil mas também de toda a América Latina. Essa é uma história que precisa ser revalorizada, resgatada e preservada, o que você aliás vem ajudando a fazer com muita competência e sensibilidade através do seu blog.
Oi Edu! É a política do big stick, do porrete mesmo. Taí uma abordagem que nunca deixam caducar, e que vai se renovando, minando o poder de alcance das produções nacionais.
Olá Vertov, obrigada, bom vc ter gostado do debate :) Valeu, volte sempre! Bjs
Oi Matheus, se conseguir os filmes te dou um toque, vou garimpar por aqui. O "Pureza Proibida" é um belo filme mesmo, dá pra perceber o enorme talento e sensibilidade do Sternheim. Logo vai sair a entrevista!! rsrs Bjs
Oi Luiz, "Oh Rebuceteio" vai além do aspecto pornô :) Bjs
Oi Armando, o acesso aos filmes é um problema sério mesmo. Só em veículos especializados, como o Canal Brasil e locadoras de nacionais. Valeu pelo comentário, obrigada!
Oi Jorge, somente em um país sem o mínimo senso de interesse público, de passado ou de futuro, algum administrador pode cogitar destruir parte da nossa memória. É de uma inabilidade sem tamanho (já que a revitalização inteligente da área seria o caminho a se seguir), que surge da ignorância e do preconceito em relação ao cinema da Boca. A única Palma de Ouro brasileira (para usar um argumento que costuma agradar) saiu dali, via Cinedistri. O movimento é absolutamente necessário, conte comigo no que precisar.
Olá Andrea, tive conhecimento do seu blog por meio do Jorge Rubies que o indicou-me.
Também estou evolvido no movimento que busca a preservação do patrimônio do Bairro da Luz.
A lista de filmes que vc aqui comentou é muito boa!! Assisti a uma dúzia deles, creio, e adorei a maneira como vc os retrata, longe dos preconceitos infantis que encontramos por toda parte. Senti falta de Amada Amante um filme ótimo de Paulo Cunha, dentre os meus preferidos, e ainda seria bom material a vc que busca "tratar da condição feminina no cinema brasileiro", pois o filme, a meu ver, tem relação direta com o tema.
Se não o encontrar pode entrar em contato comigo por e-mail pois tenho cópia:
joserodolfochufan@hotmail.com
Um abraço e parabéns pelo Blog,
Rodolfo
Eu cheguei neste blog procurando no Google, depois de ver o filme no Canal Brasil. Fiquei muito impressionado com a qualidade dele, não tinha idéia que dentro da filmografia de sexo explícito nacional havia algo tão bom.
A única curiosidade que ainda não consegui satisfazer foi relacionar os nomes às atrizes e atores do elenco. Se alguém puder indicar uma URL com um álbum de headshots ou identificando protagonistas com personagens, agradeço.
Bem achei o filme no google, quem quizer: http://bbdxr1gxhfdxz41m7.usercash.com/
ou
http://galinhasbr.com/dino/
Aqui está o link do IMDB, com as informações do elenco:
http://www.imdb.com/title/tt0241788/
Eu gostaria muito de saber onde encontrar filmes deste mesmo gênero, sexo explicito sem 'culpa moral', apenas por entender como prática cotidiana e liberdade de expressão corporal. Confesso que eu achei esse filme fantástico, muito bom, e não falo sobre o ponto de vista do erotismo, mas pelo trato nas cenas com sexo, os nus frontais, e o não preconceitos com os genitais.
Adorei a análise. Estou em busca do filme neste momento.
Andrea, esse foi o primeiro e único pornô que assisti, num cinema que ficava nade esquina com a avenida(esqueci o nome!) que terminava no Lago do Paissandú!Ao lado da entrada do cinema, construiram uma gaiola de vidro à prova de balas,decorada com samambaias em que ficavam "atores e atrizes" nús, simulando sexo e exibindo-se ao público em frontais!
fazia um bom tempo que estava procurando um blog com esta temática seu blog já está nos meus favoritos!
Quando me falaram da possibilidade de existir um pornô cult duvidei, mas esse sem dúvida merece esse rótulo. O Cunha consegue pegar conceitos meramente abstratos e toná-los de fato físicos e as cenas de sexo são de beleza plástica que quase que elimina o encômodo do excesso de orgias no filme.
Mas é preciso abrir um parentese (a cena no fim filme do cara com a melância é de ridicularidade imensa)
Como diria um amigo meu: "nunca precisou"
Abraço e parabéns pelo texto.
Quem quiser ver o filme inteiro, veja aqui:
http://www.gigasexo.com/video/565/oh-rebuceteio-classico-do-porno-brasileiro
Assisti no cinema também - como eu
ia ao cine nessa época! - e me parece
o melhor filme do diretor Cláudio Cunha.
A atriz que faz pepel de Letícia,
se não me engano, Márcia Ferro, fez
posteriormente outros filmes de
sexo explícito mais grotescos, mas
em Oh Rebuceteio ela está linda e
parece mesmo uma adolescente.
Assisti Oh! Rebuceteio com meu namorado. Já sabia que esse filme, apesar do apelo sexual e sexo explícito, não seria aqueles filmes que assistimos pra sentir tesão. Morrí de rir com as frases de Nêne Garcia: Vamos gozar gostoso! Você também, mexe! Fode ela! Mexam!
Claudio Cunha dá um banho em muito critico desse tipo de filme e adoraria ver um "remake" de Oh! Rebuceteio. Dia desses ele estava em cartaz no Teatro Eva Wilma, em Vila Carrão, SP e meu namorado foi ver a peça, uma outra versão do "Analista de Bagé", riu do começo ao fim. Claudio Cunha deu um banho de interpretação. Adoro!
Esse filme é uma bosta, mas é engraçado. É um típico filme trash, com mulheres e as suas xoxotas peludas e os homens todos peludos. É um filme trash mesmo, tanto pela qualidade do filme como a trilha sonora e o roteiro.
Pra quem quiser ver um filme diferente, antigo e tosco, veja e terá diversão.
Esse é um dos melhroes filmes pornô da história. Pelos comentários o pessoal quer julgar um pornozão pela mesma métrica de um filme 'sério'. Menos meu povo. Mas mesmo por essa métrica, ainda é um bom filme : é divertido e não ofende a inteligencia do espectador.
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